Bernie Ecclestone
anunciou, nesta quinta-feira, que o GP da Alemanha deste ano, décimo
do calendário, dia 19 de julho, será disputado no Circuito de
Hockenheim. Originalmente a prova seria realizada no Circuito de
Nurburgring, em respeito ao acordo de alternância entre uma e outra
pista, já que a edição de 2014 foi em
Hockenheim.
Provavelmente por
causa de problemas financeiros, os novos proprietários de
Nurburgring não poderiam investir o necessário para garantir o
evento. Dentre as maiores dificuldades de todos promotores de GP está
pagar a desafiante taxa cobrada por Ecclestone, a temida Promoter
Fee.
Quando o dirigente
inglês começou a se envolver com a F-1, em 1970, como empresário do
piloto austríaco Jochen Rindt, os promotores de GP negociavam equipe
a equipe o valor a lhes ser pago para participar das corridas. No
livro “No Angel”, de Tom Bower, uma espécie de biografia de
Ecclestone, o homem que comanda a F-1 explica que foi por conta de ver
os times, em especial os ingleses, em situação econômica difícil,
por receberem quanto os promotores bem entendiam, que decidiu tomar a
iniciativa de ser um líder dos interesses da F-1. Daí surgiu a
Formula One Constructors Association, Foca, no fim de 1972.
Unidas, escuderias
como Lotus, McLaren, Brabham, do próprio Ecclestone, Tyrrell, March,
teriam maior poder de barganha. “Elas mal recebiam para pagar as
despesas de viagem”, afirma o inglês. Já equipes como Ferrari,
Matra, Alfa Romeo, pertencentes a montadoras, além de estáveis
financeiramente, recebiam mais dos promotores e eram politicamente
aliados da Fisa, braço esportivo da FIA, inimiga da Foca.
Desde então
Ecclestone nutre esse ressentimento com os promotores de GP. O
diretor executivo da F-1 tem hoje 84 anos. O que antes era algo que
não pesava no orçamento das despesas para promover um GP, hoje
representa o seu maior custo. A união das equipes fez com que
Ecclestone revertesse o jogo: se os promotores desejassem organizar
uma etapa do Mundial teriam de pagar o que as equipes, através de
Ecclestone, exigiam.
Ao longo dos anos, a
mudança foi tão grande que atualmente nada menos de 12 das 20
provas do calendário são promovidas pelos governos dos países que
estão no calendário. Os recursos vêm de empresas estatais. Há
apenas oito promotores privados que, com certeza, fazem esforços
enormes para poder pagar o cobrado pela Formula One Management (FOM),
dirigida por Ecclestone - a Foca não mais existe, e ainda ter um
pequeno lucro.
A substituição do
local da corrida na Alemanha, este ano, de Nurburgring para
Hockenheim, é uma consequência direta dessa revisão conceitual que
a F-1 experimenta nas últimas décadas. Do fim dos anos 90 para cá,
o perfil do promotor mudou bastante.
Plataforma de
negócios
Que interesse tem um
país em fazer um investimento elevado para fazer parte do campeonato
da F-1? Não se trata apenas de pagar a taxa do promotor, mas
construir um autódromo de alto nível, por exemplo. Resposta: não é
apenas para a satisfação de seus cidadãos. E não é mesmo. Os
governos utilizam a F-1 como plataforma para se expor no mundo dos
negócios. A F-1 atinge todos os continentes, são 600 milhões de
telespectadores por ano. É algo bastante representativo.
Num mundo de
economia cada vez mais globalizada, demonstrar capacidade para
receber e organizar com sucesso uma etapa do sofisticado Mundial de
F-1 é um excelente cartão de visita aos interessados em investir. Os
mais recentes no campeonato representam mercados emergentes. Em
outras palavras, a F-1 passou a ser usada por nações para se
apresentarem ao mundo.
Curiosamente, até
mesmo países que até há pouco mais de 20 anos adotavam severos
regimes totalitários, ou mantinham suas fronteiras completamente
fechadas para a cultura ocidental, enxergam hoje a F-1, expressão
máxima do capitalismo, dessa forma. Agora visam a se inserir no
universo dos negócios globalizados e mostram-se sensíveis aos
valores cultivados pelo ocidente. A Rússia é o melhor exemplo,
estreante na F-1 no ano passado. Já haviam aderido a essa estratégia
a Hungria, ainda em 1986.
