Política Protestos no Brasil

Pulverização de protestos toma conta do Facebook

Grupos chegam a ‘clonar’ página do Movimento Passe Livre para defender bandeiras opostas

Manifestantes marcam protestos pelas redes sociais
Foto: Eliária Andrade / O Globo
Manifestantes marcam protestos pelas redes sociais Foto: Eliária Andrade / O Globo

RIO - A pulverização de manifestações e reivindicações marca a atual fase dos protestos que tomaram as ruas do país nas últimas semanas. Pelas redes sociais, grupos aproveitam a mobilização iniciada pelo Movimento Passe Livre (MPL) para colocar em evidência suas agendas políticas. Em alguns casos, há até quem tente pegar carona no sucesso do MPL criando, no Facebook e no Twitter, páginas clonadas que propagam bandeiras opostas às reivindicações surgidas inicialmente com o MPL. Estas novas páginas se apropriam das mesmas fotos de identificação, e, quando não utilizam o mesmo nome, se apresentam com nomes similares.

Um reflexo dessa pulverização é o surgimento de páginas falsas na internet. Nas últimas semanas, por exemplo, foram criadas seis novas páginas no Facebook que se identificam como Movimento Passe Livre São Paulo. A metade delas exibe o avatar e a foto de capa utilizados pelo perfil original do movimento, criado ainda em junho de 2011.

Os perfis falsos alternam suas publicações com posts publicados pela página original do movimento, e mensagens que fogem à pauta do MPL, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a greve geral convocada por Felipe Chamone. O mesmo é visto com a conta da organização no Twiiter.

Caso similar acontece com duas páginas criadas para convocarem as manifestações de Brasília. Uma, com 41 mil seguidores, posta, sobretudo, fotos de manifestantes exibindo cartazes com dizeres contra a corrupção, contra os gastos abusivos com a Copa e com a má qualidade de serviços públicos. A outra, com 15 mil seguidores, posta mensagens conclamando a queda do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), conhecido pela defesa dos direitos LGBT, e pede, em contrapartida, apoio ao deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).

Na última sexta-feira, o Anonymous Brasil negou a autoria de um vídeo que atribuía ao grupo a criação de cinco causas a serem defendidas gradativamente ao longo das manifestações.

O especialista em redes sociais e criador da Escola de Redes, Augusto de Franco, explica que esses fatos são naturais:

— Da mesma forma que, em uma praça pública, todos querem defender suas posições, isso acontece na internet. Os movimentos que defendem ideia opostas das inicialmente difundidas se apropriam da identidade do outro para aproveitar um lugar onde possam ser vistos por muita gente. É natural. Não vejo esses fatos como uma tomada da direita extremista, como alguns disseram — explica.

O surgimento desses perfis falsos, porém, não tem a menor importância, segundo Augusto de Franco. Para o especialista, a partir do estopim, as convocações deixaram de ser centralizadas, ocasionando um fenômeno que ele chama de swarming , ou enxameamento da população.

— No passado, havia assembleísmo, recrutamento para organizações hierárquicas, militantes obedientes às suas direções que atuavam como agentes no meio da massa para conduzi-la. Agora não temos rebanhos. Temos interativismo, no qual cada pessoa comparece nos seus próprios termos e desobedece aos que querem mandá-la, compondo uma espécie de sistema nervoso fractal de imensas multidões. E temos a formação de um fenômeno chamado de enxameamento da população, ou swarming , que acontece quando distintos grupos e tendências, não coordenados explicitamente entre si, vão aumentando o alcance e a virulência de suas ações. E isso é bom, porque distribui a energia transformadora pela sociedade — analisa.

‘Greve geral’ tem 700 mil adesões

Mesmo sem precisar recorrer a truques, outros grupos ganharam ou até mesmo perfis individuais ganharam adesão em massa, pegando carona no estopim social deflagrado pelas passeatas organizadas pelo MPL. Só no sábado, em mais de cem cidades, moradores foram às ruas com bandeiras como o combate à corrupção, exigindo investimentos em Saúde e maior fiscalização nos gastos da Copa do Mundo.

Nem sempre a convocação para atos nas redes sociais é de fato uma representação política de uma minoria ou grupo. Na semana passada, cresceu o compartilhamento do evento Greve Geral, que chegou no domingo a mais de 700 mil pessoas confirmando presença pelo Facebook. Seu criador é o músico Felipe Chamone. Cantor de rap e produtor de shows.

— Não tinha a dimensão que o evento ia tomar. Quis participar da mobilização pelo Facebook e criei um evento — afirmou o cantor, deixando claro que não tem carteira assinada e admitindo que não tinha noção da proporção que seu ato tomaria nas redes.

Na mesma velocidade em que conseguiu adeptos a seu evento, Chamone conseguiu manifestações contrárias à sua conduta. Desde sexta-feira, centenas de perfis passaram a publicar mensagens alertando que o organizador da greve seria um policial, defensor da ditadura e do armamento civil. Ele nega que seja da polícia. Admite que gosta de armas, mas afirma que não está ligado a movimentos políticos, apesar de ter curtido uma página no Facebook do Partido de Segurança Pública e Cidadania. Ele afirma ainda que criou o ato para ser mais um na mobilização virtual, sem articulação com sindicatos ou outras entidades civis organizadas.