Cultura

Festival Sonoridades apresenta ‘veteranos estreantes’

Evento voltado para novidades da música brasileira traz a experiência de artistas como Black Alien, Daniel Jobim e Charles Gavin

Black Alien: nove anos depois do CD de estreia “Babylon by Gus”, o rapper adianta músicas de seu novo disco, “No princípio era o Verbo”, em produção
Foto: Terceiro / Divulgação
Black Alien: nove anos depois do CD de estreia “Babylon by Gus”, o rapper adianta músicas de seu novo disco, “No princípio era o Verbo”, em produção Foto: Terceiro / Divulgação

RIO - Curador do Sonoridades, Nelson Motta define o festival — que chega à sua terceira edição, no Oi Futuro Ipanema, entre 5 e 27 de abril — como uma vitrine da novidade da música brasileira. O histórico do evento, assim como a escalação deste ano, confirma isso. Mas, olhados com atenção, eles apontam outra característica do Sonoridades: o valor da experiência na construção da novidade. Das quatro atrações principais do festival — uma por semana, sempre às sextas-feiras e aos sábados — três são “estreantes veteranos”: Black Alien, Daniel Jobim e Panamericana (banda formada por Dado Villa-Lobos, Charles Gavin, Dé Palmeira e Toni Platão). A quarta é SILVA, projeto do capixaba Lúcio da Silva Souza, de 24 anos — ele recebe Kassin e Céu nos dias 26 e 27.

Assim como Lúcio, Black Alien (primeira atração do Sonoridades 2013, nos dias 5 e 6) tem apenas um CD solo, “Babylon by Gus vol. I — O ano do macaco”. Mas, diferentemente do jovem que estreou em 2011, o rapper de Niterói tem mais de duas décadas de carreira — iniciada no Speed Freaks, ao lado de Speed. Mas após ter se tornado conhecido como uma das vozes do Planet Hemp e ter lançado seu primeiro disco em 2004, o artista — por uma série de problemas extramusicais — saiu de cena. Há dois anos, prepara a volta. No fim do ano passado lançou a inédita “Pra quem a carapuça caiba” (“um expurgo”, na definição do rapper, com letra com referências a depressão e drogas). Essa é uma das “quatro ou cinco” novas que ele mostrará no Oi Futuro, adiantando o álbum “No princípio era o Verbo”, que espera lançar ainda no primeiro semestre.

— Tem uma que fiz com o DJ Zegon — conta o rapper. — É um reggae, um dubstep com letra em inglês. O refrão brinca com hostile (hostil) e whole style (estilo todo) , algo como “somos hostis por causa do estilo todo, o estilo todo está por trás da hostilidade”. É sobre o que estão fazendo da tecnologia, que está sendo usada para abreviar o Apocalipse. As letras estão bem políticas. A referência à Bíblia (o título do CD é extraído de João 1:1) vem naturalmente, porque é um livro que sempre gostei de ler. Gosto de ler Eclesiastes, as cartas de Paulo... Vejo muita política ali.

No show, Black Alien terá como convidados Flora Matos, André Ramiro, Edi Rock (apenas dia 5) e Gabriel O Pensador (dia 6). As novas do repertório incluem raps como “Jah na contenção” (“Meio uma oração, um mantra, sobre o mal e o bem”), “Rolo compressor” (“Um improviso”) e uma releitura de “Sentimental”, de Altemar Dutra.

Atração dos dias 12 e 13, Daniel Jobim (que recebe Ed Motta e Maíra Freitas) tem estrada como pianista. Mas seu trabalho próprio foi mostrado pouquíssimas vezes (no Rio, ele fez apenas um show, recentemente, no Espaço Tom Jobim).

— Preferi tocar mais, fazer turnês para aprender. Tocar com Dorival, com meu avô (Tom Jobim) , montar o The Bridge (projeto internacional com artistas como Michael Sembello, Toshi Kubota e Paulinho da Costa) . Estou feliz de fazer essa estreia agora — diz Daniel, de 40 anos.

O repertório incluirá canções inéditas suas e de outros (“Gravei uma de Ed linda no CD novo dele, quero tocar”), ao lado de músicas do avô. Daniel terá no palco Paulo Braga (bateria) e Paulo Jobim (violão), seu pai.

O jovem Jobim ainda não pensa num disco completo:

— Minha ideia é gravar primeiro um CD de quatro músicas, como fez o Roberto Carlos.

Curiosidade e coragem

Experiência sobra também na Panamericana (atração dos dias 19 e 20). Dado, Gavin, Dé e Platão começaram no rock brasileiro dos anos 1980 e, agora, juntos, lançam um olhar sobre a música pop latina. A banda toca versões em português de clássicos argentinos e uruguaios, impondo cara própria:

— O arranjo de “Zafar”, da banda uruguaia La Vela Puerca, ficou mais suingado, meio carimbó elétrico. Outra que ficou muito diferente é “Pasajera”, de Charly García e Pedro Aznar, com versão de Dé e Bruno Cosentino — diz Gavin.

Para ele, a escalação do Sonoridades provoca perguntas:

— Não seria um momento delicado para o pop-rock nacional? Onde estão os espaços na TV para as pessoas mostrarem seus trabalhos? E se o rádio não tocar? São questões complexas, e é bom ser veterano nessas horas. Você pode lançar mão de sua experiência.

Nelson Motta defende que o momento é positivo:

— Os mais velhos não pararam. Chico, Caetano, Lulu, a turma dos 40... E vem aparecendo uma galera muito jovem fazendo a renovação.

Black Alien resume a condição de “estreante veterano”:

— A gente está criando, com a humildade de olhar para trás, a curiosidade de olhar para a frente e a coragem de se olhar no espelho para ver que artistas somos hoje.