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Seedorf não descarta volta ao Brasil e diz confiar no Bota: "História vai pesar"

Em visita ao Rio de Janeiro, técnico conta como foi acompanhar de longe o ano trágico do Alvinegro e diz que não se arrependeu de sair: "Fiz o que tinha que fazer

Por Rio de Janeiro

Especial Seedorf (Foto: André Durão)Seedorf é muito popular no Rio de Janeiro (Foto: André Durão)

Há um ano, Seedorf se despedia do Botafogo para encarar a missão de ser técnico do Milan. Apesar de ter conquistado bons resultados no meio de uma reformulação na equipe italiana, ele não permaneceu no cargo, apesar de ainda ter contrato com os rossoneros. Enquanto estuda possibilidades para o futuro, o craque holandês tem aproveitado o tempo livre para viajar, cumprir suas funções como embaixador da Uefa e disputar amistosos beneficentes.

No dia 27 de janeiro, Seedorf foi um dos convidados de Zico no Jogo das Estrelas e mostrou que está em boa forma, fruto da rotina de exercícios que mantém mesmo após pendurar as chuteiras. Foram três dias para matar a saudade do Rio de Janeiro, se afastar do frio europeu e rever amigos. E o ex-camisa 10 alvinegro não descarta voltar a fazer do Brasil sua casa novamente, agora na função de técnico. (Confira a reportagem do Esporte Espetacular no vídeo abaixo)

- Claro. Eu não fecho portas para nada - afirmou.

 



Sentado de frente para um dos principais cartões portais cariocas, a Lagoa Rodrigo de Freitas, Seedorf comentou também sobre como foi ter acompanhado de longe o terrível ano do Botafogo. Ele lembrou de problemas vividos quando ainda estava no clube, mas mostrou otimismo sobre a possibilidade de o Alvinegro se recuperar.

- A história do Botafogo vai pesar na Série B.

Mosaico Seedorf (Foto:  André Durão)Seedorf confia na recuperação alvinegra dentro do cenário nacional (Foto: André Durão)

Confira a entrevista completa com Seedorf:

GLOBOESPORTE.COM: Como é voltar ao Brasil após um tempo fora?

SEEDORF: Muito bom. Me sinto em casa, é sempre bom voltar e rever os amigos. É muito legal.

Depois de deixar o Milan, você recebeu muito carinho dos fãs. Quando os torcedores que te admiram vão poder vê-lo em ação novamente?

Nunca se sabe, o futuro está em aberto. Como todos sabem, ainda tenho contrato com o Milan. Então, ainda tenho tempo para pensar antes de voltar a trabalhar. O futebol exige uma carga forte. Estou observando, aprendendo, viajando... Vamos ver.

Você considera a possibilidade de ser técnico no Brasil?


Claro. Eu não fecho portas para nada.

Qual tem sido sua principal atividade desde que saiu do Milan?


Tenho viajado para conhecer outras culturas, principalmente na Ásia. Durante a carreira não se tem tempo para fazer muitas coisas. Tenho assistido muitos jogos, principalmente da Liga dos Campeões e dos campeonatos Italiano, Espanhol e Inglês. Tenho passado mais tempo com a família também. É um momento de reflexão, e a programação futura vai acontecer naturalmente. Depois de 23 anos anos uma paradinha também não faz mal.

Quando você chegou ao Milan, o time passava por dificuldades, mas as poucos conseguiu bons resultados na reta final da temporada. Sua experiência no Brasil, até como uma espécie de auxiliar do Oswaldo de Oliveira, o ajudou neste primeiro trabalho?

Sim, todos os treinadores com quem trabalhei me ajudaram em alguma coisa. Minha experiência no Botafogo com o Oswaldo de Oliveira foi muito importante e me ajudou neste processo. Consegui ver de perto a outra parte. Sempre tive uma ligação forte com meus técnicos. No Botafogo nós criamos um grupo especial, acredito que qualquer time que tenha sucesso pensa da mesma maneira, segue as ideias do treinador. Dentro de campo, a equipe consegue superar os aspectos individuais em função do time. Foi um processo muito legal. Todos os grupos vitoriosos na minha carreira tinham essas características. Como técnico, este foi meu principal objetivo, criar um grupo que joga um pelo outro. A união é a base. Só com talento não dá...já vimos vários exemplos.

Qual foi o maior obstáculo nesta transição de dentro do campo para a beira dele?


O grande desafio é conseguir criar este aspecto psicológico, sabendo que agora não posso mais entrar em campo. Tenho que delegar, usar outras armas. Foi muito bonito. Amo fazer isso. Como treinador você consegue influenciar ainda mais. É fundamental que os jogadores principais acreditem no que você quer fazer. Foi uma maravilha trabalhar com ex-companheiros.

