Economia

Agravamento da crise deve travar ofertas de ações na Bovespa até o fim do ano

Tendência de novas elevações dos juros brasileiros também desestimula operações

SÃO PAULO - Se até julho as ofertas de ações no mercado brasileiro cresceram 80,6% em relação ao mesmo período do ano passado, o cenário econômico para os próximos meses não parece tão animador. Especialistas acreditam que o segundo semestre pode ser decepcionante e se nenhuma abertura de capital acontecer não será nenhuma surpresa. Duas grandes empresas, que fariam lançamento de ações na Bolsa de Valores — a Votorantim Cimentos e a companhia aérea Azul — já cancelaram suas operações. Previsão de crescimento de apenas 2,5% para a economia brasileira, tendência de alta dos juros (o Banco Central anuncia hoje a nova taxa básica de juros do país) e saída de investidores de mercados emergentes, como o Brasil, são as razões apontadas por eles para o travamento dessas operações. O IPO da Votorantim Cimentos, por exemplo, poderia chegar a R$ 10 bilhões.

— O cenário ficou muito ruim. Economia crescendo pouco, inflação em alta, dólar disparando. Tudo isso está levando as empresas a adiarem suas ofertas de ações. Se as empresas grandes, como Votorantim e Azul já desistiram, para as companhias menores há menos espaço ainda para fazerem suas ofertas. Nenhuma empresa quer correr o risco de abrir seu capital e ver suas ações derreterem na Bovespa. No cenário atual, há chance muito rápida de a empresa ficar menor do que entrou em termos patrimoniais — diz Luiz Marcatti, sócio da consultoria Mesa Corporate Governance, especializada em mercado de capitais.

Eleições também elevam incertezas

Para o advogado Paulo Lucena de Menezes, presidente da Comissão de Mercado de Capitais e Governança Corporativa da Ordem dos Advogados do Brasl, em São Paulo, o cenário é pessimista tanto para IPOs quanto para investimentos de empresas nacionais e internacionais instaladas no país.

— É difícil fazer qualquer previsão, mas, na minha avaliação, os R$ 15 bilhões captados com ações do primeiro semestre dificilmente vão se repetir. As manifestações nas ruas, que se intensificaram a partir de junho passado, foram um fator de desestabilização do cenário político. O investidor busca o retorno e faz uma análise de risco para isso. Neste momento, o risco de investir aqui está difícil de ser mensurado — diz Menezes.

Lucena de Menezes lembra que, além das manifestações, a eleição presidencial, traz incerteza ao cenário político, o que também reduz o apetite das empresas para fazerem ofertas de ações.

— O cenário político no curto prazo também é desconhecido — afirma ele.

Marcatti, da mesa Corporate, lembra que os IPOs no Brasil dependem muito do capital externo. Nas ofertas de ações este ano, os estrangeiros foram responsáveis por 57,3% de participação, ou seja, foram majoritários. Com a expectativa de que os EUA reduzam os estímulos à economia, e os juros subam por lá, o capital externo já começou a migrar dos países emergentes.

— E, quando esse dinheiro voltar, a maior parte pode ir para a renda fixa, já que a expectativa é que o Banco Central aumente os juros para conter a inflação. Se o cenário ruim da Bovespa persistir, a renda fixa vai remunerar melhor — diz Marcatti.

Marcatti estima que os R$ 15,8 bilhões captados com emissões de ações primárias e subsequentes nos sete primeiros meses do ano, não devem se repetir. Foram 12 operações, sete IPOs e cinco operações subsequentes, contra 13 em 2012 (três IPOs). Só a captação da BB Seguridades arrecadou em abril R$ 11,4 bilhões. Com esse impulso da BB Seguridade, em 2013, o total captado já superou o total do ano passado, que chegou a R$ 14,3 bilhões. O IPO da BB Seguridade foi o maior do mundo, desde a oferta da Japan Airlines em setembro passado, e o maior do Brasil desde a oferta do Santander Brasil, em outubro de 2009.

— O IPO da BB Seguridade puxou o número do primeiro semestre. Até agora, as duas grandes (Votorantim e Azul) que iam oferecer ações, desistiram. Se não tivermos nenhuma operação desse tipo no segundo semestre, não será uma surpresa. Podemos ter alguma operação pequena de follow on (oferta de ações de empresas que já têm capital aberto na Bolsa) — diz Marcatti.

Tanto a Votorantim quando a Azul divulgaram que o cenário atual não é favorável para a abertura de capital, mas que continuarão analisando as condições econômicas até decidirem pelo melhor momento. No caso da Azul, a alta do dólar este ano também pesou, já que a maior parte dos custos da empresa é feita em moeda estrangeira. As demais companhias aéreas, como Gol e TAM, também sentiram o peso do dólar em seus balanços do segundo trimestre. Elas pleiteiam uma ajuda junto ao governo federal para reduzir custos sem ter que demitir ainda mais ou cortar voos na malha doméstica.

— As empresas estão procurando o mercado de dívida (debêntures, bônus, bonds) para se financiar e manter seus investimentos. Emitir papéis de dívida pode pesar um pouco mais no caixa da empresa, mas é menos arriscado do que ofertar ações neste momento — diz ele.