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Irônico, Mano se despede do Timão e diz imaginar quem será seu substituto

Técnico garante estar com a "consciência tranquila" pelo trabalho realizado em 2014 e dá adeus com o Corinthians classificado para a Taça Libertadores da América

Por São Paulo

Após a vitória por 2 a 1 sobre o Criciúma, na última rodada do Brasileirão, Mano Menezes confirmou o que todos já esperavam: não fica no Corinthians para 2015. O técnico tem seu contrato encerrado no fim deste ano e seguirá novos rumos. A intenção do clube, que terá um novo presidente a partir de fevereiro, também não era continuar com o treinador. Tite e Oswaldo de Oliveira estão na mira.

- Eu acho que ficou bastante clara a intenção que o Corinthians queria dar para continuidade ou não do trabalho há algum tempo, ou ao menos para as pessoas que assumirão o Corinthians na próxima administração. Eu entendi dessa forma, pela experiência que eu tenho no futebol, sei ler nas entrelinhas, embora as pessoas não se pronunciem oficialmente. A relação de técnico com direção tem de ser de extrema confiança. Ao longo de uma temporada, às vezes passamos momentos extremamente difíceis. Nessa hora a confiança mútua segura o trabalho. Se ela não existe, lá na frente vai balançar. E eu não quero passar por isso. Se o Corinthians também não quer, as partes entendem da mesma forma que o trabalho não deve ter continuidade - disse.

 


 Mano voltou ao Corinthians no fim do ano passado, para substituir Tite. Em 2014, ele não classificou a equipe para as fases finais do Paulista. Na Copa do Brasil, caiu para o campeão Atlético-MG nas quartas de final e terminou o Brasileiro na quarta colocação. Mesmo com a falta de títulos, ele garante que seu objetivo foi cumprido.

- Saio daqui consciente de que realizamos o que nos propomos a realizar. Vim aqui para fazer uma reformulação. Ela foi iniciada, feita de forma forte. Sabíamos que reformulação gera desgastes, eu disse isso na primeira entrevista coletiva que concedi. Tomada de decisão forte gera reações, algumas mais fortes, alguns ficam satisfeitos, outros não. Foi isso que aconteceu. Recuperamos alguns jogadores importantes na temporada, lançamos outros jovens. Hoje vimos a satisfação do torcedor do Corinthians ver a forma como o Malcom jogou. E classificamos para a Libertadores como bônus. Uma equipe que, no ano passado, com força muito maior, chegou com 50 pontos no campeonato, sem a Libertadores, hoje devolvemos com 69 e com a quarta vaga para a competição continental mais importante da América do Sul. É baseado nisso que eu vou para a minha casa com a consciência tranquila de que aquilo que nos propomos a fazer neste primeiro ano de trabalho está sendo feito quase na totalidade.

Confira a entrevista coletiva de Mano Menezes:

Disse que nunca acabaria trairagem, salário atrasado e rachão...
- Esta situação está bem clara há bastante tempo. Todo mundo sabe quem queria que eu ficasse e quem não queria. Vocês (jornalistas) sabem e podem dizer. Não precisam que eu diga. As pessoas têm o direito de pensar dessa forma. Eu sempre disse isso. Da mesma maneira que o Mário Gobbi tem a preferência como técnico, outros também têm o direito de preferir outros profissionais. Isso nunca me incomodou, eu sei que o futebol é assim. Eu acho que conviver com isso no dia a dia é absolutamente normal. O que foge da normalidade é dizer em um lugar que você quer e em outro que você não quer. Em um momento dizer que quer e no outro pedir a cabeça do técnico. É só isso que está fora dos conformes e que consideramos, entre aspas, uma trairagem. Salário atrasado e rachão vocês sabem o que é, embora às vezes não entendam o que é treino tático ou técnico. O treino que Sidnei (Lobo) comandou na antevéspera do jogo, de 12 contra 12, era técnico. Não existe treino tático no futebol de 12 contra 12. Podemos jogar 9 contra 9, mas podem bancar que quando tiver 12 é técnico.

