Economia

Governo zera IOF para entrada de investimento estrangeiro em renda fixa

Mantega nega que governo persiga um patamar para o câmbio e diz que moeda é flutuante

BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO – Preocupado com a alta do dólar e seus efeitos sobre a inflação, o governo decidiu zerar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado nos investimentos estrangeiros em renda fixa. Um decreto reduzindo a alíquota do imposto dos atuais 6% para zero deve ser publicado hoje no Diário Oficial da União. A medida tem o potencial de atrair mais recursos para o mercado brasileiro e segurar a disparada da moeda americana, que atingiu a maior cotação dos últimos quatro anos na sexta-feira passada.

A decisão vai na contramão das restrições recentes impostas pelo governo para conter a entrada de dólares e evitar o efeito da chamada "tsunami monetária", classificada pela presidente Dilma Rousseff como ação perversa dos países desenvolvidos contra os emergentes.

O anúncio foi feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois de uma reunião com a presidente. Mantega afirmou que a desoneração se tornou possível porque, embora ainda haja grande liquidez no mercado internacional, o fluxo de capital para o Brasil está equilibrado:

— Estamos contando com um mercado mais regular, mais normal.

Medida não é para conter inflação, garante Mantega

O ministro negou que a medida tenha como objetivo conter a inflação, que está próxima do teto da meta fixada para o ano, de 6,5%. Quando o dólar sobe, dá mais competitividade à indústria nacional, mas encarece as importações e acaba tendo impacto sobre os preços.

— Não há nenhuma intenção de fazer política anti-inflacionária via câmbio. Nós já falamos isso e repetimos. Os instrumentos são aqueles que o Banco Central utilizou recentemente.

Na semana passada, a autoridade monetária elevou a Selic em 0,5 ponto percentual para 8% ao ano. A decisão foi tomada mesmo diante do fraco desempenho da economia, que cresceu apenas 0,6% no primeiro trimestre.

A inflação é um dos problemas que mais preocupam o Palácio do Planalto. Segundo técnicos, não conter os preços e melhorar as expectativas pode acabar prejudicando a presidente na disputa eleitoral de 2014. Por isso, o governo decidiu mexer no IOF mesmo assumindo o risco de agravar a situação já vulnerável da indústria nacional e das contas externas.

O governo passou a taxar a entrada de capital estrangeiro em renda fixa em outubro de 2009, quando o Brasil começou a receber uma enxurrada de dólares de investidores que ganhavam com as elevadas taxas de juros do país. A tributação não foi suficiente para conter o apetite dos estrangeiros e acabou sendo elevada para 4% e depois para 6% em outubro de 2010.

'Volatilidade não é boa para o mercado'

O governo também passou a tributar aplicações em renda variável e operações com derivativos. Só foram poupados os investimentos estrangeiros diretos, que são considerados positivos por serem destinados ao setor produtivo. A alíquota de 2% sobre renda variável foi suspensa em dezembro de 2011.

— O que nós estamos fazendo é caminhando para uma normalidade e para um câmbio flutuante com menor intervenção. O normal é que não existam obstáculos para entrada (de capital estrangeiro) nos diversos mercados brasileiros — afirmou o ministro, ressaltando, no entanto, que, caso haja excessos, o IOF pode voltar:

— Não acredito que haja de novo uma enxurrada de capital externo em aplicação de renda fixa. É claro que, se isso houver, nós sempre poderemos voltar com o IOF. Mas não me parece que esta seja a tendência e eu repito: acredito que o câmbio está mais bem comportado.

Para ele, o comportamento dos últimos dias foi uma exceção:

— O que o governo procura fazer é coibir excessos, para cima ou para baixo, porque a volatilidade não é boa para o mercado. Não é boa para os exportadores, para os importadores, para os investidores, que têm referências em dólar. Então, sempre que existir um excesso, a gente vai intervir — disse.

Retirada deve fazer cotação recuar para R$ 2,08

O mesmo sinal já havia sido dado no início da tarde de nesta terça-feira pelo diretor de Política Monetária do Banco Central, Aldo Mendes, ao participar de um seminário em Londres. Ele afirmou que o Brasil teria que conviver com uma taxa de câmbio mais fraca se a recente desvalorização do real estiver em linha com outras moedas, mas que o governo interviria em caso de alguma especulação. A declaração teve forte impacto no mercado de câmbio, que atingiu R$ 2,15 na máxima do dia, mas fechou em alta de 0,09% a R$ 2,129.

Para Jorge Knauer, gestor da Appia Capital, a retirada do IOF deve derrubar a cotação do dólar em algo como cinco centavos, dos atuais R$ 2,13 para R$ 2,08.

— O investidor estrangeiro levava três anos apenas para recuperar o dinheiro que perdia quando pagava 6% de IOF. Essa medida vai injetar dólar na veia — disse.

No mercado, a retirada do imposto foi vista como uma saída para o câmbio, já que as intervenções do BC tinham efeito limitado. Luiz Eduardo Portella, gestor da Modal Asset, diz que o fim do IOF na renda fixa mostra a preocupação do governo com a inflação e com o déficit em transações correntes, que superou 3% do PIB no acumulado de 12 meses até abril pela primeira vez em uma década.

— O ambiente internacional caminha para um período de menor liquidez, com a perspectiva de redução do programa de recompra de títulos pelo Fed. Isso significa menos dinheiro em circulação, menos dinheiro para emergentes e para o Brasil — explica Portella, para quem o dólar pode recuar para algo entre R$ 2,07 e R$ 2,08. ( Colaborou Clarice Spitz )