Rio

Menos de 40% dos clientes da Cedae têm coleta de esgoto

Avanço no serviço foi inferior a 1% entre 2011 e 2012

Com a ETE de São Gonçalo ainda inoperante, o aposentado Jorge da Cunha Pinheiro convive com sujeira e valas negras na Praia das das Pedrinhas: a conta do serviço, de cerca de R$ 100, é paga todo mês à Cedae
Foto: Custodio Coimbra
Com a ETE de São Gonçalo ainda inoperante, o aposentado Jorge da Cunha Pinheiro convive com sujeira e valas negras na Praia das das Pedrinhas: a conta do serviço, de cerca de R$ 100, é paga todo mês à Cedae Foto: Custodio Coimbra

RIO - Há pelo menos duas décadas, a auxiliar de enfermagem Zilda Rodrigues Martins, de 73 anos, tem de conviver com o esgoto que vaza de uma tampa na pista da Rua Conde de Itaguaí, na Tijuca, formando crostas, bem em frente à vila onde ela mora. Vez por outra, fezes e pedaços de papel higiênico são incorporados à paisagem. Na pequena rua, que se estende da Conde de Bonfim à Antônio Basílio, em outros dois pontos, o esgoto escorre a céu aberto.

— O mau cheiro é constante. Sem falar nos perigos para a saúde — conta Zilda.

Não parece, mas a moradora da vila da Tijuca é uma privilegiada. Ela está entre o seleto grupo dos que contam com recolhimento regular de esgoto na porta de casa. Relatório de demonstrações financeiras da Cedae de 2012 revela que apenas 39,2% da população dos municípios que têm contratos com a companhia para a prestação do serviço possuem rede de coleta de detritos. O avanço foi tímido em relação ao percentual de 2011: menos de 1%.

Dos 33 municípios fluminenses em que a Cedae tem contrato para tratar esgoto, a companhia diz que cobra pelo serviço em três: Rio, São Gonçalo e Maricá. Mas 21 bairros da Zona Oeste são tributados para ter seu esgoto despejado em galerias de águas pluviais.

Na segunda reportagem da série “Os descaminhos do saneamento do Rio”, O GLOBO mostra que a Cedae ainda tem que percorrer uma longa estrada para universalizar o serviço de saneamento. A capital conta com a maior cobertura de rede e de tratamento de esgoto: de acordo com dados do Ministério das Cidades (2011), embora as tubulações cheguem a 77,8% dos moradores, só 51,9% do esgoto gerado são tratados. Esse é o melhor dos cenários. Na Baixada, Queimados padece com o percentual nulo de tratamento. O mesmo ocorre com outras 20 cidades que têm contratos com a Cedae.

— O desempenho referente à coleta e ao tratamento de esgoto é incompatível com a situação de um estado que é o segundo mais rico do Brasil. A cidade, que garante cerca de 85% do faturamento da Cedae, também não se encontra em situação muito melhor. Estamos com padrões africanos em saneamento. A empresa pratica ilusionismo quando não cumpre suas promessas — afirma a deputada Aspásia Camargo (PV), presidente da Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia.

Com rede e sem água

Em relação ao abastecimento de água, o crescimento da população atendida nos 64 municípios que têm contratos com a Cedae foi ínfimo: de 83,1% para 83,3%, entre 2011 e 2012. No entanto, mesmo quem tem rede nem sempre recebe água. Morador de Nova Iguaçu, Nicomedes Dias Vargas não sabe o que é ver uma gota de água da tubulação da Cedae desde 10 de janeiro deste ano. Para abastecer sua cisterna, depende de carros-pipa que a companhia leva até duas semanas para enviar, após a solicitação dos moradores. Agora, o problema é contínuo, mas o desabastecimento parcial começou em janeiro de 2012, quando foi construída uma subestação para atender o bairro Cocada, num morro de Nova Iguaçu. Cinco bairros vizinhos acabaram sem água.

— Uma bomba suga a água, que é mandada para o morro. Já fiz diversas reclamações. Quando o caminhão-pipa demora, a saída tem sido pegar água na casa de uma vizinha que tem poço artesiano e ajudá-la a pagar a conta de luz — diz Vargas, que mora no bairro Diana e mantém a conta da água em dia.

Entre as cinco cidades mais populosas do estado, Nova Iguaçu tem o menor índice de esgoto — do total gerado — tratado: um percentual irrisório de 0,4%, segundo o Ministério das Cidades. O município tem contrato de serviços com a Cedae desde 2004. A concessão se estende até 2034, e a companhia tem o direito de cobrar por serviços em 149.981 imóveis. Apesar disso, a Cedae informa que não manda fatura de esgoto. Mas também não investe. A lógica por lá é regra na Baixada: a tubulação do vaso sanitário desemboca em rios que vão para a Baía de Guanabara.

O motorista de caminhão Daniel Assis, morador do bairro Caioaba, diz não saber de quem é a responsabilidade pelo esgoto. Sua casa está fincada às margens do Rio Botas. Basta uma forte chuva para o rio — chamado de valão — transbordar e espalhar pelas ruas um líquido fétido. Seu vizinho, Leonardo Fernandes conta que já se acostumou com o cheiro de esgoto:

— Todo mundo joga o esgoto aí no rio. Cheiro fica ruim mesmo quando faz muito sol.

Prefeito da cidade, Nelson Bornier (PMDB) diz por e-mail, “não estar satisfeito” com os serviços da Cedae, mas não explicou o porquê de não exigir a regulação dos serviços ou o cancelamento do contrato. A prefeitura informa que opera oito pequenas estações de tratamento de esgoto (ETEs). Há um contrato de serviços do município com a empresa Engesan Engenharia e Sanaemento. Bornier, no entanto, não revelou os valores do contrato. E acrescentou que está “licitando a construção de mais cinco ETEs”. Uma outra unidade está sob a responsabilidade da Cedae.

ETE inoperante há 18 anos

Morador de São Gonçalo, cidade com mais de um milhão de habitantes, o aposentado Jorge da Cunha Pinheiro paga todos os meses R$ 100 à Cedae. Mas sempre que vai tentar pescar na Baía de Guanabara — hábito antigo —, precisa encarar um malcheiroso valão de esgoto na Praia das Pedrinhas, às margens da BR-101. Bem perto dali, enormes cúpulas de concreto eram para ser uma estação de tratamento de esgoto (ETE) há pelo menos 18 anos, o que nunca aconteceu. Até hoje, placas fixadas na entrada da unidade falam de obras de 2007, que beneficiariam “280 mil moradores” e custaram R$ 12,53 milhões.

— Há mais de 30 anos pesco na baía. Aqui tinha peixe, mexilhão, caranguejo. Hoje, é só esgoto — diz o aposentado.

A Cedae informou que, em até quatro meses, a ETE São Gonçalo estará, enfim, reinaugurada. Mais uma promessa. O presidente da estatal, Wagner Victer, informou, há dois anos, que tudo ficaria pronto em março de 2012.

Secretário de Obras de São Gonçalo, Antônio José Raimundo conta que, em recente reunião com a Cedae, foi informado de que, em 20 anos, será possível tratar 100% do esgoto da cidade. Segundo ele, nenhuma das cinco estações de tratamento de esgoto do município funciona. E acena para a possibilidade de conceder os serviços à iniciativa privada. São Gonçalo tem apenas 8,4% de seu esgoto oficialmente tratado. Resta saber onde estão as unidades que tratam este esgoto.