 

A trairagem foi de Andrés Sanchez?
- Por que você acha que estou falando dele? Então vocês já sabem. Vocês querem que diga que é o que eu penso? Essas questões não são mais importantes para mim. Eu citei que isso existe porque vocês me perguntaram ao que me referi. Não vou falar os nomes das pessoas, faz parte da política interna do clube, acontece aqui e acontece em outros lugares. Nós temos de saber conviver com isso. Não é bom, não precisa. Você pode se posicionar, assim como eu me posiciono, às vezes sou criticado, mas no dia a dia, nesse complexo que a gente vive, é fundamental a transparência na relação. Você poder confiar no dirigente e ele confiar no que você está fazendo.

Queria continuar?
- Sempre gera um sentimento de que você queria mais, porque pensa e acredita que os trabalhos têm estágios, que num primeiro momento era mais duro e desgastante. É mais honesto para a relação quando você deixa que alguém pegue o osso mais duro, que faça o trabalho mais pesado, mais desgastante e antipático, que uns não querem fazer, porque gostam de ser bons meninos no futebol brasileiro, do que deixe o segundo momento para esse profissional. É mais honesto. Mas não é a primeira vez que acontece, não será a última. Se for para continuar esse trabalho da forma como parecia que seria continuado, é melhor para todas as partes que não.

Sabe quem virá para o seu lugar? Quais são seus planos?
Eu imagino. Como eu disse para vocês, no futebol você não esconde tão bem essas coisas. Temos relação entre nós, profissionais, temos sondagens, e às vezes em uma dessas sondagens você descobre o possível sucessor seu, por coincidência. Não tenho nenhuma negociação, particularmente, e vou decidir na próxima semana o que vou fazer. Minha ideia para os próximos meses é não dirigir uma equipe brasileira. Se algumas sondagens que tive, e que agora posso deixar evoluir se confirmarem, posso trabalhar em um clube fora do Brasil. Se isso não acontecer, provavelmente vou estudar nos próximos seis meses, porque tenho algumas oportunidades que esperei e julgo serem importantes para um técnico. Se não aproveitar agora, depois não terei oportunidade de fazer novamente. É isso. Todas as outras questões, como já ouvi, desrespeitando o Dorival Júnior essa semana, não passam de boatos sem fundamento algum. Ele já me conhece há muito tempo, já vivemos essa situação em outros clubes, quando peguei o telefone e disse o que aconteceria. Agora é desnecessário, ele me conhece.

Mano Menezes, técnico do Corinthians (Foto: Marcos Ribolli)Mano Menezes encerra sua segunda passagem pelo Corinthians neste sábado (Foto: Marcos Ribolli)

Balanço e avaliação do trabalho

- Não tenho informações precisas para falar e também não falaria. O mais importante é encerrar o trabalho da maneira como encerramos, com a consciência tranquila. É importante para cada clube a opinião dos seus torcedores, da grande maioria dos torcedores, e talvez o sentimento seja que o técnico deva ser outro. Precisamos respeitar isso com humildade. Em nenhum momento me incomodou, volto a dizer. Não podemos esquecer que até dois meses atrás, a grande maioria dos senhores (jornalistas) também me criticava muito. Ninguém analisa trabalho como trabalho, é tudo como resultado apenas, e se precipita muito nas avaliações, como também aconteceu na seleção brasileira. Vocês precisam assumir essa parcela, vocês influenciam muito a tomada de decisão. Muita gente gosta de ficar de bem e acompanhar a opinião geral. Na reta final o trabalho foi mais reconhecido, ouço que deveria ter continuidade, mas até há bem pouco tempo não era esse o discurso. Não era o que se lia por aí. Avaliação final não deve ser de um trabalho brilhante, porque não era possível fazer nesse momento, mas é com consistência, baseado no que acredito de futebol e aquilo que a longo prazo dá certo. Por isso saio com essa tranquilidade. Só tenho de elogiar os profissionais que terminaram o ano comigo, disse isso a eles no vestiário. Eles foram brilhantes, terminaram todos à disposição, o que é raro, ainda mais com os boatos que se ouvia. Por isso, na reta final, conseguimos mostrar a capacidade que eles tinham. Foi bem conduzido pelos profissionais do Corinthians, em uma estrutura diferenciada, que deve ser elogiada.

