Política

Dilma cobra explicações e ameaça adiar visita aos EUA

Cardozo avalia que denúncias sobre espionagem pelos EUA em comunicações da Presidência apontam ‘violação inaceitável e inadmissível’
Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, condenam espionagem dos EUA e cobram explicações Foto: ailton de Freitas / Agência O Globo
Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, condenam espionagem dos EUA e cobram explicações Foto: ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA – O governo brasileiro classificou como violação à soberania a espionagem que os Estados Unidos fizeram de telefonemas, e-mails e mensagens de celular da presidente Dilma Rousseff e de seus auxiliares, conforme revelou domingo o programa “Fantástico” da TV Globo. A presidente convocou nesta segunda-feira cedo uma reunião de emergência com ministros, e o Itamaraty cobrou do embaixador americano, Thomas Shannon, explicações por escrito de seu governo. Em resposta à espionagem americana, Dilma poderá até mesmo suspender encontro oficial com o presidente Barack Obama marcado para outubro, em Washington, mas isso dependerá das explicações que o governo dos EUA der sobre o caso.

Em entrevista o ministro de Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disseram que o Brasil quer uma resposta por escrito do governo americano ainda esta semana, e que o país está disposto a levar o assunto a debate em foros internacionais.

Apesar da indignação expressa pelo governo brasileiro, por enquanto nenhuma medida concreta foi anunciada. Perguntado sobre a viagem a Washington, Figueiredo disse que não trataria do assunto. Ele afirmou que a reação brasileira dependerá das respostas que serão enviadas pelos Estados Unidos.

— O tipo de reação dependerá do tipo de resposta. Por isso queremos uma resposta formal, por escrito, para que seja avaliada e, a partir daí, vamos ver qual será o tipo de reação que adotaremos — disse o chanceler.

Dilma não falou publicamente sobre o assunto mas, indignada com a situação, realmente cogita em suspender a viagem aos Estados Unidos. Mas os dois afirmaram que é preciso esperar a manifestação dos EUA antes de adotar alguma ação.

— Do nosso ponto de vista, isso (a espionagem) representa uma violação inadmissível e inaceitável da soberania brasileira. Esse tipo de prática é incompatível com a confiança necessária para a parceria estratégica entre os dois países. O governo brasileiro quer prontas explicações formais, por escrito, sobre fatos revelados na reportagem — disse Figueiredo.

De acordo com o chanceler, a conversa com Shannon foi franca e direta. Ele disse ter deixado claro que o governo brasileiro considera inadmissível e inaceitável o que vê como uma violação à soberania nacional.

— Na conversa, ele (Shannon) entendeu o que foi dito, porque foi dito em termos muito claros. Muitas vezes, pensa-se que diplomacia é explicar as coisas de formas sinuosas. Não é. Quando as coisas têm de ser ditas de forma muita claras, são ditas. Ele tomou nota de tudo o que eu disse. Hoje (ontem) é feriado nos Estados Unidos, mas ele se comprometeu a entrar em contato com a Casa Branca ainda hoje (ontem) para narrar nossa conversa, para que eles nos enviem por escrito as informações formais que o caso requer — disse Figueiredo. — Quero que o governo americano dê as explicações. Não necessariamente o embaixador. Ele transmitiu o que o Brasil quer dos Estados Unidos.

Cardozo disse que, se as informações veiculadas anteontem pelo “Fantástico” forem verdadeiras, o Brasil vai levar a questão a foros internacionais.

— Se confirmados os fatos, isso revelaria uma situação inaceitável e inadmissível à nossa soberania. Quando a interceptação de dados se dá não para investigar ilícitos, mas numa dimensão política e empresarial, a situação fica, sem sombra de dúvida, muito mais séria. Eles nos disseram, textualmente, que não faziam interceptações para finalidades políticas e econômicas para empresas americanas. Não tivemos nenhuma resposta conclusiva. Vamos aguardar as explicações.

Participaram da reunião com Dilma, além de Cardozo e Figueiredo, os ministros da Defesa, Celso Amorin, e o das Comunicações, Paulo Bernardo.

O ministro da Justiça lembrou que esteve nos Estados Unidos na semana passada e se reuniu com o vice-presidente, Joe Biden. Na ocasião, Cardozo apresentou uma proposta de compartilhamento de dados com os americanos para questões envolvendo suspeitas de ilícitos, mas Biden disse que não faria um acordo dessa natureza com o Brasil nem com qualquer outro país. Na conversa, segundo Cardozo, o vice-presidente americano negou que seu governo fizesse interceptações telefônicas ou de mensagens de cidadãos brasileiros.

Três programas de rastreamento

Em julho, O GLOBO informou que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sigla em inglês) espionou cidadãos brasileiros na última década. Segundo documentos coletados pelo ex-técnico da agência Edward Snowden, telefonemas e e-mails foram rastreados por meio de, pelo menos, três programas. O Brasil aparece com destaque em mapas da NSA, como alvo importante no tráfego de telefonia e dados, ao lado de países como China, Rússia, Irã e Paquistão.

O secretário de Estado, John Kerry, quando esteve no país no mês passado, em visita oficial, negou que os EUA tenham acessado o conteúdo de dados de comunicações brasileira. De acordo com Kerry, seu país atua em ações preventivas para evitar ataques terroristas. Ele disse que seu governo age como os demais países, recolhendo informações.

Figueiredo disse que o Brasil discutirá o tema com outros países. Apesar de, segundo o “Fantástico”, o México também ter sido alvo da espionagem americana, o chanceler brasileiro não conversou ainda com seu colega mexicano.

— Vamos conversar com parceiros tanto de países desenvolvidos quanto dos Brics (que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul) para avaliar como eles se protegem desse tipo de situação e quais ações conjuntas podem ser tomadas para lidar com um tema grave como este.