Economia Emprego

Dinheiro traz felicidade, sim, apontam pesquisas

Dois estudos, um brasileiro e um americano, apontam que a remuneração tem mais peso para profissionais que exercer uma atividade por paixão

Arte/Marcelo
Foto: O Globo
Arte/Marcelo Foto: O Globo

RIO - A velha frase “A gente ganha pouco, mas se diverte”, ao que parece, caiu em desuso. Desafios, oportunidades de desenvolvimento, qualidade de vida, tudo isso é importante no trabalho, claro. Mas, acima de tudo, está o dinheiro. Ao menos é o que indicam duas pesquisas recentes. A primeira, da organização brasileira Ateliê de Pesquisa Organizacional, aponta que, para 78% dos profissionais, o dinheiro é um fator que se sobrepõe a todos os outros no trabalho. O outro estudo, americano, mostra que a maioria das pessoas, se tiver de optar entre um trabalho chato que paga bem ou um emprego desafiador com salário mais baixo, prefere a primeira opção.

— Foi surpreendente ver o quanto o dinheiro tem importância na vida das pessoas. Na pesquisa, muitos entrevistados falaram sobre a possibilidade de ter e de adquirir bens materiais como forma de reconhecimento pessoal e de respeito profissional — afirma Suzy Cortoni, sócia-diretora do Ateliê de Pesquisa Organizacional, que realizou abordagens quantitativas, com 200 entrevistas, e qualitativas, com quatro grupos de discussão.

Os participantes do estudo tinham entre 28 e 45 anos, formação superior, e trabalhavam em empresas com 500 a mais de mil funcionários há pelo menos oito anos.

— Não escolhemos à toa essa faixa etária: quando se pensa em felicidade, alguém que está no início da carreira pode ainda se sentir perdido, assim como os mais velhos podem estar em decréscimo de carreira, o que influenciaria o resultado — explica Suzy.

Apesar disso, a supervalorização dos ganhos financeiros também está presente entre os jovens de 18 a 24 anos.

— Quando se está na idade de ter uma família, o dinheiro é mais importante. Mas, no caso da geração Y, a questão do status e do dinheiro também está muito presente — diz a sócia-diretora do Ateliê de Pesquisa Organizacional.

Rafael Falcão, diretor no Rio de Janeiro da empresa especializada em recrutamento Hays, explica o resultado da pesquisa de duas formas:

— Por mais que as pessoas busquem satisfação no trabalho, são poucas as que amam ou têm uma paixão pelo que fazem. A maioria até gosta, tem afinidade com o que faz, mas não ama. Então, estabelece uma ligação direta entre salário e motivação ou mesmo entre salário e felicidade — ressalta Falcão, para quem as políticas mais agressivas de bônus de muitas organizações também contribuem para esse cenário. — Atrelar um valor significativo à bonificação é algo que mexe com as pessoas, gerando uma felicidade imediata, já que os profissionais passam a trabalhar focados no possível bônus e no que vão adquirir com esse dinheiro extra.

Já Fátima Rossetto, diretora de Talent Development da LHH|DBM, enxerga a remuneração como fator de mobilização somente no curto e médio prazo.

— Para os que efetivamente planejam a carreira em concordância com as necessidades pessoais, o fator remuneração não é único, ainda que, em determinados períodos da vida, possa ser muito relevante e tomar o lugar central de algumas de nossas escolhas. No longo prazo, a motivação toma outros contornos e mesmo uma excelente remuneração pode não ter tanto peso — afirma.

Para Peter Ubel, um dos autores do estudo da Fuqua School of Business, que faz parte da Universidade de Duke, as pessoas sentem necessidade de receber um pagamento condizente com o trabalho feito, independentemente da satisfação encontrada no emprego. Em um dos experimentos, por exemplo, estudantes tiveram de escolher entre resolver um problema por cinco minutos ou observar outras pessoas, sem fazer nada. A maioria (66%) achou a primeira tarefa mais interessante e agradável, mas apenas 18% aceitou fazê-lo recebendo menos ou o mesmo do que o pago pelo “trabalho” de observar os outros.