Os treinadores brasileiros normalmente não têm o mesmo status dos jogadores brasileiros fora do país. Por que isso acontece?


Olha, não é fácil para ninguém. Na Espanha é um lugar que ainda existem técnicos estrangeiros. Na Itália, a maior parte são italianos mesmo. Então, é uma coisa geral. O Scolari conseguiu, o Vanderlei Luxemburgo também, porque mostraram coisas boas na Seleção. Não dão muito tempo, a pressão é muito alta em cima dos estrangeiros. Mas o Brasil tem bons treinadores, não temos que comparar com os europeus. O Oswaldo de Oliveira para mim é um excelente treinador, de alto nível. Teve sucesso no Japão também. E há outros que fazem um bom trabalho no Oriente, como o Caio Júnior. Não é falta de conhecimento. Técnico hoje em dia não inventa mais nada, vai da capacidade de criar um grupo, uma filosofia, harmonia... Nisso Oswaldo de Oliveira foi excelente.

A estrutura dos clubes brasileiros em sua maioria faz com que a vida dos técnicos e até dos jogadores seja mais difícil aqui no país?


Existe um problema estrutural geral, vemos que quase todos os clubes têm problemas financeiros, e quando contratam não conseguem pagar. São problemas do passado que não deixam os clubes fazerem um planejamento. No Brasil, investir na base sempre foi um aspecto importante para revelar jogadores. É preciso uma mudança estrutural para que o futebol brasileiro possa crescer. Se conseguir usar essa paixão do brasileiro de uma forma correta, transparente, vai influenciar positivamente.

Especial Seedorf (Foto: André Durão)Seedorf é praticamente um carioca, e a Lagoa Rodrigo de Freitas é um dos cartões-postais que gosta (Foto: André Durão)



Nos amistosos que você tem disputado, ainda tem mostrado muita qualidade técnica, como nas partidas com as lendas do Real Madrid, Global Footbal Legends, e mais recentemente no Jogo das Estrelas, organizado pelo Zico. Ainda mantém uma rotina de atleta?

(Risos) Mas eu não posso parar, foram 23 anos como jogador. Seria ruim até para minha saúde, meu coração. Estou fazendo até menos atividade do que gostaria. O fisioterapeuta que me acompanha desde o início da carreira continua me ligando para eu não parar de fazer os trabalhos. Sempre que posso, aceito os convites para jogar, como foi no Jogo das Estrelas, do Zico.

 

Você nunca escondeu que tinha vontade de ser técnico quando decidisse parar de jogar, mas ficou algum tipo de frustração ou arrependimento de não ter participado da Libertadores com o Botafogo?

Eu sinto que fiz o que tinha que fazer. Eu cheguei um ano depois do que estava programado, não tinha tanto tempo quanto eu queria. A saída do treinador (Oswaldo de Oliveira) foi uma coisa importante. A estrutura interna, a parte de fisioterapia, preparação física... Quando a coisa vem bem e muda, tem que recomeçar. Depois, não sei dizer o que aconteceu. Foi um momento triste (o rebaixamento), não só porque joguei lá. Ver clubes que têm uma história importante cair, é triste. Agora é preciso olhar para frente, levantar de novo, trabalhar forte e unido. A torcida precisa apoiar o time para essa volta, muitos clubes grandes passaram por isso. A história do Botafogo vai pesar na Série B.

Existe a sensação no clube de que sua saída foi determinante para que as coisas piorassem e o time perdesse o rumo. Concorda?


Pode ser que eu tenha feito falta, mas quando a gente constrói uma coisa... Tinham outros jogadores experientes lá dentro, esperava que eles pudessem continuar o mesmo caminho, porque não fiz nada sozinho. Em vários momentos do ano foram outros jogadores que tomaram decisões importantes. Só dividindo esse papel que tomos remam junto com o treinador.

A crise do Botafogo em 2014 era previsível?


Já tínhamos dificuldade, mas o grupo fez a escolha de superar, fazer o máximo dentro de campo. Claro que não é fácil, não deveria ser assim. Um mês (de atraso no salário), dois meses... viram cinco, seis, sete... nove como ouvi falar. E não só no Botafogo. Não se pode controlar os jogadores, que têm família, responsabilidades. É um stress que acompanha as pessoas no dia a dia, é preciso pagar as contas. Infelizmente não dá para pedir a essa pessoa o máximo do rendimento. Vira um círculo vicioso que não vai ter fim se não criarem uma lei, uma mudança forte para o futebol brasileiro. O Botafogo foi um dos que sofreu. Se olhar bem, o clube tinha receita para pagar, mas o dinheiro que entrava ia para pagar contas anteriores. E assim tem vários clubes.

