Economia Defesa do Consumidor

A falha é do site, mas é o cliente quem paga conta

Quando sistema trava ou sai do ar, consumidor pode ter problemas para resolver na loja o que não consegue na web

Thaís tentou comprar uma meia-entrada para o Rock in Rio, mas não conseguiu
Foto: FOTO: Hudson Pontes
Thaís tentou comprar uma meia-entrada para o Rock in Rio, mas não conseguiu Foto: FOTO: Hudson Pontes

RIO — Não bastassem as tentativas de golpe e os frequentes atrasos na entrega de produtos, as falhas técnicas representam outro risco para quem decide comprar pela internet. Erros na cobrança e na quantidade de produtos ou serviços adquiridos em sites de comércio eletrônico são os mais comuns. Quando o sistema trava ou simplesmente sai do ar durante uma compra, o consumidor pode ter muita dor de cabeça para solucionar junto às lojas físicas o que não conseguiu realizar no ambiente virtual.

Em sites de venda de ingressos para grandes eventos, o problema parece ter se tornado crônico. Em abril, a empresária Thaís Freitas tentou por mais de duas horas comprar um bilhete para o festival Rock in Rio pelo site Ingresso.com. As vendas foram programadas para um único dia. A dificuldade começou no acesso ao cadastro e resultou em cobrança indevida.

— Quando tentava finalizar a compra, dava erro. Fiquei tentando e nada. Depois de umas duas horas, desisti. Passaram-se uns cinco dias e recebi um e-mail da empresa informando que havia sido efetuada a compra não de um, mas de dois ingressos de meia-entrada. Fiquei surpresa porque, de acordo com o próprio site, só era permitida a compra de um ingresso com desconto por pessoa — conta Thaís.

A empresária mandou e-mail reclamando à empresa, e a orientação que recebeu foi de que poderia transferir um dos ingressos para outra pessoa, pois não havia como cancelar e devolver o dinheiro:

— Tive que fazer isso, mas fiquei bem chateada com todo esse transtorno.

Thaís já havia enfrentado problema semelhante durante viagem ao exterior, quando tentou comprar duas passagens aéreas em um site que também apresentou falhas. Ela conseguiu comprar os bilhetes em outra empresa, mas, ao receber a fatura do cartão de crédito, levou um susto: a companhia cujo site estava travado cobrou por nove passagens que não foram emitidas.

— Consegui cancelar o pagamento com a ajuda da administradora do cartão de crédito, mas depois disso e do problema com o ingresso não vou mais insistir, quando aparecer num site mensagens de erro ou se a operação estiver demorando muito a ser efetuada. Acho que, às vezes, pode ser até melhor usar o teleatendimento para fazer uma compra — avalia a consumidora.

Em nota, a Ingresso.com informou que somente uma das compras realizada por Thaís foi validada.

Pagou e não recebeu

Ana Cristina Sacramento é outra consumidora que passou a desconfiar dos sites de e-commerce depois de ser obrigada a pagar pelo que não recebeu. Acostumada a encomendar livros na Saraiva.com, a assessora de comunicação ficou quase dois anos sem comprar pela internet depois que uma operação não efetuada foi debitada em seu cartão de crédito, apesar da compra não ter sido concluída pelo site:

— Em meados de 2011, comprei alguns livros pelo site, como fazia com frequência. Como na época viajava muito a trabalho, só fui perceber muito tempo depois que a entrega estava demorando mais que o habitual.

Já a livraria Saraiva, afirmou, também em nota, que, em situações como a de Ana, solicita o estorno junto à operadora. Em caso de problema com o estorno, orienta o cliente a acionar diretamente a administradora do cartão.

Casos como esses surgem com frequência nos e-mails encaminhados a esta seção. Nos últimos seis meses, foram registradas 688 queixas citando o comércio eletrônico. São reclamações como a do leitor Sebastião Carvalhal Neto, que comprou um aspirador de pó na loja Pontofrio.com, recebeu dois aparelhos e a cobrança em dobro. “O pedido saiu em duplicidade por falha no sistema”, escreveu o consumidor, que teve o problema resolvido pela loja virtual dias depois de enviar a carta ao GLOBO.

O Pontofrio.com informa que foi realizada a coleta do produto e solicitado, à administradora do cartão, o cancelamento da compra, com confirmação do estorno.

Esse tipo de problema ficou de fora do decreto 7.962/2013, que prevê novas regras para o comércio on-line e está em vigor desde o no mês passado, como parte do Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), lançado em março. No entanto, segundo o engenheiro eletrônico Cláudio Sá de Abreu, muitos dos problemas enfrentados por quem opta pelas compras na internet são resultado do despreparo das empresas em administrar um grande número de clientes ao mesmo tempo.

— Temos no Brasil poucas empresas realmente capacitadas para suportar um grande volume de acessos. Não é muito diferente do que acontece em uma loja física. Um ambiente pequeno não terá condições de atender bem durante um evento como uma liquidação, em que centenas de pessoas são atraídas ao local — exemplifica Sá de Abreu, que é mestre em sistemas de computação pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e diretor executivo da Vialink, empresa especializada em tecnologia da informação.

Para especialista, falta investimento

O especialista destaca, no entanto, que diferentemente do que ocorre em uma loja comum, no comércio eletrônico é possível ampliar rapidamente a capacidade de atendimento, desde que sejam usadas as ferramentas certas para criar uma “estrutura escalável”. Para evitar erros frequentes em seus sites e prejuízos aos clientes, as empresas teriam que investir mais, diz Sá de Abreu:

— Convivemos também com a falta de qualificação profissional. No Brasil, há poucas instituições de ensino que incluem em seus currículos a capacitação em infraestrutura de sites. E muitos dos bons profissionais formados aqui são logo contratados por empresas do exterior, como Google e Facebook.

O engenheiro, porém, ressalta que tal situação não justifica o mau atendimento ao cliente a quem resta pouco a fazer para driblar os problemas apresentados pelos sites:

— Não é o consumidor que deve se moldar ao sistema. O sistema é que deve se adaptar às necessidades do consumidor — destaca Sá de Abreu.

O advogado José Alfredo Lion considera que consumidores prejudicados por falhas nos sistemas de lojas on-line têm direito à indenização. Segundo ele, tanto Thaís como Ana Cristina poderiam recorrer à Justiça pelos danos morais sofridos:

— No caso da Ana Cristina, a administradora de cartão de crédito também deveria indenizá-la, pois a consumidora não recebeu o dinheiro de volta, e sim créditos para futuras compras. Será que se ela tivesse ficado devendo a administradora iria se comportar assim ou lhe cobraria juros? E há ainda o tempo que essas consumidoras perderam tentando resolver a situação. Hoje, a teoria do tempo perdido já é aceita pelo Tribunal de Justiça do Rio. Com base nesta teoria, aliás, já há 187 sentenças favoráveis a consumidores no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ).