Economia

Venezuela assume presidência do Mercosul, sob críticas do Paraguai

País afastado do bloco após impeachment de Lugo está num impasse

Impasse. Após encontro, chanceleres de Venezuela, Elias Jose Jaua (à esquerda), Uruguai, Luis Almagro, Brasil, Antonio Patriota e Argentina, Hector Timerman
Foto: ANDRES STAPFF / REUTERS
Impasse. Após encontro, chanceleres de Venezuela, Elias Jose Jaua (à esquerda), Uruguai, Luis Almagro, Brasil, Antonio Patriota e Argentina, Hector Timerman Foto: ANDRES STAPFF / REUTERS

MONTEVIDÉU, Uruguai – Pela primeira vez e um ano após ter se tornado membro pleno do Mercosul, a Venezuela assumirá nesta sexta-feira a presidência pro tempore do bloco, apesar de o Paraguai, suspenso em junho de 2012 pelo impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, ter deixado claro que essa decisão se transformará num obstáculo para seu retorno.

Ao chegar a Montevidéu, na noite desta quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff disse acreditar que o Paraguai retorne à entidade, mesmo sob a presidência da Venezuela.

— Faz parte da política do Brasil reforçar as relações da América do Sul. A Bolívia vai aderir ao Mercosul, outros países vão aderir oficialmente e passarão a ser associados.

Após uma longa reunião com seus sócios do bloco, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse nesta sexta-feira que “a presidência da Venezuela será um fato da realidade. A expectativa é de que o Paraguai se adapte a essa nova realidade”, a partir do próximo dia 15 de agosto, quando assumirá o presidente eleito, Horácio Cartes.

Segundo Patriota, os governos do bloco ainda estão discutindo a “fórmula” que permitirá o retorno do Paraguai ao Mercosul, mas essa fórmula não prevê ceder ao principal pedido do governo Federico Franco (considerado ilegítimo pelo Mercosul) e, também, de Cartes. Perguntado sobre declarações do presidente eleito deixando claro que a presidência venezuelana impediria o regresso de seu país ao bloco, Patriota foi enfático:

— Deixemos ao Paraguai que se manifeste sobre a questão, sobretudo o futuro governo paraguaio que ainda não assumiu. Cartes se manifestou como presidente eleito, mas não como presidente em pleno exercício de suas funções.

Retorno incerto

Para o ministro, “os líderes do Mercosul já fizeram um gesto importante ao telefonarem para o presidente Cartes após as eleições”. Além disso, afirmou Patriota, “foi observada rigorosamente a decisão de não prejudicar o Paraguai em termos econômicos”. As duas atitudes são, na visão de Brasil, Uruguai e Argentina, suficientes para facilitar a volta do Paraguai.

Já os paraguaios têm uma opinião diferente e tudo indica que a operação retorno não será tão simples. Faltando um mês para sua posse, Cartes não parece estar muito preocupado. Segundo fontes de seu futuro governo, “o Paraguai não tem pressa para voltar” já que o prejuízo não foi tão grande. No primeiro semestre deste ano, as vendas do país a seus ex-sócios do Mercosul aumentaram cerca de 40%, em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto isso, Cartes especula com uma aproximação à recém lançada Aliança Pacífico, bloco formado por Colômbia, Peru, Chile e México.

Na visão dos paraguaios, a Venezuela jamais poderia ter entrado como membro pleno ao Mercosul sem o sinal verde dos quatro países fundadores do bloco, como estabelece o Tratado de Assunção, espécie de Carta Magna do bloco. No entanto, a iniciativa foi aprovada em junho passado, na cúpula de presidentes de Mendoza, na Argentina, sem a presença do Paraguai, suspenso dias antes pelo processo de impeachment que terminou com o governo Lugo.

Em agosto de 2012, já com Franco no poder, o congresso paraguaio voltou a rechaçar o protocolo de adesão da Venezuela. Para superar este imbróglio, Cartes, eleito em abril passado, propôs que a presidência do bloco fosse transferida para seu país após sua posse, no próximo dia 15 de agosto. Até lá, os paraguaios pretendiam que o Uruguai continuassem à frente do Mercosul. Mas a ideia não foi bem recebida pela maioria.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, mostrou-se solidário com os paraguaios e disposto a ceder a Presidência, mas o oferecimento não “preencheu as expectativas do Paraguai”, segundo o atual chanceler do país, José Félix Estigarribia. O mais provável, disseram as fontes paraguaias, é que o novo governo espere seis meses para negociar seu retorno.

Pelo Tratado de Assunção, assinado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, cada um dos sócios do bloco assume a presidência por seis meses, de forma rotativa e sempre em ordem alfabética. Assim, no primeiro semestre do ano passado, a Argentina estava à frente do Mercosul e passou o bastão para o Brasil. Como o Paraguai estava suspenso, o Uruguai assumiu a função e deverá ser seguido pela Venezuela.

— Depois que foi criada esse imbróglio só mesmo boa vontade e diplomacia para resolver essa questão. Tudo está fora do padrão e, por isso, a solução tem de ser fora do padrão — disse o embaixador José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina.

Acordo automotivo

Ele explicou que não existe uma norma preestabelecida que esclareça se a Venezuela tem o direito de presidir o Mercosul, na ausência do Paraguai. E disse que não há outro caminho exceto conciliação:

— Sugiro que o caso seja tratado na Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e que a Colômbia, que melhorou suas relações com a Venezuela, medie uma negociação.

Para o professor Eduardo Viola, do Instituito de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, a situação está caótica e a origem da crise está no processo de suspensão do Paraguai, seguido do ingresso da Venezuela como membro pleno, que ele considera inconsistente juridicamente.

Hoje, a presidente Dilma Roussef se encontra com a presidente argentina, Cristina Kirchner, para discutir o acordo automotivo e adoção de medidas protecionistas. Ontem, Guiana e Suriname passaram a ser membros associados do bloco.