Economia

Governo precisa de política fiscal rígida para ter crescimento de qualidade, avalia economista

Para Joaquim Elói Cirne de Toledo, forte crescimento do trimestre pode gerar novo modelo de crescimento, mas pressão eleitoral pode colocar tudo a perder

Toledo recomenda ‘eliminação de todos os incentivos tributários e, ao mesmo tempo, com o aumento dos investimentos públicos’ para crescimento saudável
Foto: Eliária Andrade / Agência O Globo
Toledo recomenda ‘eliminação de todos os incentivos tributários e, ao mesmo tempo, com o aumento dos investimentos públicos’ para crescimento saudável Foto: Eliária Andrade / Agência O Globo

RIO - Um velho clichê econômico voltou com força após a divulgação do crescimento de 1,5% do PIB do segundo trimestre, acima das expectativas e com taxa anualizada de 6%: voo de galinha. Para Joaquim Elói Cirne de Toledo, Ph.D em economia pelo MIT (EUA), o forte número e os bons resultados setoriais da economia — alta do investimento, retomada da indústria e da agricultura e esfriamento do consumo das famílias e dos serviços, que podem ajudar a domar a inflação —, no entanto, foram causados pelas circunstâncias e não pelo governo. Assim, teme, o país pode perder o momento de reequilibrar sua economia. "É muito cedo para dizermos que há algo diferente do padrão que vivemos desde o Plano Real, de crescimento entre 3% a 3,5% ao ano", diz.

Ele é categórico: "os números do PIB em si são bons, certos comportamentos (de alguns setores da economia) são muito bons e se fossem mantidos seriam ótimos. Mas é cedo para garantir que isso continuará, já vimos muita oscilação destes fatores ao longo do tempo e então temos que esperar para ver como fica, é muito cedo para dizer que é uma tendência". Ele acredita que a pressão eleitoral pode fazer com que Dilma Rousseff repita os erros da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, ao negar um déficit externo relevante e tentar uma popularidade nas urnas com consumo, emprego e renda artificialmente estimulados, o que poderia levar o país a uma armadilha.

Abaixo, os principais trechos da entrevista com o especialista:

Como o senhor viu o resultado do PIB do segundo trimestre?

Como todo mundo achei bom o resultado não resta a menor dúvida, 1,5% no trimestre. Eu sei que o governo vai anualizar a taxa, dizer que estamos crescendo a um ritmo um pouco maior de 6% ao ano, dizer que a economia está explodindo... É óbvio que não é assim. Se a gente olha o segundo trimestre deste ano contra o mesmo período do ano passado o crescimento é de 3,3%, o resultado do primeiro semestre é de 2,6%. Temos que ter um pouco cuidado com o excesso de otimismo. Mas é indubitável quando detalhamos o resultado vemos que há coisas positivas, parece que efetivamente está tendo alguma aceleração da taxa do crescimento desde o ano passado.

E como será o terceiro trimestre? Foi um voo de galinha?

Não gosto muito de fazer uma análise tão em cima dos fatos, prefiro analisar tendências, comportamento ao longo do tempo. Uma das nossas características é o chamado voo de galinha. E essa ilustração é boa, porque fazemos como a galinha faz, ela sai desesperada batendo as asas, sobe, sobe, sobe e logo depois cai, ela nunca chega a decolar. Se a gente olha os dados desde o início do Plano Real a gente vê este tipo de comportamento, o crescimento ora acelera, ora desacelera. E na média vemos um crescimento desta magnitude do segundo trimestre contra o mesmo período do ano passado, que foi de 3,3%. É muito cedo para dizer que teremos um comportamento diferente deste padrão, de crescer entre 3% e 3,5%.

Mas o segundo trimestre foi melhor que o primeiro...

Mesmo este comportamento que vimos agora, um trimestre foi melhor que o outro, isso já aconteceu inúmeras vezes na nossa história recente e não vejo nenhum razão para dizer que agora vai, ainda é cedo para isso. Mas existem certos comportamentos nos dados do PIB que se fossem mantidos ao longo do tempo seriam muito bons. Primeiro, claro a elevação do crescimento em si, que é algo muito bom. Mas temos que destacar que aumentou a taxa de investimento. O consumo privado cresceu, mas cresceu menos que o PIB, ou seja, está perdendo participação no PIB. O mesmo ocorre com o consumo público e isso é ótimo, pois a contrapartida óbvia é que a poupança está crescendo como proporção do PIB. E outra coisa que os setores que chamamos de “non tradables” (não comercializáveis), que são basicamente os serviços, perdeu participação no PIB e os “tradables” (comercializáveis) que é basicamente agropecuária e indústria cresceram em participação na economia. Tudo isso é ótimo porque tudo isso é necessário para re-equelibrarmos a economia e ter um crescimento sustentável. Precisamos fazer essa realocação da economia em favor dos “tradables”, por causa do imenso déficit externo em transações correntes, não penas elevado mas crescente, e a contrapartida disso que é o nosso imenso passivo externo e não importa se ele está sendo coberto por investimento direto, produtivo, pois capital externo tem de ser remunerado, seja por juros, seja por lucros e dividendos e isso é insustentável, cria uma bola de neve. E por isso também é bom que a taxa do câmbio tenha se depreciado. Resumindo: os números do PIB em si são bons, certos comportamentos (de alguns setores da economia) são muito bons e se fossem mantidos seriam ótimos. Mas é cedo para garantir que isso continuará, já vimos muita oscilação destes fatores ao longo do tempo e então temos que esperar para ver como fica, é muito cedo para dizer que é uma tendência.

