Cultura

Baronesa do crime, P.D. James pensa em escrever mais um livro

Aos 91 anos, escritora lança ensaio sobre romances policiais
A escritora PD James Foto: Divulgação/Kristian Buus/Latinstock/Corbis/In Pictures
A escritora PD James Foto: Divulgação/Kristian Buus/Latinstock/Corbis/In Pictures

LONDRES - A moradora da bucólica casa verde na principal rua de uma das regiões mais valorizadas de Londres pode até enganar os seus vizinhos. Com quase 92 anos, a simpática velhinha é ainda baronesa, levando ao lado do seu título o bairro onde mora, Holland Park. Mal sabem eles que ela é autora de mais de uma dezena de assassinatos, todos eles complexamente criados por uma mente que se mantém invejavelmente lúcida, e com uma memória de assustar a geração que recorre à internet a cada dúvida. Mas Phyllis Dorothy James, ou simplesmente P. D. James, jamais enganou os seus leitores. Ou quem teve a honra de apertar suas mãos e perceber que, apesar da aparência frágil, ela mantém uma força que não se reflete só na sua produção literária contínua, há exatos 40 anos.

Lançando no Brasil o ensaio "Segredos do romance policial" (Três Estrelas), em que ela conta a história desse estilo nos países de língua inglesa, a criadora do detetive Adam Dalgliesh fala nesta entrevista sobre o ofício que ela exerce tão bem, analisando a construção do gênero e a sua evolução até hoje.

Lady James abordou com o mesmo sorriso no rosto tanto assuntos duros — a morte ou o processo de escrita — quanto leves, como séries de detetives na TV ou os livros que são lançados atrás de um best-seller. A mulher que tinha 20 anos quando os alemães começaram a bombardear Londres disse ainda que, apesar de satisfeita com o que alcançou na sua carreira, está com uma ideia para um próximo livro.

— Mas não pode ser algo menor que um P.D. James antigo, ou não vejo razão para publicá-lo.

O GLOBO: Qual é a diferença entre um thriller policial e uma história de detetive?

P. D. JAMES: No thriller, você pode saber quem é o assassino, e a trama seria exatamente a perseguição, quando a polícia vai encontrá-lo. O melhor exemplo é o livro "Brighton Rock", de Graham Greene. Nós sabemos quem é o assassino e queremos saber quando ele vai ser pego. Já nas histórias de detetive, há um mistério em seu núcleo, e normalmente esse mistério é um assassinato. O assassinato é um crime sem comparação, o único que não se pode ter de volta o que nos foi tirado, o único em que não se pode fazer nenhum tipo de reparação.

O GLOBO: Mas a senhora acha que o mistério é importante apenas para livros de detetive ou para todo tipo de literatura?

P. D. JAMES: Há mistérios na maioria dos romances. Talvez não um mistério de quem matou quem, nem de uma ação criminosa, mas um mistério sobre as relações. É difícil encontrar um grande romance em que não haja mistério. Em "Emma", de Jane Austen, é o mistério da relação de um determinado grupo de pessoas, e nós temos pistas, inseridas ao longo do romance, com extraordinária engenhosidade que sugerem que Austen tinha algo da ficção de detetive nela.

O GLOBO: Já imaginou situar um livro em algum lugar mais exótico?

P. D. JAMES: Não. É realmente importante que eu conheça bem o ambiente. E é geralmente na Inglaterra, porque é o país que conheço melhor. A dificuldade com o meu tipo de escrita é que escolhi um detetive profissional (Adam Dalgliesh, personagem de 14 de seus livros), não um amador. E ele não tem nenhum poder no exterior. Se ele fosse ao Brasil e se envolvesse num crime, a polícia brasileira não iria dizer "que sorte a nossa tê-lo você aqui, comandante Dalgliesh, estamos muito felizes de você ter vindo". E mesmo que se eu quisesse colocá-lo no Brasil, que é um ótimo país para se descrever — e Dalgliesh poderia estar de férias ou em uma conferência de policiais —, de alguma forma, você iria achar que ele está errado.

O GLOBO: A senhora acha que ainda há um preconceito contra a literatura de detetive?

P. D. JAMES: Não há na Inglaterra, porque muitos bons escritores se dedicam a ela. Mas deve haver em outros países. E há casos de escritores que não seriam publicados se não escrevessem o que os críticos americanos chamam de "mystery" (mistério). Além disso, muito dessas histórias usam do horror e de sadismo como chamarizes para serem publicadas. Aliás, há um grande best-seller agora chamado "Fifty shades of grey" que é pornografia feminina. E isso sugere que haverá uma série de livros de pornografia, já que esse vendeu tão bem.

O GLOBO: Em seu último livro com o detetive Adam Dalgliesh, "O paciente privado", a senhora aborda assuntos muito contemporâneos, como a indústria da vaidade e a cultura da celebridade. É difícil se manter atual?

P. D. JAMES: Ser atual é muito importante para mim, mas não pode ser artificial. Não posso apenas colocar lá para mostrar como sou moderna. É necessária uma caracterização. Há uma personagem nesse livro que era acadêmica, ensinava em uma universidade os estudos clássicos, mas agora, repentinamente, essas cadeiras foram fechadas, porque não há gente suficiente para estudá-los. Então a personagem perdeu sua carreira por conta de algo que está acontecendo fora do romance.

O GLOBO: A senhora cita, em "Segredos do romance policial", algumas séries de detetives feitas para a TV. Assiste a alguma delas?

P. D. JAMES: Eu assisto, se forem boas. Aqui há uma boa, chamada "Prime suspect". É bem realista e tem uma detetive mulher, que resolve algumas das questões de se ter uma mulher detetive num mundo tão masculino. Há também alguns escandinavos, que são extremamente bons.

O GLOBO: A senhora menciona também como Conan Doyle, em certo momento, se cansou de seu Sherlock Holmes...

P. D. JAMES: (interrompendo) ...e o matou! E depois teve que ressuscitá-lo. Foi-lhe oferecido muito dinheiro, e ele teve que arranjar um jeito de trazê-lo de volta. Mas eu não vou fazer isso com Adam Dalgliesh. Ele vai se aposentar. Ele vai morrer quando eu morrer. E se eu fizer mais um livro, e não sei se vou, porque há muita coisa para se fazer, a pesquisa toma muito tempo, e eu quero manter a qualidade. Em uma idade extremamente avançada, eu estou me preparando para o meu "segundo nascimento", e a escrita deve ser extremamente cuidadosa. Para não publicar nada que seja abaixo do patamar. Seria terrível se eu fizesse outro livro e os críticos dissessem: "considerando que ela tinha 95 anos quando escreveu, esse é uma conquista extraordinária, mas muito longe dos P.D. James antigos". Seria terrível. Não pode ser algo menor que um P.D. James antigo, ou não vejo razão para publicá-lo. Mas tenho o início de uma ideia, muito pequena, que ainda não tomou forma. Estou juntando com outras e esperando que em algum momento ela se torne algo que eu possa dizer: "É isso". É o que estou esperando agora.