Na alta gerência, menos importância

— No momento em que você apresenta a questão financeira para as pessoas, esta se torna uma preocupação primária, e elas passam a basear a decisão de aceitar um emprego no que consideram um pagamento justo pelo trabalho, em vez de aspectos não-monetários como o valor social ou se o trabalho é interessante — declara Ubel.

Tais Martins de Carvalho, sócia e consultora da Abrahams Executive Search, acredita que a questão salarial seja mais forte em posições mais baixas da hierarquia corporativa.

— Considerando a fatia de mercado de alta gerência, diretoria e presidência, não acho que tais resultados reflitam a realidade dos executivos, que estão num patamar em que não priorizam somente o dinheiro, mas o pacote como um todo, incluindo desafios, exposição internacional e qualidade de vida. Já para os cargos gerenciais, o incremento salarial é um objetivo de carreira — pontua a consultora.

Trabalho, a razão da desmotivação

Em uma outra pesquisa brasileira, realizada pela LeadPix, que investigava a motivação de maneira mais ampla, 91% dos respondentes disseram que se consideram uma pessoa motivada. Porém, entre os 9% que não se consideram motivados, o trabalho aparece como principal razão, apontada por 27%, seguida do desânimo (13%) e do salário baixo (11%).

— Outro dado interessante é que, para 51% dos entrevistados, o maior fator de motivação é a família. A evolução pessoal foi destacada por 14%, desenvolvimento de talentos e habilidades por 10% e trabalho por 5%, assim como dinheiro e religião — ressalta Wiliam Kerniski, economista e diretor executivo da LeadPix.

Destrinchando o estudo da LeadPix, chega-se também à informação de que, para os homens, o trabalho é mais motivante, enquanto, para as mulheres, é a família. Já na pesquisa do Ateliê Organizacional, 84% das mulheres se consideram felizes ou muito felizes em relação ao trabalho, enquanto, entre os homens, esse percentual é de 75%.

Mito da felicidade na carreira

— Por esse resultado, podemos dizer que as mulheres são mais otimistas do que os homens, mas é difícil afirmar isso com certeza, pois há muitos outros fatores que podem influenciar esse resultado. Prefiro não ter certeza sobre os motivos das respostas — diz Suzy Cortoni, sócia-diretora do Ateliê de Pesquisa Organizacional.

Suzy questiona, também, a quase obrigatoriedade que muitas empresas impõem a seus funcionários sobre a felicidade no trabalho — chegando, até, a banalizar o tema, diz ela.

— Hoje as empresas falam muito em felicidade, como se isso fosse também uma meta da organização, de ter funcionários felizes. O que percebemos, pela pesquisa, é que não existe uma busca pela felicidade no trabalho por parte dos profissionais: eles querem que a empresa pague bem e dê espaço para crescer. Felicidade é fora da empresa.

Rafael Falcão, diretor no Rio de Janeiro da empresa especializada em recrutamento Hays, vê especialmente os jovens da geração Y muito preocupados com a questão financeira.

— Recentemente, um cliente me informou que queria acabar com o nível mais júnior em sua empresa. Ele disse que preferia pagar profissionais mais experientes, pois os juniores, depois de dois ou três meses de trabalho, começavam a procurá-lo todo dia para falar de promoção e aumento, em uma velocidade que o negócio dele não conseguia acompanhar — conta Falcão.

Outra questão, diz o diretor da Hays, que pode contribuir para esse panorama de valorização financeira, é o cenário de quase pleno emprego do Brasil atualmente.

Crescem as contrapropostas

— O percentual pequeno de desempregados faz com que o profissional tenha menos apego àquela determinada posição e busque se movimentar. E, para reter os talentos, muitas empresas usam o método mais fácil, que é o aumento salarial — afirma Falcão, que tem visto, no seu dia a dia como recrutador, justamente, crescerem os casos em que um profissional, prestes a sair de determinada companhia, liga para a agência de recrutamento dizendo que desistiu do novo emprego porque recebeu uma contraproposta. — E isso era algo muito mais raro: as empresas faziam menos e os profissionais faziam menos. Mudou dos dois lados.