Ofertas de outros clubes

- Sobre a possibilidade de ir para lá ou para cá, são só sondagens. Não se comentam. Para se tornar algo mais significativo precisam passar disso. E somente agora poderão, porque é assim que me conduzo. A possibilidade de mercado para técnicos brasileiros vocês conhecem. O paraíso não mora ao lado.

O grupo chegou ao limite?

- Procuro comparar o nosso grupo com outros grupos. Muitas frases prontas no futebol nem sequer são analisadas de forma mais profunda. O que é investimento? Salário? Não. São contratações, novas aquisições. Salário é uma coisa regular que você precisa pagar e muitas vezes nem confirma o potencial do seu grupo. Temos vários jogadores na folha de pagamento que não estão nesse grupo, mas que foram investimentos feitos no passado. O Corinthians tem menos investimento do que o Atlético-MG? Mas se colocou à frente em uma competição de pontos corridos. Tem menos investimento do que o Grêmio? Dá uma somada no que gastam os outros para você embasar uma opinião e fazer uma coisa que não é verdade se tornar verdade. É isso que ouço com muita frequência. O Fluminense não tem uma folha próxima ou até superior ao Corinthians? A frase sobre a Libertadores, que é obrigação... Era para o Fluminense, para o Grêmio, para o Atlético, que conseguiu pela Copa do Brasil. E o único que sempre esteve acima do Corinthians na competição foi o Cruzeiro, os outros terminamos muito próximos, alguns acima, outros com igual pontuação. O Cruzeiro esteve à frente de todos os demais, nenhuma equipe conseguiu disputar o título além deles. Os outros estão no mesmo lugar. A qualidade do jogo... O segundo gol nosso pode falar sobre isso. Você precisa avançar, repetir, aumentar o espaço de trabalho em termos de duração para oferecer mais vezes essas coisas bonitas que todos gostamos. É assim que vejo futebol, é nisso que acredito. Essas análises mais profundas farão a gente crescer, melhorar o nível do debate. Não cabe mais fofoquinhas, programas que fazem “auê” e desrespeitam, porque isso deseduca o torcedor de futebol. Você não pode estar classificado na terceira vaga para a Libertadores, tudo estar maravilhoso, e um gol sair no outro estádio, o cara te ofender. O futebol brasileiro passa por essa dificuldade.

Mano Menezes, técnico do Corinthians (Foto: Marcos Ribolli)Mano diz imaginar quem será seu substituto
(Foto: Marcos Ribolli)

Sai por que você não quer ou por que o clube não quer?

- Eu sou razoavelmente inteligente para saber quando me querem e quando não me querem. Muito simples. Essa questão já está bastante clara. Falo sem mágoa nenhuma. As pessoas têm direito de fazer. Talvez não tenham feito antes porque tinham medo de a gente relaxar e não classificar para a Libertadores, mas eu disse que poderiam ficar tranquilos. Em todos os lugares do mundo se faz uma parte do contrato por produtividade, é bom para o clube. Tem gente que prefere ganhar 900 por mês direto, prefiro 450 e o resto só receber se conseguir os objetivos. Todos os contratos são assim, é importante para as pessoas entenderem. Os contratos dos parceiros do Corinthians também são assim. Um dos contratos previa que se o Corinthians não classificasse pelo segundo ano consecutivo para a Libertadores perderia 30% da brincadeira. Faz uma conta aí. Deu um lucro danado.

Outro técnico foi sondado?

- O Corinthians vive uma situação peculiar. Esse técnico foi sondado como outras pessoas que futuramente dirigirão o Corinthians. Não foi pelo presidente Mário Gobbi. Essas pessoas não têm certeza que serão presidente, mas constroem um planejamento, o que é normal.

Está descontente com o futebol do país?

