Política

Lei sobre quarentena para ex-servidores ainda precisa de regulamentação

Regras entram em vigor em menos de um mês. Entre novidades, está prazo maior de quarentena para quem deixa o serviço público

BRASÍLIA — A nova lei sobre conflito de interesses no serviço público federal entra em vigor em 2 de julho sem definição a respeito do universo de servidores que precisarão cumprir um maior prazo de quarentena, ampliado de quatro para seis meses. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no último dia 17, depois de o projeto tramitar por quase sete anos no Congresso Nacional, a lei começará a valer com outras indefinições, como a falta de regras para atuação na iniciativa privada em períodos de licença e a inexistência de previsão de pagamento de salários pela União durante a quarentena.

O governo terá dificuldades para identificar onde ocorrem as principais situações de conflito de interesses, uma vez que os órgãos de controle estavam desprovidos, até então, de uma legislação específica. Coibir a prática dependerá de uma ampla regulamentação e até mesmo de um projeto de lei complementar ao texto já sancionado pela presidente, o que não tem data para ocorrer.

São cinco os grupos de servidores que precisam se submeter à quarentena de seis meses, período em que não podem atuar em áreas similares na iniciativa privada após deixar o setor público: ministros de Estado; ocupantes de cargos de natureza especial; diretores de autarquias e empresas públicas; ocupantes de cargos de direção e assessoramento superiores (DAS 5 e 6); e outros servidores com acesso a informações privilegiadas, que podem ser usadas em benefício de terceiros. É exatamente a extensão deste último grupo que dependerá de regulamentação, como prevê a própria lei sancionada por Dilma.

A definição de regras específicas caberá a Casa Civil, Advocacia Geral da União (AGU), Ministério do Planejamento e Controladoria Geral da União (CGU). Ainda não se sabe quais critérios serão utilizados, mas uma hipótese é listar determinados grupos de servidores como detentores de informações privilegiadas e, portanto, passíveis de cumprimento da quarentena.

A elaboração do projeto de lei enviado ao Congresso em 2006 coube à CGU, que ganha atribuições com a nova legislação, como fiscalizar a ocorrência de conflito de interesses por parte de servidores e ex-servidores públicos em geral. A avaliação da conduta da elite do funcionalismo – ministros, cargos de natureza especial, diretores de autarquias e DAS 5 e 6 – ficará sob a responsabilidade da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Os outros servidores serão fiscalizados pela CGU.

Para o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, a extensão da aplicabilidade da nova lei dependerá do que fará parte do decreto de regulamentação, que ainda está longe de ser editado. O ministro aponta quais são as áreas mais sensíveis ao conflito de interesses na União, tanto no exercício da função pública quanto após o desligamento do setor:

— As áreas de regulação, de economia, Receita Federal e as que lidam com controle e informações sigilosas, como polícia e CGU, são as mais sensíveis ao conflito, em razão da natureza da função.

Ainda segundo o ministro, o conflito de interesses ocorre principalmente durante os períodos de licença e afastamento por interesse particular.

— Existe uma tendência de se interpretar os períodos de licença como períodos em que os agentes públicos não estão sujeitos a vedações, principalmente na Receita Federal — disse Hage ao GLOBO.

Situações de conflito de interesses, como a defesa de interesses privados nos órgãos onde o servidor atua ou a aceitação de presentes de pessoas interessadas em decisões públicas, estão proibidas nos períodos de licença e afastamento, como cita expressamente a nova lei. A proibição se aplica apenas à elite do funcionalismo e a outros funcionários com acesso a informações privilegiadas, segundo o texto sancionado.

A quarentena, com a vedação de atividades de consultoria e assessoria em áreas correlatas, também só se aplica a esses grupos de servidores. Já a punição por conflito no exercício do cargo, inclusive com enquadramento em improbidade administrativa, se aplica a qualquer servidor público federal.

A presidente Dilma vetou o artigo que tratava da remuneração pela União de ex-servidores em cumprimento de quarentena e sem emprego em áreas neutras, que não tenham relação com o exercício da função pública. Segundo o ministro da CGU, a previsão será objeto de um projeto de lei específico a ser elaborado em caráter de “urgência”.

— Chegamos a sugerir uma quarentena de 24 meses, o que foi alterado no Congresso. Da forma como ficou, a remuneração só ocorreria em situações de excepcionalidade, durante os seis meses — afirmou Hage.

Para o ministro, um dos pontos positivos da nova lei é a necessidade de a elite do funcionalismo público enviar anualmente à CGU ou à Comissão de Ética Pública uma declaração da situação patrimonial, de eventuais participações em sociedades empresariais e da existência de parentes de até terceiro grau em atividades que podem ensejar conflito de interesses.

— A lei inova na prevenção do conflito.