Mundo Espionagem

Após incidente com voo de Evo Morales, Mercosul vai convocar seus embaixadores

Países do bloco também chamarão representantes estrangeiros na Espanha, França, Itália e Portugal para explicar incidente

Os presidentes Morales, Cristina, Mujica, Dilma e Maduro na reunião do Mercosul, no Uruguai: cobrança de explicações sobre restrições a voo boliviano
Foto: REUTERS
Os presidentes Morales, Cristina, Mujica, Dilma e Maduro na reunião do Mercosul, no Uruguai: cobrança de explicações sobre restrições a voo boliviano Foto: REUTERS

MONTEVIDÉU - Os presidentes do Mercosul assinaram nesta sexta-feira uma decisão sobre “o repúdio à espionagem por parte dos Estados Unidos nos países da região”, na qual condenaram “as ações de espionagem de agências de inteligência dos EUA, que afetam todos da América do Sul”. Na resolução, o bloco informou ainda sua decisão de respaldar a denúncia apresentada por Evo Morales às Nações Unidas. Serão convocados “para consultas” os embaixadores de cada país do bloco acreditados junto às nações europeias envolvidas - Espanha, França, Itália e Portugal - para que informem sobre os fatos ocorridos.

Ao mesmo tempo, cada país do Mercosul também irá chamar os embaixadores dos países europeus para lhes informar sobre a decisão e pedir informações sobre o incidente. Será apresentado, ainda, “um protesto formal a cada um dos países, demandando “explicações e as correspondentes desculpas pela situação”.

No primeiro caso, não se trata de uma retirada dos embaixadores, mas sim de um ato político. Uma vez chamados, eles não têm data para voltar - pode ser uma semana, um dia ou um ano.

Em 2 de julho passado, Morales retornava de uma visita à Rússia quando foi obrigado a fazer um pouso não previsto na Áustria após França, Espanha, Portugal e Itália terem proibido o avião de sobrevoar seus espaços aéreos pela suspeita de que nele estivesse escondido o ex-agente da CIA Edward Snowden, que revelou um amplo sistema de espionagem do governo americano.

A presidente Dilma Rousseff condenou as restrições ao voo.

- A região deve repudiar o tratamento dispensado a um de nossos presidentes pelos europeus. O repúdio não é só pelo presidente Evo Morales, cada um de nós foi ofendido e atingido por esse caso - afirmou.

Dilma voltou a pedir explicações ao governo americano sobre o amplo sistema de espionagem revelado pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden, afirmando que isso fere a soberania brasileira. E defendeu enfaticamente a necessidade de que sejam adotadas normas relativas à regulamentação da internet em âmbitos multilaterais como as Nações Unidas, de forma a garantir a segurança cibernética.

- É necessário que haja uma discussão a respeito da segurança, defendo com unhas e dentes as redes sociais como maiores conquistas para a liberdade, livre manifestação e democratização. Agora é fundamental que isso não signifique invasão da privacidade por parte do Estado. O Estado não pode ser o Grande Olho, o Grande Irmão, aquele que sabe tudo das pessoas, e inibe as pessoas - declarou a presidente. - Defendemos que a soberania, a segurança de nossos países, privacidade de nossas comunicações, privacidade dos cidadãos e das empresas devem ser preservadas e este é o momento de demarcar um limite para o Mercosul - afirmou.

Texto final ressalta direito inalienável ao asilo

No documento final, o bloco repudiou “enfaticamente a interceptação das telecomunicações e as ações de espionagem nos países (da região), pois constituem uma violação dos direitos humanos, do direito à privacidade e do direito à informação dos cidadãos, e fazem parte de uma conduta inaceitável e atentatória às soberanias”. Na resolução, os países decidiram “trabalhar em conjunto para garantir a segurança cibernética dos Estados membros do Mercosul”.

Também foi decidido exigir aos responsáveis dessas ações seu encerramento imediato e explicações sobre suas razões e consequências. O documento sublinha, também, que “a prevenção ao crime, assim como a repressão aos delitos transnacionais, inclusive o terrorismo, deve enquadrar-se no Estado de Direito e na estrita observância do Direito Internacional”.

Os países reafirmaram “o direito inalienável de todo Estado de conceder asilo. Esse direito não dever ser restringido nem limitado em sua extensão em nenhuma hipótese”. Num dos trechos mais fortes do documento, os membros do Mercosul repudiaram “toda tentativa de pressão, intimidação ou criminalização de um Estado ou de terceiros sobre a decisão soberana de qualquer nação de conceder asilo”. O recado foi para a Casa Branca, que nas últimas semanas teria pressionado governos da região, entre eles o do Equador, para que evitassem dar asilo a Snowden.

- Rechaçamos e colocamos sobre a mesa questões fundamentais vinculadas à espionagem mundial dos Estados Unidos. Este caso de espionagem mundial que sacudiu a consciência pública dos Estados Unidos e do mundo inteiro coloca questões-chaves da ética política e do mundo que queremos construir - declarou o venezuelano Nicolás Maduro, também na presidência do bloco.

A situação de Edward Snowden foi um assunto central do encontro presidencial. Vários países do bloco ofereceram asilo ao ex-agente, entre eles Venezuela e Equador.

Ao ler a declaração política dos presidentes, o chanceler do Uruguai, Luís Almagro, informou que o Mercosul também vai gerenciar uma reunião conjunta de chanceleres com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, para cobrar uma resposta multilateral das Nações Unidas sobre as denúncias de espionagem global americana. Segundo ele, essa resposta deve também incluir “prevenção e sanção” contra a espionagem, que o bloco considera uma ofensa ao direito humano de privacidade. Além disso, ele avisou que o tema entrará na pauta da próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano que vem, em Nova York.

Pressão americana, de acordo com “NYT”

De acordo com “New York Times”, o Departamento de Estado americano está pressionando os governos da região para que não seja concedido asilo a Snowden em países latino-americanos. O próprio vice-presidente americano, Joe Biden, telefonou para o presidente do Equador, Rafael Correa, para transmitir a mensagem da Casa Branca, que teria, segundo o jornal americano, antecipado “consequências duradouras” caso algum governo do continente receba o ex-agente da CIA. O mesmo recado teria sido dado pelas embaixadas americanas a vários governos da região.

- O governo dos EUA deve saber que a Venezuela já aprendeu faz tempo e derrotou as pressões de qualquer parte do mundo - declarou o chanceler venezuelano, Elias Jaua.

Correa, que não participou do encontro, mas foi representado pelo vice do país, Jorge Glas, e pelo chanceler Ricardo Patiño, comentou que na conversa com Biden o vice americano assegurou que um eventual asilo a Snowden “poderia deteriorar de forma considerável as relações, mas sem qualquer tipo de ameaça, simplesmente apresentado a importância que o caso Snowden tem para eles”.