- Não vou desdenhar do futebol do meu país e me colocar com prepotência, dizer que o futebol brasileiro não serve. Devemos sempre trabalhar para melhorar, é o que faço na minha parcela de técnico. Claro que o momento que atravessamos é delicado, que as coisas me incomodam um pouco, mas estou pensando na possibilidade de trabalhar fora porque existe essa perspectiva. E foi o trabalho no meu país que me levou a isso.

Jogadores poderiam te bancar? O que tem de mudar no futebol?

- Os problemas estão dentro do nosso contexto, é impossível descontextualizar. Somos assim. Tem gente que diz que ganhamos assim, e que deve continuar assim. Eu estou entre aquelas que pensam que devemos mudar algumas coisas importantes. Não dá para tirar um fato do contexto, porque não vamos a lugar nenhum fazendo isso. Foi possível ouvir opiniões sobre isso e aquilo após a Copa, mas eu disse que não mudaria o futebol brasileiro, porque deveríamos mudar cada segmento. Talvez vamos conseguir fazer isso em um curto espaço de tempo e só isso pode produzir melhora, uma retomada de rumo. Não acredito em campanhas. Elas criam radicalismos mais perigosos do que os problemas que já temos. Eu não penso que melhoraríamos muito se houvesse uma confusão maior ainda para permitir que jogadores tomassem decisão de escolher técnico. Não acho que seja por aí. Os dirigentes devem dirigir, os técnicos devem treinar, os jogadores devem jogar, os torcedores devem torcer, e vocês devem fazer a cobertura disso tudo. Se bem organizado, vai ser o futebol que todos queremos.

Se voltassem atrás, você ficaria?

- Não existe “se”, né? Quero deixar claro que esse tipo de pensamento não é só em relação a mim. Tivemos 21 técnicos demitidos no Campeonato Brasileiro da Série A. Isso deixa bem claro que não estamos inventando nada, nos fazendo de vítimas, penso que o futebol não vai suportar isso. Você não tem condição de fazer avaliação quando um time foi dirigido por cinco profissionais diferentes. Não tem como avaliar os jogadores. Não são só coisas ruins, temos coisas boas. Ajudei um grande amigo a fazer um dos últimos exercícios da sua administração, uma pessoa em quem confio e em quem aprendi a confiar, e a quem aprendi a respeitar, que é o presidente Mário Gobbi. Convivemos desde 2008, ele me convidou para fazer o trabalho, cumprimos quase na totalidade. O carinho dos torcedores de verdade é a melhor parte que levo

Mano Menezes (Foto: Marcos Ribolli)Mano Menezes garante estar com a consciência tranquila (Foto: Marcos Ribolli)


Deixa as portas abertas para voltar?

- Não estou pensando nisso agora. O que procurei fazer é o que faço em todos os lugares que trabalho: tomar as decisões pensando no clube, ser o mais correto possível, para que esse respeito de um pelo outro seja mantido. O futebol depende muito de quem dirige, da opinião das pessoas. Também vai depender muito do momento. Só levo coisas boas do Corinthians, como da primeira vez em que passei aqui, e também do grupo. Sei que a tarefa de permanência é quase de um sobrevivente. Não é fácil o dia a dia aqui, vocês sabem. Nesse período o fogo amigo estava mais cerrado, foi mais difícil do que a gente imaginava. Embora eu tenha feito alguns contatos no início para tornar viável essa passagem.

Avaliação do Corinthians

- O Corinthians está mais confuso do que estava em 2010. Ele tinha mais clareza do que queria ser, de onde queria chegar, e de como deveria se comportar para chegar lá, mas o poder, de maneira geral, deturpa as coisas. A permanência nele faz alguns estragos. As conquistas tornaram o torcedor mais exigente e às vezes os momentos seguintes são mais duros. O profissional passou pela Seleção, que foi algo grandioso e de um grau de dificuldade extremo, porque é assim. É proporcional à oportunidade que você tem como profissional. Depois tive uma passagem breve pelo Flamengo, um trabalho que eu interrompi por achar que não estava atendendo às partes. Você vai ficando mais maduro, adquirindo conhecimento. Os adversários te exigem muito, os treinadores também. Ao mesmo tempo estou com o coração um pouquinho mais duro.