Mais: a Malásia,
desde 1999, os árabes, com Bahrein, 2004, Abu Dabi, 2009, China,
2004, Índia, 2011 a 2013, Coreia, 2010 a 2013, e Cingapura, desde
2008. A partir deste ano volta o México e em 2016 haverá a estreia
de outra nação que procura a todo custo mostrar ao mundo que existe
e dispõe de imensos recursos naturais: Azerbaijão. Uma etapa da F-1
será disputada nas ruas de Baku, sua capital.
Como brilhante homem
de negócios que é, Ecclestone enxergou nesse interesse dos governos
em promover seus países através da F-1 uma forma de gerar ainda
maior receita. Do começo dos anos 70, quando as transmissões das
corridas pela TV começaram, até o início dos anos 2000, a venda de
direitos de TV foi a principal fonte de arrecadação da F-1.
Mas a história
começou a mudar com a revisão no perfil dos promotores. Ecclestone
passou a cobrar muito mais. Um governo pode pagar valores bem mais
elevados que um promotor privado. Apesar do caráter de
confidencialidade entre a FOM e os promotores, esses valores são
mais ou menos conhecidos pela maioria no paddock, ainda que não
sejam oficiais.
Países europeus,
continente das nove equipes hoje, pagam para promover cada edição
do seu GP cerca de US$ 18 milhões (R$ 48,6 milhões). Mônaco, pelo
interesse da F-1, menos, US$ 12 milhões (R$ 32,4 milhões). Assim
como os norte-americanos, por ser o maior mercado de várias empresas
que investem na F-1. Estima-se que os organizadores da prova em
Austin, no Texas, paguem o mesmo de Mônaco.
Governos pagam bem
mais
Mas para quem passou
a fazer parte do calendário mais tarde e Ecclestone identificou o
uso da F1 com uma plataforma comercial, a história muda. E bastante.
Bahrein, Abu Dabi, China, Cingapura, Rússia não enviam para a conta
da FOM menos de US$ 40 milhões (R$ 108 milhões) todo ano. O mesmo
que pagará o Azerbaijão. Acredita-se que o México não chegue a
tanto. Por fazer parte do campeonato desde 1973, o Brasil deve
recolher para a FOM pouco mais dos europeus.
Um dado demonstra
bem no que se transformou a Promoter Fee da F-1: enquanto em 2014 a
FOM recebeu algo como US$ 410 milhões (R$ 1,107 bilhão),
proveniente da venda de direitos de TV, o arrecadado com o pagamento
da taxa dos promotores chegou a US$ 490 milhões (R$ 1,323 bilhão).
Todo esse dinheiro
vai para o caixa da FOM, junto de outras fontes de receita, como a
exploração comercial dos espaços publicitários nos autódromos,
venda das áreas VIP, e depois distribuído entre os donos dos
direitos comerciais, a empresa de capital inglês CVC, as equipes, a
FIA, além de custear as despesas do Formula One Group, a quem a FOM
pertence.
Existe uma certa
revolta dos promotores privados contra Ecclestone por o dirigente
exigir valores da Promoter Fee, na hora de renovar os contratos, que
só poderiam ser cumpridos pelos governos de nações.
Se o GP dá ou não
lucro, para os governos pouco importa, pois capitalizam com a
propaganda que a F-1 fará de seus países, por quatro dias, de
quinta-feira a domingo. Não existe vitrine melhor para se expor.
Além do imenso universo que a F-1 atinge, essas nações se veem
associadas a esporte, alta tecnologia, velocidade, lastro financeiro
para sustentar o evento, enfim, agrega valores nobres.
“Estamos muito
satisfeitos com o que a F-1 nos proporciona. Já iniciamos as
conversas para a extensão do nosso contrato”, afirmou ao hoje
repórter do GloboEsporte.com, em 2013, Muhamed al Khalifa, um dos
responsáveis pela introdução do GP de Bahrein no calendário.
Os detalhes do
porquê Nurburgring não receberá o GP da Alemanha, dia 19 de julho,
são desconhecidos. Mas diante do fato de Ecclestone ser irredutível
na cobrança dos valores acordados em contrato, quem apostar na
impossibilidade de os promotores pagarem a elevada taxa e bancar as
despesas de organização tem chances enormes de acertar.
A F-1 está se
tornando um evento voltado não apenas para a TV como também para
nações com o perfil de parte significativa das que hoje fazem parte
no calendário. Com isso, corridas tradicionais, como as de Monza,
Silverstone, Montreal, Spa-Francorchamps, organizadas por empresas
privadas e não ligadas a governos, fazem de tudo para se manter no
campeonato. Por vezes, desprezando até mesmo ter lucro. Para a F-1
como empresa, essas provas clássicas, apesar da tradição,
contribuem bem menos financeiramente, daí sua “importância
relativa”.