Economia

O desafio de empreender nas áreas pacificadas

Em seminário, especialistas discutem impacto da educação e da formalização nos negócios
Seminários Oportunidades no Rio - Cidadania Empresarial e as UPPs. Coronel Frederico Caldas, Cristina Alves, Marcelo Côtes Neri, Eduarda La Roque, Manoel Tedim e Cezar Vasquez. Foto: Simone Marinho / Agência O Globo
Seminários Oportunidades no Rio - Cidadania Empresarial e as UPPs. Coronel Frederico Caldas, Cristina Alves, Marcelo Côtes Neri, Eduarda La Roque, Manoel Tedim e Cezar Vasquez. Foto: Simone Marinho / Agência O Globo

RIO - Um em cada cinco microempreendedores das comunidades pacificadas do Rio é considerado analfabeto funcional, ou seja, não terminou quarta série do ensino fundamental e apenas 9% possuem um CNPJ, contra 20% que possuem registro para empresa em outras áreas da região metropolitana da cidade. Quando se considera apenas o grupo de empregadores, a diferença fica ainda maior, 28% dos microempresários das comunidades têm CNPJ, contra 70% no restante da capital. Já a parcela dos microempreendedores nas favelas que não contribuem para a Previdência chega a 70%, índice semelhante ao da média da região metropolitana (67%).

Os dados fazem parte de estudo sobre os microempreendedores das favelas pacificadas do Rio, apresentado pela pesquisadora Rosana Fontes, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) durante o Seminário Oportunidades do Rio, realizado pelo GLOBO, em parceria com o Sebrae-RJ e apoio do Iets. A pesquisa também mostra que 47% deles já pensaram em se formalizar, mas apontam a falta de informação como o principal motivo para permanecer na informalidade.

- Há uma escolaridade mais baixa entre os empreendedores das comunidades. Mais da metade não completou nem o ensino fundamental, impondo limites à produtividade e ao acesso a serviços produtivos- disse Adriana, durante o 5º encontro do Seminário, que teve como tema “Cidadania Empresarial e as UPPs”. O encontro foi mediado por Cristina Alves, editora de Economia do GLOBO.

O estudo mostra ainda que a renda dos microempreendedores das favelas (R$ 709) é praticamente a metade obtida pelos das outras regiões da cidade. Da mesma forma, a renda média geral de todos os trabalhadores das comunidades pesquisadas (R$ 1.137) também é inferior à da região metropolitana (R$ 1.916).

- Nos níveis de escolaridade mais baixos não há grande diferença de renda entre a favela e a não favela. Isso passa a ser mais relevante para quem tem o ensino médio completo e ensino superior. Umas das explicações é a qualidade da educação, que é menor nas favelas - avaliou a pesquisadora do Iets.

Coordenador geral das UPPs, o coronel Frederico Caldas, disse que o principal resultado da pacificação foi o resgate da esperança do carioca, que havia se perdido, e destacou efeitos como a melhora do desempenho escolar das crianças, que não ficam mais sem aulas por causa de escolas fechadas por guerras de traficantes. Mas ponderou que a pacificação não resolve todos os problemas.

- A UPP não é uma franquia, um modelo que chega e diz: agora tudo vai funcionar assim. É como confiança, é uma conquista do dia a dia e há muito desgaste. Não quer dizer que instalou a UPP na comunidade e está tudo resolvido - disse o coronel.

Para Cezar Vasquez, diretor, superintendente do Sebrae-RJ, do ponto de vista dos negócios, o grande efeito da pacificação das favelas gerar um ganho de mercado, na medida em que possibilitou o acesso a regiões antes isoladas no meio da cidade.

- A pacificação permitiu ao Sebrae entrar em lugares do Rio do que Janeiro, fazer coisas que tinhas como missão e antes simplesmente não conseguia fazer. Não dá para medir o quanto isso foi importante. Essa mudança de ambiente fez com que o microempreendedor passasse a buscar mais formalização, mais acesso a crédito e maior capacitação.

Um outro estudo apresentado pelo ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, mostrou que número de microempreendedores e trabalhadores por conta própria caiu na última década, mas o lucro gerado por essas atividades aumentou, principalmente entre os mais pobres. Em 2000, eles representavam 26% da população ativa do país e em 2010, a parcela baixou para 23%. Os ganhos cresceram 24% nos últimos dez anos para quem está no topo pirâmide salarial e 46% entre aqueles de menor renda.

- O número de negócios está reduzindo, mas eles estão ficando melhores. Cai a ocupação, mas o ganho aumenta bastante, com crescimento forte na base. O lucro de um empresário sem instrução é um quarto do obtido pelo que tem melhor formação, só que o lucro dos sem instrução cresceu 29% a mais na década. Ter menos empresários não é necessariamente ruim, se são menos ganhando mais e os outros conseguiram emprego com carteira assinada - disse Neri.

Manuel Thedim, diretor do Iets, enfatizou que a melhoria da vida, não só dos donos do pequenos negócios, mas da comunidade como um todo passa pelo investimento em qualidade de educação.

- O retorno na educação na favela é muito melhor do que o retorno da educação fora da favela. É claro que tem a fuga do topo, que tem mais educação tende a ganhar mais e sair da comunidade, mas ainda assim o retorno é alto. O que á UPP mais deu para essa garotada foi a possibilidade de circulação, de receber gente de fora em casa.

Para Eduarda La Rocque, presidente do Instituto Pereira Passos, os grandes desafios a serem vencidos, sobretudo a respeito dos jovens das comunidades que nem trabalham, nem estudam e nem procuram emprego (os chamados “nem-nem-nem”), exigem redes para produção de informações e ações.

- A gente tem que buscar soluções inovadoras. Menos instituições e mais associações.