Economia

Mesmo com avanço de tablets, brinquedos tradicionais ainda são os preferidos das crianças

Bonecas representam 40% do setor, diz Abrinq

Crianças e suas coleções de bonecos
Foto: O Globo / Michel Filho/11-01-2011
Crianças e suas coleções de bonecos Foto: O Globo / Michel Filho/11-01-2011

RIO - A indústria de brinquedos enfrenta uma nova guerra. Superados os baques com o videogame, nos anos 80, e com os computadores, nos anos 90, o setor enfrenta agora uma batalha com os tablets. Disputa, até agora, vencida: os brinquedos tradicionais ainda são os preferidos da garotada, sendo a boneca a opção número 1 das meninas. Para muitos, o fato é uma surpresa. Afinal, a despeito dos preços elevados (entre, em média, de R$ 300 e R$ 2.200), esses produtos estão parando cada vez mais no colo dos pequenos. Seja por interesse da garotada ou seja por estímulo — e até por comodidade — dos próprios pais.

A indústria — que, em 2012, deve ver o faturamento crescer 14%, chegando a quase R$ 4 bilhões — não assiste a essa mudança de comportamento dos consumidores de braços cruzados: o setor está investindo mais em inovação, apostando em produtos com mais tecnologia embutida e criando versões no universo virtual. Uma adaptação fundamental, alertam especialistas. Afinal, o jeito de brincar, sem dúvida, mudou. Mudou, mas, segundo a Abrinq, os brinquedos tradicionais ainda dominam a preferência das crianças: as bonecas continuam representando a maior parte do negócio, em torno de 40%.

— Os tablets representam mais uma forma de entretenimento que não ameaça o setor de brinquedos. Não é uma substiuição. Tanto que projetamos crescimento do setor em 15% em 2013, após 11% no ano passado. Há, claro, uma concorrência no orçamentos, especialmente em datas como Natal e mesmo aniversários. Mas criança gosta e sempre vai gostar de brincar — comentou Synésio Batista, presidente da Abrinq.

A Estrela, por exemplo, vem adaptando brinquedos tradicionais — como Banco Imobiliário, Detetive e Cara a Cara — que ganham uma roupagem mais tecnológica. Mesmo as bonecas ficaram mais hi-tech , como a Susi que, com acesso a internet, ganha um guarda-roupa virtual. Há jogos com versão online e redes sociais, como Facebook, que permitem que vários jogadores brinquem juntos, à distância. Caso do Cara a cara. Com isso, os chamados brinquedos inteligentes já representam 25% das vendas da empresa.

— O brinquedo é um espelho da sociedade e de seus hábitos. Hoje, com os pais trabalhando, confinada em apartamentos e com menos irmãos, a criança tende a ser estimulada a brincadeiras mais solitárias. E, sem dúvida, os tablets e smartphones cumprem essa função. Mas a indústria de brinquedos precisa se adaptar a esses novos tempos — comentou Aires Leal, diretor da Estrela.

Não seria primeira vez que o setor precisaria se reinventar, frisa Leal. Isso já foi feito, nos anos 80, quando o grande rival eram os videogames. E, nos anos 90, o inimigo era o computador que saía do escritório e passava a ser uma ferramenta de lazer também.

— A indústria que não se adaptar morre. A Estrela pegou seus clássicos e embutiu tecnologia. O Detetive vem em versão 3-D, o Banco Imobiliário tem cartão de crédito, mas já tem versão pelo celular ou Facebook — disse o diretor.

Inovação é a estratégia da Mattel em tempos em que as crianças passam horas com seus brinquedos eletrônicos, contou Isabel Souza, diretora de Marketing da Mattel.

— Antes do tablet, vieram os videogames, os celulares. Reconhecemos que a portabilidade permite que os aparelhos parem nas mãos das crianças. A ameaça existe e está presente há muito tempo. Então, investimos em múltiplas plataformas, com aplicativos para celulares, tablets, e brinquedos com mais tecnologia. Mas existe, sim, espaço para os brinquedos tradicionais, desde, claro, que venham com inovação — disse Isabel, acrescentando que mais de 90% dos produtos da Mattel são novos. — Essa inovação está cada vez mais rápida.

Muitos artigos da Mattel são versões de itens usados no dia a dia da criança, como máquinas fotográficas e laptops. Diante dessa perspectiva, até um tablet poderia ganhar sua versão. Mas, até lá, a Mattel tem investido, por exemplo, em itens como o Suporte Protetor de iPhone — acessório que vira um brinquedo pois, qdo acoplado o celular, aplicativos educativos são acionados, ou Macaco Interativo Aprender e Brincar (é um macaquinho que, mais uma vez, quando acoplado o iPhone, traz uma série de aplicativos educativos). Aplicativos como jogos pela internet são outra aposta da companhia, que também investe em redes sociais.

A reação da indústria faz sentido. O desempenho do mercado de tablets garantiu ao Brasil a 10ª posição no ranking mundial de vendas de novos aparelhos. Segundo a IDC Brasil, em 2012, quase 3 milhões de aparelhos devem ter sido vendidos. A projeção para 2013 é chegar a 5,4 milhões. A maioria deles tem sistema operacional Android e quase metade custa menos de R$ 500.

— Esse novo padrão de comportamento, certamente, passa ser uma preocupação da indústria. Mas não há como recuar dos novos tempos da tecnologia. Todos terão que se adaptar a essa era: a indústria, as crianças e os pais — disse Cássia D’Aquino, autora de “Educar para o consumo: Como lidar com os desejos de crianças e adolescentes”.

