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Bento XVI foi ‘o Pontífice mais solitário’, avalia biógrafo alemão

Para Andreas Englisch, Papa teve dificuldades para suceder João Paulo II

O mosteiro Mater Ecclesiae, nos Jardins do Vaticano, onde Bento XVI passará a viver após a eleição de um novo Papa
Foto: AP
O mosteiro Mater Ecclesiae, nos Jardins do Vaticano, onde Bento XVI passará a viver após a eleição de um novo Papa Foto: AP

BERLIM - “Este Papa vai entrar para a História da Igreja como o Pontífice mais solitário”. É com esta frase contundente que o jornalista e escritor alemão Andreas Englisch, autor do livro “Benedikt XVI. Der deutsche Papst” (“Bento XVI. O Papa alemão”, em tradução livre), avalia o fim do papado de seu biografado, que renunciou ao Trono de São Pedro anteontem.

— Ele (o Papa) costumava reclamar muito de que havia gente no Vaticano trabalhando contra ele. Bento XVI se sentia muito atacado pelos cardeais — conta Englisch, em entrevista ao GLOBO, em Berlim.

Para o vaticanista, que chegou a ouvir do próprio Bento XVI que não ficaria à frente da Igreja Católica até a morte, o Papa renunciou ao cargo agora não só por conta de sua idade avançada e por seus possíveis problemas de saúde, mas também por ter sentido a falta de apoio dentro do Vaticano.

Na opinião de Englisch, não só os escândalos de pedofilia e os casos de abuso sexual abalaram o papado de seu conterrâneo. Também entraram na conta da renúncia o desgaste provocado pela reconciliação com a Fraternidade de São Pio (excomungada pelo Papa João Paulo II, em 1988) e o vazamento de documentos confidenciais do Vaticano, feito por seu mordomo, Paolo Gabriele, no caso que ficou mundialmente conhecido como VatiLeaks.

O escritor enxergou a eleição de Joseph Ratzinger para o cargo mais alto da Igreja Católica, em 2005, “como uma execução” do religioso. Ele conta que também pesou contra o papado de Bento XVI o fato de ele ter sido o sucessor do carismático e popular João Paulo II.

Enquanto o Papa polonês gostava de tomar decisões, o alemão preferia delegar. Agindo dessa forma, diz Englisch, ele não liderou nem o Vaticano nem o 1,2 bilhão de católicos espalhados pelo mundo.

— João Paulo II foi um Papa mais bem sucedido. Ele reabilitou (o físico, astrônomo e filósofo) Galileu Galilei e ajudou a derrubar o Muro de Berlim, com a abertura dos regimes no Leste Europeu — lembra Englisch. — Já o Papa alemão reabilitou o bispo Richard Williamson, da Fraternidade de São Pio, que negava o Holocausto. Sinceramente, eu esperava que Bento XVI tivesse admitido oficialmente que a Igreja Católica falhou durante o nazismo e a Segunda Guerra Mundial, mas não o fez.

Igreja Rachada na Alemanha

Nos oito anos do papado de Bento XVI, ressalta o escritor, a Igreja Católica da Alemanha rachou dividida entre as forças conservadoras, que seguiam o Pontífice, e as liberais, que obedeciam a alguns cardeais. O clima de intrigas no país chegou a um nível tão alto que fiéis alemães começaram a gravar trechos de pregações feitas por padres liberais e a enviá-los para Bento XVI e seus assistentes com o intuito de denunciar tendências mais liberais.

No mesmo período, a evasão de católicos, ou seja, o número de pessoas que solicitaram oficialmente o desligamento da Igreja em protesto contra o Vaticano — ou simplesmente para poupar o imposto obrigatório pago à Igreja — atingiu os índices mais altos dos últimos tempos.

Enquanto a Igreja Evangélica alemã (protestante) tem um ex-pastor como presidente do país, Joachim Gauck, a Católica tem sido diariamente alvo de críticas. E a popularidade que Joseph Ratzinger adquiriu ao ser eleito Papa foi por terra com os escândalos sexuais e a tentativa de fazer a Igreja voltar à linha conservadora.

Para a sucessão, Andreas Englisch espera uma “verdadeira guerra entre os cardeais”.

— Os italianos, que já são fortes pela presença geográfica, vão querer tomar de volta o papado, mas pode ser que o resto do mundo se alie contra o poder italiano. O novo Papa também pode vir da América do Sul ou da África — destaca o jornalista alemão.