Mas o governo está tentando conter a desvalorização cambial...

É ruim que exista uma resistência tão grande do governo com essa depreciação do câmbio. Antes eles estavam loucos por essa depreciação, mas agora ficam desesperados. Uma coisa é impedir a volatilidade, outra coisa é vender todo dia swap cambial, isso significa que quem especulou lá atrás, quando o dólar caiu, lucrou, mas não perde agora quando o dólar sobe. Alguém tem que pagar essa conta e quem tá pagando esta conta é o resto da sociedade.

Mas e a alta do investimento?

Bom, o investimento teve uma alta muito forte, 3,6% no segundo trimestre contra o primeiro trimestre, anualizado isso dá cerca de 15%, algo muito forte. Se comparar o investimento do segundo trimestre deste ano com o mesmo período do ano passado, a lata foi de 9%, contra 3,3% do PIB. Bom, você pode imaginar que está explodindo o investimento, mas não é bem assim. Se você olhar o segundo trimestre de 2013 com o segundo trimestre de 2011, ou seja, uma comparação de dois anos, o investimento apresentou alta de apenas 4%, contra alta do PIB de 3,7%. Está acima do PIB, mas não é tão forte assim. Um crescimento médio de cerca de 2% ao ano. A base estava muito depreciada, na comparação anual. A taxa de investimento no país oscila muito, é cedo, a taxa de investimento em relação ao PIB, de 18,6%, ainda é muito baixa. Cresceu em relação ao ano passado, mas está muito aquém dos 23%, 25% desejados para um crescimento sustentável de 5%. Há vários números bonitos, comportamentos na direção correta, mas é muito cedo para dizer que estamos bem. E há algo que não dá para sustentar, que é este crescimento trimestral anualizado, de 6%, pois não temos condições para isso por causa do investimento do passado. Investimento leva tempo para maturar.

Nova matriz de crescimento, sai a ênfase do consumo, entra o crescimento baseado no investimento. Isso é uma tendência e o dólar contribui para isso?

Essa visão é correta, mas temos que entender o motivo do consumo das famílias estar crescendo menos. No passado havia um oba-oba que o consumo era o mais importante, devíamos estimulá-lo pois ele puxaria o investimento. Não acho que isso é verdade. Isso foi equivocado, inclusive com isenção tributária. Houve um forte aumento do crédito. Bom, redução do custo do crédito é ótimo, mas aumento do crédito pura e simplesmente não é necessariamente bom. O que acontece ao longo do tempo? No primeiro momento há um aumento da disponibilidade de recursos para as famílias, que consomem mais, mas lá na frente a conta vem, com juros e correção, ou seja, o peso da dívida acaba reduzindo o consumo futuro das famílias. Uma expansão muito rápida do consumo pode levar a uma retração muito rápida em um segundo momento, inclusive podendo levar o consumo a um patamar inferior ao que existia antes, por causa da carga de juros. Esse segundo momento está ocorrendo desde meados de 2011, com o crescimento menor do consumo. O segundo fator que está levando à desaceleração do consumo é o comportamento do salário real, que começou a subir de maneira mais devagar e, segundo os dados mais recentes do IBGE começam a cair. Há uma teoria, bem corroborada, que há uma espécie de gangorra entre cotação do dólar e o salário real dos trabalhadores, seu poder de compra. E isso leva um certo tempo, não é tão imediata. E estamos em um processo de depreciação cambial de meados do ano passado. Não é algo tão simplista a situação. Há um problema de crédito e a depreciação cambial. Os investimentos também diziam que não crescia por causa da confiança dos empresários. Não é bem assim também. A confiança não muda tão rápida.