A diretora pondera ainda que, mesmo com o crescente acesso das famílias a tablets no Brasil, parte importante do mercado consumidor brasileiro ainda não tem acesso a essa tecnologia. Na liderança em âmbito mundial, de acordo com os dados do IDC, os Estados Unidos possuem um mercado de tablets 12 vezes maior do que o brasileiro. Isso porque , nesses mercados mais maduros, grande parte da população já possui um computador e, portanto, está mais propenso a comprar um tablet como um dispositivo complementar.

— Para se ter ideia, no Brasil, a primeira categoria do setor recai sobre as bonecas. Ou seja: eletrônicos, como tablets, não deram um freio nisso. Os brinquedos tradicionais continuam crescendo.

Pesquisa da Nielsen, nos Estados Unidos, já apontara essa transformação dentro de casa. Nas famílias americanas que possuem o gadget, 77% das crianças usam o tablet para jogar, enquanto 57% as utilizam para fins educacionais e 43% delas assistem a filmes no aparelho. Ou seja: quando, há alguns anos, a garotada se divertia com brinquedos tradicionais, muitos dos pequenos agora estão à frente da telinha do tablet.

Na rua, a situação fica bastante evidente. Num restaurante, já é cena comum ver à mesa crianças com seus gadgets, ficando à parte do que acontece ao redor. De acordo com o estudo da Nielsen, 41% das crianças usam tablets em restaurantes. E assim brinquedos como cubos mágicos, bonecos ou jogos portáteis vão perdendo espaço. Bem como as conversas entre pais e filhos.

Para analistas, o grande perigo para os brinquedos não é somente a velocidade com que os brinquedos vêm sendo substituídos, mas também o tempo em que as crianças passam à frente de tablets. Além disso, essa transição, muitas vezes, têm apoio dos pais que consideram positivo a inserção das crianças no mundo tecnológico — mesmo que, muitas vezes, esse início seja precipitado.

João Pedro, de 11 anos, é um retrato dessa nova geração. Após juntar a mesada do ano inteiro, ele não correu para uma loja de brinquedo ávido por um jogo novo. Em vez disso, foi pesquisar o tablet que melhor se enquadrava no seu orçamento. Pagou quase mil reais num modelo, baixou jogos e, agora, carrega sempre seu novo “brinquedo” com ele.

— Eu jogo quando não tenho mais o que fazer. Não sou o único. No recreio, eu conheci o tablet de um amigo. Pelo menos três amigos da minha idade têm um tablet.

A mãe, porém, não está muito satisfeita. Ainda que respeite os desejos do filho, ela teria preferido se o rapaz optasse pela compra de um brinquedo.

— Ele nem sequer cogitou comprar um modelo mais barato para, quem sabe, comprar um brinquedo também. O que me incomoda é que, com o tablet, ele se isola. Só que isso, somado a uma personalidade mais discreta, nem sempre é bom. Mas uma coisa é certa: o tablet é dele, mas as regras são minhas. E ele me obedece — disse Renata , acrescentando que a rotina do João Pedro pode, em muitos dias nessas férias, estar restrita a televisão, tablet e computador. — Muitas vezes, ele vai dormir com a bateria descarregada do tablet.

Há muitas crianças como João Pedro. No ano passado, o Papai Noel do Nova América levou um susto. A lista de pedidos de presente mudou bastante de uns anos para cá, quando a bicicleta sai de cena para dar lugar aos tablets. Campeão de pedidos, os artigos tecnológicos estão em primeiro lugar na lista, como computadores e telefones equipados, seguidos de vídeo games (Playstation ou Xbox), a boneca Monster High e o fenômeno infantil Galinha Pintadinha.

Os dados do setor não mostram acomodação. Os lançamentos de brinquedos seguem crescendo, de 1.200 em 2007 para quase 1.700 em 2012. Mas, segundo a Abrinq, a participação dos brinquedos eletrônicos nas vendas mais do que dobrou nos últimos anos: de 0,2% em 2008 para 1,7% em 2011.

Apesar dos avanços da tecnologia nas brincadeiras, Mario Honorato, diretor da Ri Happy, comenta que uma criança solta na loja vai escolher os brinquedos mais simples, como bonecas e carrinhos.

— As crianças ainda têm seus amigos imaginários e a brincadeira só reforça a sua imaginação, o seu mundo. E muitos pais reconhecem muito a importância do brincar. E sabem que se uma brincadeira dura horas, tudo bem. Mas um filho por horas no computador não é nada bom.

Ainda que os pais estejam mais conscientes da importância do brincar, a aceitação do tablet na vida dos filhos vem ocorrendo cada vez mais cedo, lembra Cássia D’Aquino. Bebês brincado com tablets ou criança muito pequenas entretidas no aparato por horas já não se traduzem em cenas raras, comentou.

— O excesso é o problema. Um tablet, um smartphone ou um videogame podem favorecer o brincar e mesmo a interação com a família, quando todos estão juntos. E isso pode ser bom. O problema está na falta de limites — acentua.

A falta de limites, acrescenta ela, tende a ser sedutor para os pais: aparelhos eletrônicos têm se mostrado "excelentes babás", "status" antes assumido pela televisão.

— Uma coisa é permitir uma criança mexer num tablet porque ela vai se divertir. E, portanto, controlar o tempo do seu uso, sem ser de forma arbitrária. Outra é usar o tablet para deixar a criança quieta, calar a sua boca, evitar aqueles transtornos típicos de criança. Isso mexe num vespeiro imenso: por que tenho filho?