Economia Defesa do Consumidor

Conar abre processo sobre marcas que inventam histórias

Diletto e Do Bem adotaram narrativas comoventes como estratégia

Historinhas. A marca Do Bem cita laranjas da “fazenda do senhor Francisco", mas tem também um grande fornecedor
Foto: Divulgação
Historinhas. A marca Do Bem cita laranjas da “fazenda do senhor Francisco", mas tem também um grande fornecedor Foto: Divulgação

SÃO PAULO e RIO - Pela primeira vez em seus 37 anos, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu processo para julgar se as histórias criadas por empresas para contar a origem de seus produtos infringem o código que regulamenta a publicidade no Brasil. A investigação foi aberta no dia 3 contra a Diletto (fabricante de sorvetes) e a Do Bem (empresa de sucos) a partir da queixa de uma consumidora, cujo nome não foi divulgado. Com base em reportagem da revista “Exame”, ela se queixou de que as histórias contadas pelas companhias não correspondem à verdade.

A Diletto conta que o “nonno Vittorio”, avô dos fundadores, fabricava sorvetes com neve e frutas frescas na Itália. Com a Segunda Guerra Mundial, ele veio para o Brasil. Mas, na entrevista à “Exame”, o dono da empresa, Leandro Scabin, contou que o avô se chamava Antonio e jamais fabricou sorvetes. Era jardineiro e veio para o Brasil ao menos 20 anos antes da guerra.

“A empresa não teria crescido tanto sem a história do avô e o conceito visual que construímos. Como eu convenceria o cliente a pagar R$ 8 num picolé desconhecido?”, disse Leandro Scabin à revista.

No caso da carioca Do Bem, as caixas de suco trazem impressa a informação de que as laranjas, “colhidas fresquinhas todos os dias, vêm da fazenda do senhor Francisco do interior de São Paulo, um esconderijo tão secreto que nem o Capitão Nascimento poderia descobrir”. O apelo é o de um produto orgânico, e os preços são em torno de 10% acima dos da concorrência. Segundo a reportagem da “Exame”, “seu Francisco” nunca existiu, e as laranjas vêm de empresas como a Brasil Citrus, que também é fornecedora de marcas próprias de supermercados.

EMPRESAS DEFENDEM VERSÕES

Contar uma história para diferenciar a marca é prática recente, que os publicitários chamam de storytelling , narrativas para comover os consumidores. O caso de Diletto e Do Bem é inédito no Conar porque, em geral, as reclamações se referem à propaganda enganosa, que mente sobre produtos ou serviços ou deixa de dar informações básicas ao consumidor, levando-o ao erro.

De acordo com o Conar, as empresas tiveram dez dias para apresentar suas defesas. O Conar não revelou como Diletto e Do Bem se justificaram. O julgamento do Conselho de Ética do Conar deve ocorrer em dezembro, e o órgão pode recomendar a suspensão ou alteração das peças publicitárias.

Procurada pelo GLOBO, a Diletto informou em nota que pretende pedir o arquivamento da investigação, já que o item entregue ao consumidor é o prometido: “um gelato premium, com base importada da Itália, feito com ingredientes nobres e de procedências garantidas”. Sobre a comunicação da marca, diz que ela foi desenvolvida para “reforçar de forma lúdica nossos valores, com base em fatos reais”, e o personagem Vittorio é “alter ego” do avô do fundador.

A Do Bem negou, também em nota, que use histórias fictícias. Afirmou que “todas as suas histórias são verdadeiras”. “Reginaldo, José, Laercio, Francisco, todos são reais, e são nossos fornecedores de frutas”. A empresa informou que preparou esclarecimento e que “aguarda reunião no Conar para comprovar os fatos”.

(Colaborou Karla Mendes)