Técnico hoje em dia não inventa mais nada, vai da capacidade de criar um grupo, uma filosofia, harmonia... Nisso Oswaldo de Oliveira foi excelente". 
Seedorf, fã de Oswaldo

Qual recado mandaria para a torcida do Botafogo neste início de 2015?

Estando longe é difícil falar. Mas os torcedores têm amor ao clube, e é isso que é preciso para sair das dificuldades, não só no futebol, mas no dia a dia. Espero muito que o Botafogo consiga voltar para a Primeira Divisão.

Você acompanhou a Copa do Mundo de perto. Qual avaliação faz e como explicaria a derrota do Brasil por 7 a 1 para a Alemanha e 3 a 0 para a Holanda?


Cada um tem uma explicação. Futebol é assim. Às vezes leva de seis, sete... A Alemanha estava em grande forma. Enfrentaram o time errado no momento errado. Nenhum jogador quer perder desta maneira, mas faz parte. Não é o resultado em si, mas a falta de talentos técnicos. Neymar apenas. Antes, tinham mais jogadores representando o país em alto nível na Europa. A estrutura do futebol não pode ser igual há 20 anos, o mundo mudou e é preciso mudar, senão os outros renovam, como fez a Alemanha. Muito importante que o Brasil abra o olho neste sentido. Já perdi de seis contra o Valencia, ninguém quer que aconteça. O 3 a 0 do Brasil contra a Holanda acho que foi consequência do 7 a 1 contra a Alemanha. Normal. Não tinha mais condição de reagir. Acho que vem uma mudança forte no futebol brasileiro, e acho que pode conseguir se as pessoas que estiverem no comando quiserem.

Como recém nomeado Embaixador Global da Uefa da Diversidade e a Mudança, como pretende ajudar a combater os casos de racismo? No Brasil houve alguns casos neste ano, acredita que demos um passo atrás nesta questão?


A crise mundial mostrou a realidade para todos. O racismo existe, os números deixam claro. Em um evento que fizemos com a Uefa na Holanda há alguns meses, as estatísticas de três universidades mostravam que o máximo percentual de minorias era de 3% no futebol europeu (cargos como técnico e de gerência). No Brasil, lembro que também se falava nesse assunto. É preciso dar chances iguais para todos. No meu papel dentro da Uefa, vamos começar um trabalho bem estruturado para tentar mudar esta situação. Nos Estados Unidos, existe algo chamado "Rooney Rule" que implantaram na NFL. Mudou a cara do esporte. Obrigando a todos os clubes a, quando contratar, entrevistar uma pessoa de outra etnia, de cor negra. Depois de anos, existem mais treinadores negros e com bons resultados. Criaram dentro dos clubes também em outros cargos, como os gerentes. Foi muito forte lá, e não temos que inventar de novo o que já está inventado. O futebol é um espelho da sociedade, e pode ajudar muito a melhorar os aspectos do dia a dia. Precisamos de mais gestos para aumentar a integração, e o futebol é um misto de etnias. Em janeiro, vamos nos encontrar na Uefa para falar sobre a estratégia e depois poderei falar com mais detalhes.

Pode ser que eu tenha feito falta, mas quando a gente constrói uma coisa... Tinham outros jogadores experientes lá dentro, esperava que eles pudessem continuar o mesmo caminho, porque não fiz nada sozinho".
Seedorf, respondendo se sua saída contribuiu para a queda do Glorioso

No Brasil você sentiu algum tipo de discriminação?

Senti um pouco. Se você é atleta, é mais difícil de ver essas coisas. Mas nos cargos de mais poder é que fica mais claro. As estatísticas europeias mostram que 95% dos técnicos são brancos. É preciso quebrar essa coisa.

Como aconteceu esta nomeação de Embaixador? Ficou orgulhoso?

Foi um reconhecimento muito bonito e importante. Encontrei com o Platini na Europa e ele estava procurando uma pessoa. Me ofereceu e deu duas semanas para eu responder se aceitava. Não é um trabalho, não me pagam para isso (risos). É um cargo para tentar melhorar o futebol neste aspecto da integração. Muita gente tem vontade de ajudar.

Este ano você recebeu alguns prêmios no Suriname, onde nasceu. Virou "Doutor Honoris Causa" por sua liderança, capacidade de comunicação e filosofia de vida e também recebeu o prêmio da "Estrela Amarela", a maior condecoração dada pela presidência. Está orgulhoso deste reconhecimento também em seu país?

Para mim, o importante é sempre tentar melhorar a vida no que eu posso. Agradeço por todos esses reconhecimentos. É preciso caminhar olhando à frente.