Opinião

A matança e o antiamericanismo russo na Síria

Como diz Georgy Mirsky, os russos podem viver sem a Síria e sem Assad, mas consideram inaceitável a impressão de que Moscou estaria dançando a música de Washington

A decisão no dia 27 de maio da União Europeia levantar a proibição de fornecer armas para os rebeldes sírios foi uma boa noticia para pessoas como mim que acreditam que uma intervenção é necessária para terminar de vez com o sangrento ditador Bashar al-Assad. Mas a oposição síria se queixou no dia seguinte que isso podia ser muito pouco e muito tarde. A confirmação por um oficial francês que nenhuma arma ia ser exportada para os rebeldes antes do dia 1 de agosto, para dar uma chance à cúpula de paz a ser realizada em Genebra no mês que vem, foi decepcionante.

Decepcionante porque é claro para qualquer pessoa que queira enxergar que os russos estão enrolando os americanos e europeus para ganhar tempo nas suas ações de escorar o regime de Assad. Na ONU, a Rússia e a China bloquearam qualquer condenação do regime do Assad no Conselho de Segurança. E para que? A Rússia e a China têm muitos laços históricos com a Síria? Não. Muito comércio bilateral com a Síria? Não. Essas duas potências mantem o seu apoio à Síria por razões puramente ideológicas, e com isso o povo sírio sofre numa guerra civil sangrenta de mais de dois anos e mais de 80.000 mortos.

Os rebeldes sírios estão travando batalhas para se libertar de um ditador -- sem escrúpulos em mandar matar, estuprar e torturar seu próprio povo – com muito menos armas do que as forças do governo que tem tanques, aviões caça e bombas pesadas. Agora a Rússia esta prestes a mandar um carregamento de misseis S-300 para a Síria, que os russos insistem foi comprada em 2007, antes de a guerra civil começar. O vice-ministro russo de relações estrangeiras Serguei Ryabkov disse que esses misseis vão ser um fator de estabilidade na Síria por dissuadir alguns exaltados de intervir na guerra civil. O enviado russo à OTAN também justificou a venda, dizendo que “nos não estamos fazendo nada para mudar a situação na Síria.” Sim, mas estão fazendo de tudo para que o Assad fique no poder. De acordo com as especificações técnicas dos misseis S-300, eles foram projetados para defender contra misseis de vários tipos. O radar que cada S-300 possui pode acompanhar até 100 alvos simultaneamente, e engajar até 12. Eles são uns dos mais potentes sistemas de misseis, e vão ser um sério problema para as forcas do OTAN se o Ocidente decidir em uma intervenção militar na Síria.

Para tentar entender a mente russa, é bom ler o artigo de 21 de maio da Julia Ioffe na revista política americana The New Republic. De origem russa ela mesma, a Ioffe entrevistou vários analistas russos sobre a atuação russa na Síria, e vários disseram que a Rússia gostava do regime Assad porque era secular e não ameaçava seus vizinhos. Eles também repetiram a mantra -- já cansado -- de que os extremistas islamitas iam tomar poder se Assad caísse, e iam ameaçar a Rússia e os Estados Unidos. Mas um deles acertou o coração da questão quando disse que o apoio russo ao regime Assad, aparentemente interminável mesmo com tanta mantença, é resultado de um antiamericanismo e suspeita de qualquer ação americana, que é um vestígio da Guerra Fria e a velha União Soviética. “A questão não é amor por Assad, ou o nosso porto de Tartous, ou até mesmo a venda de armas. ...Podemos viver sem a Síria, podemos viver sem Assad, mas permitir que alguém fale que Moscou está dançando a música de Washington seria inaceitável. Inaceitável,” disse Georgy Mirsky, um russo estudioso do Oriente Médio, para Ioffe.

O maior problema que tem impedido uma virada decisiva no conflito tem sido a relutância do presidente americano Barack Obama em intervir na Síria. Sim é verdade que a Síria é diferente da Líbia, e que o povo americano está emocionalmente e financeiramente drenado depois das longas guerras no Afeganistão e Iraque que consumiram tantas vidas e capital americano. Mesmo assim, houve uma noticia animadora essa semana no site Daily Beast relatando que Obama já pediu para o Pentágono criar um plano de intervenção militar americana na Síria, principalmente com zonas de exclusão áreas. Mas o artigo ressalva que Obama continua apostando no caminho diplomático, e que o plano militar – que o Pentágono opõe – ainda tem poucas chances de sair do papel.

Isso é muito triste para os milhares de sírios inocentes sendo morto todo mês. Em um apelo emocional para o Ocidente, o general Salim Idriss, do Exército Livre Sírio, implorou no programa de Christiane Amanpour na CNN que os EUA e os europeus fornecessem misseis antitanque e antiaéreos para os rebeldes o quanto antes. “Os russos e os iranianos estão mentindo. Eles querem ganhar mais tempo para o regime de Assad,” disse Idriss. “Nos temos três demandas para as negociações em Genebra: Que o Assad tem que sair do poder; que o chefe da segurança deixe o cargo, bem como o chefe militar, e que os dois sejam julgados pelos seus crimes.”

Nos já tivemos negociações de paz em Genebra no ano passado, e de nada serviu. Eu não acho que alguma coisa vai sair da segunda rodada agora em junho. O Assad já disse em sua entrevista recente ao diário argentino Clarín que nunca vai deixar o poder de vontade própria. Os russos também parecem determinados a apoiar Assad, vir o que vier. Resta a Obama parar de falar pelos cotovelos e intervir na Síria, não com tropas americanas no solo, mas com zonas de exclusão áreas, bombardeiros de forças militares sírios, e o fornecimento de armas pesadas para os rebeldes, bem como apoio tático. Somente assim a matança acabara na Síria.

Rasheed Abou-Alsamh é jornalista