Economia

Dólar aparece na inflação: pãozinho e eletrodomésticos ficam mais caros

IPCA subiu 0,24% em agosto. Em 12 meses, índice acumula alta de 6,09%

Adelino Barata, gerente da padaria Divino Trigo: ‘Estou vendendo o quilo do pão a R$ 10, mas já tem gente cobrando até R$ 17’
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Adelino Barata, gerente da padaria Divino Trigo: ‘Estou vendendo o quilo do pão a R$ 10, mas já tem gente cobrando até R$ 17’ Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO — O fim do impacto da queda de preços de alimentos e transportes sobre a inflação e os primeiros efeitos da alta do dólar fizeram o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar agosto em 0,24%, bem acima dos 0,03% registrados em julho, mas abaixo das previsões do mercado. Com isso, a taxa que representa a inflação oficial do país acumula alta de 3,43% no ano e 6,09% em 12 meses, dentro do teto da meta fixada pelo governo para este ano que é de 6,5%.

— Os dois grandes grupos que tiveram influência para levantar a taxa de agosto foram alimentos e transportes. Os alimentos caíram 0,33% em julho e tiveram impacto importante, de 0,08 ponto percentual para reduzir a inflação daquele mês. E agora em agosto ficaram estáveis. Os transportes mantiveram a queda, mas bem menor e com contribuição negativa de apenas 0,01 ponto — explicou Eulina Nunes do Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE.

Ao mesmo tempo, o aumento do dólar pressionou preços de alimentos derivados do trigo como a própria farinha (2,68%), o pão francês (1,56%), pão doce (1,43%), o café da manhã nos restaurantes (1,53%). Outro reflexo da disparada do câmbio foram os eletrodomésticos que ficaram 1,45% mais caros e fizeram, na análise por grupos, os artigos residenciais registrassem a maior alta do mês (0,89%).

— Nas informações coletadas no mês de agosto a gente percebe claramente a influência do dólar. Por exemplo, na farinha de trigo que tem efeito sobre outros produtos importantes, como o pão. O café da manhã, o lanche, refeição fora de casa e até a própria cerveja (alta de 0,56%) sofrem influência do dólar — disse Eulina.

Preço da farinha dispara

Do outro lado do balcão, Adelino Barata, proprietário da padaria Divino Trigo, confirma as estatísticas do IBGE. Segundo ele, o preço da farinha de trigo já aumentou mais de 50%. Só nos últimos 30 dias, a alta foi de 20%. Além do câmbio, produto encareceu com a quebra de safra de trigo na Argentina, no Brasil e nos Estados Unidos, onde problemas na produção de milho fizeram crescer a demanda pelo trigo.

— Este último aumento eu consegui segurar, porque mês passado fiz um estoque grande, mas provavelmente no fim de setembro vou ter que aumentar. Estou vendendo o quilo do pão a R$ 10, mas já tem gente cobrando até R$ 17 — disse.

Individualmente, o vilão da vez entre os alimentos foi o leite longa vida que subiu 3,75% em agosto e acumula alta de 25% no ano. O clima frio diminuiu a produção e aumentou o consumo. No lado da queda, destaque para a cebola que ficou 22,84% mais barata em um mês e sozinha contribuiu para uma redução de 0,04 pontos no IPCA.

Número bom, processo ruim

Para os especialistas, a inflação de agosto não trouxe surpresas e não muda as preocupações com o controle de preços e nem as perspectivas de aumento dos juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) prevista para outubro.

— O número veio dentro do esperado e ainda com muito pouco efeito da alta do câmbio. O que preocupa, apesar do número ter sido bom, é que na variação em 12 meses os serviços continuam acima dos 8% e aumentou o índice de difusão, que mostra o espalhamento da alta de preços — destacou Luiz Roberto Cunha, da PUC Rio.

Para Cunha, se não houver alta dos combustíveis a inflação fechará o ano em 5,7% e, se houver, chega a 6%. São as mesmas projeções do economista-chefe do Banco ABC, Luiz Otavio Leal:

— Se o BC quiser conseguir uma inflação menor do que a do ano passado (5,84%) não aumenta a gasolina e fechamos em algo próximo de 5,7%. Se aumentar encosta em 6%. Os números vieram bons, mas o processo é ruim. Os serviços estão muito altos, o índice de difusão voltou a aumentar, os núcleos da inflação (que medem a disseminação da alta de preços) subiram. Além disso, o controle da inflação está muito focado em preços administrados.

Relatório do Banco Itaú-Unibanco mostra que a taxa média dos núcleos de inflação (medida que exclui os preços mais sujeitos a variações bruscas) chegou a 0,42% em agosto, contra 0,28% no mês anterior. Já o índice de difusão, que mostra a parcela de produtos com alta de preços, passou de 55,1% para 58,1%.

— O grupo alimentação deve continuar pressionando no último trimestre, um pouco pela questão cambial e parte pela efeito sazonal. Os índices de preços do atacado já estão mostrando isso. Os juros devem continuar subindo. Acredito em alta de 0,5 ponto na próxima reunião e 0,25 na seguinte — disse Elson Telles, economista do Itaú-Unibanco, prevendo que o IPCA feche o ano em 6,1%.

O Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI), divulgado ontem pela Fundação Getulio Vargas, subiu 0,46% em agosto contra 0,14%, em julho. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) que mede a variação dos preços no atacado subiu 0,58%, resultado de uma queda menor no preço dos alimentos in natura.

Para o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, há excesso de pessimismo no mercado. Segundo ele, sem alta de combustíveis, a inflação fechará o ano em 5,4%, e o BC só aumentará os juros uma vez, em meio ponto, na reunião de outubro.