Bom, se o consumo está desacelerando, que atua com “non tradalbes” também se expande de forma mais devagar. Ea depreciação cambial começa a trazer alguma atração aos investimentos nos “tradables”, a produção começa a aumentar. Quem compete com importados está soltando rojão.

Há um outro lado na questão do dólar, que freia consumo de serviços. Pode haver aumento de investimento, do PIB, com alta do desemprego?

Sim, ainda nem sabemos muito bem qual será o resultado do PIB com o consumo caindo. E como uma operação plástica, não tem jeito, vai doer. Se o governo tentar ao mesmo tempo, a depreciação cambial levando a retomada da indústria e dos investimentos e tentar manter o setor de serviços e a renda com gastos fiscais elevados, para incentivar o consumo e o emprego, a inflação desanda. Com a depreciação, para que a inflação não acelere, é preciso que o trabalhador aceite a perda de poder de compra. Como fazer isso? Com o desaquecimento de alguns setores, com o temor do desemprego. Nos EUA, quando vai se definir a política de juros, o FED olha para a taxa de desemprego, para ver se há pressão salarial e de inflação. Aqui no Brasil é a mesma coisa. Ou seja, agricultura e indústria serão beneficiadas neste processo e serviços e os empregos sairão prejudicados. Não se faz omelete sem quebrar ovos.

Ou seja, podemos esperar aumento do desemprego?

Em tese é isso, mas serei sincero: não sei se é isso que vai ocorrer. Não vejo o dedo do governo nisso que está acontecendo. Tudo o que o governo fez foi no sentido contrário, foi no incentivo ao consumo, com redução de impostos. Entendo perfeitamente o Bolsa Família, sou um defensor apaixonado do programa, mas incentivar o consumo de carros? O risco é tentar fazer tudo ao mesmo tempo e elevar o déficit externo, que já é imenso. O risco é repetir o que ocorreu no início do Plano Real, que gerou a crise no início do segundo mandato de FH. O que está ocorrendo correria com ou sem o discurso do governo. Até porque o investimento do governo não cresce de forma acelerada.

Mas qual o motivo desta mudança?

O consumo está caindo porque o crédito bateu no teto e a depreciação cambial era inevitável pelo imenso déficit externo que tínhamos. Muitos dizem que a depreciação é por causa da política americana. Você acredita que o real se desvaloriza em 50% porque talvez o Fed (Federal Reserve, Banco Central americano) no final de 2014 aumente em um ponto percentual o ano sua taxa de juros? Não faz o menor sentido. Talvez a decisão de não comprar títulos possa ter um impacto maior, mas não desta magnitude. Não sei se o governo já despertou para o risco do déficit externo, mas até o momento o discurso era que isso não era um problema. Realmente talvez a política americana tenha sido o detonador, mas isso só ocorreu porque estávamos vulneráveis. E o discurso de que estamos financiando com investimento direto não é correto, pois o capital externo sempre tem de ser remunerado, por juros ou por lucros e dividendos.

Não dá para dizer que o governo agora está fazendo o que deveria ter feito no passado, com o novo parâmetro de crescimento.

A impressão que eu tenho é que o governo só não está fazendo o que fazia antes por falta de condições. Vendo essa desaceleração do consumo, certamente incentivariam os gastos das famílias, com impostos, crédito. Mas isso tem impactos, o governo turbinou o BNDES com empréstimos que elevam a dívida bruta, que levou até a uma discussão da fórmula do cálculo desta dívida bruta. A economia está seguindo seu ritmo e o governo muito pouco fez do que deveria ter feito. Se no passado estivesse estimulado o investimento ao invés do crescimento e com uma política fiscal dura, restritiva, os juros teriam sido muito mais baixos, o movimento do dólar seria antecipado e mais suave. É como uma panela de pressão. E por isso o câmbio sobe tanto.

E o dólar?

Prever câmbio é a coisa mais difícil da economia. A ironia de alguns diz que economista só consegue prever o passado. Bom, se isso é meio verdade no total, no câmbio é incrível, quase todos estão errando as previsões de câmbio. Não me atrevo dizer para onde este câmbio vai. Eu consigo identificar se o câmbio está bom ou ruim olhando o déficit externo do país. O dólar subiu muito rápido agora, depois de já estar subindo no ano passado. Tivemos déficit na balança comercial, que tradicionalmente tínhamos superávit. Tudo isso impacta e ainda está muito cedo para prever. Mas não acho muito provável que o dólar volte ao patamar anterior, o mais provável é que, oscilando bastante, o câmbio continue a se depreciar mas ainda é muito risco. Não dá pra dizer se o dólar vai ficar em R$ 2,35, em R$ 3,50 ou mais perto de R$ 3. E agora não é apenas Fed e nosso déficit externo, agora há risco de guerra, pressão no petróleo, o ambiente está nebuloso.

Mas essa incerteza não afasta os investimentos?

Depende. Uma coisa é o investidor pensar: o dólar ficará neste número ou acima disso. O ruim é quando o investir diz: “agora até que está bom, mas será que amanhã ele não volta a ficar mais baixo?”.

Ano que vem é ano eleitoral, quais são as tentações do governo na economia?

O risco de insistir em políticas para incentivar o consumo e o emprego para vencer as eleições. E isso não é um risco exclusivo do PT, tivemos o pior exemplo do mundo na época da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Estávamos exatamente com este tipo de problema: um déficit externo insustentável, tínhamos crises externas, na época foi a do México, depois a crise da Ásia. E o governo ficou segurando o dólar, vendendo reservas, mas ele ganhou a reeleição e o governo explodiu.

Acredito que a tendência agora é essa: é impossível manter o crescimento na taxa de 6%, então o governo vai tentar crescer o máximo que der, mas isso pode gerar pressão inflacionária. O certo era, ao invés de tentar controlar a inflação via juros, controlar a inflação com uma política fiscal muito restritiva, pois quando se eleva os juros os investimentos saem prejudicados. Se o governo tentar utilizar a política fiscal para acelerar a economia e manter o emprego, o BC terá que elevar os juros. Mas imagina o que você faria se fosse candidato? Ouviria um economista que diz que em ano de eleição deve haver uma política fiscal restritiva, deixar o câmbio subir, impedir os brasileiros de saírem para o exterior, o emprego vai cair e vai haver menor poder de compra para que, ao longo dos anos, 2016 e 2017, ter uma situação melhor para o crescimento sustentável?

Os políticos não são monges beneditinos. O governo deve tentar não deixar o setor de serviços desaquecer, vai criar algum tipo novo de estímulo fiscal, mas isso vai acabar agravando o problema. E corre o risco da Dilma, se for reeleita, ter um segundo mandato como o de Fernando Henrique, com dificuldades, engessado, o que acabe virando uma armadilha.

O Brasil está muito parecido com aquele momento?

Sim, os desafios são parecidos, mas com um ano de antecedência em relação às eleições. Outra diferença é a situação do país, agora há muitas reservas externas, o governo está mais confortável, não dá para dizer que nada vai ocorrer, mas a situação está muito melhor que no ano da reeleição de FH.

O que o governo precisava fazer para garantir crescimento de qualidade, baseado no investimento?

Política fiscal super rígida, com a eliminação de todos os incentivos tributários e, ao mesmo tempo, com o aumento dos investimentos públicos, que viabilizasse uma política monetária menos agressiva por parte do BC. Não ir contra o movimento do câmbio, talvez tentar evitar alguma volatilidade, mas sem impedir a desvalorização do real. Temos que lembrar que há onze anos o dólar chegou a R$ 4, no ano seguinte comemoramos que ele baixou a R$ 3. Agora achamos R$ 2,40 caro, acho que ainda há um espaço para sua desvalorização. E aí tentar segurar a inflação com política fiscal mais restrita e, talvez, a inflação passe de 6%, 6,5% a 7%, 7,5%, não estou dizendo que pode ser qualquer inflação, mas algo pontual pode ocorrer em um momento de ajuste.

Mas a política fiscal não está restrita, a proposta orçamentária enviada esta semana ao congresso prevê despesas crescendo com um PIB em alta de 4%, algo que ninguém no mercado acredita...

E temos que lembrar que há uma série de despesas públicas que não sabemos como está sendo contabilizado, como os subsídios do BNDES, os empréstimos que oi Tesouro faz ao banco e depois recebe dividendos e registra esse recursos como receita... no fundo não sabemos muito bem o que está ocorrendo com a política fiscal. Mas acredito que seguiremos em um caminho contrário, um deterioramento das contas públicas. Há um orçamento irreal que dificulta cortes no futuro.

O que esperar 2013 e 2014?

Nível de atividade: não veremos um processo contínuo de crescimento, teremos oscilações. Inflação também: não explode, nem cai tanto, talvez fique um pouco em cima da meta, até porque o governo não fará o que deveria fazer, que é corrigir o preço dos combustíveis, que melhoraria a situação da Petrobras e daria até um alívio no trânsito. Acho que o governo não vai permitir que o câmbio suba tanto quanto seria o necessário para que houvesse uma trajetória significativa de queda do déficit externo. Acredito que o investimento vai oscilar, mas de forma alguma vai chegar ou superar os 20% do PIB. Ou seja, será como quando você anda na areia fofa: tem horas que você afunda, tem horas que você sente mais firmeza, mas sempre com alguma dificuldade.