Economia

No rastro das multinacionais, estrangeiros criam ‘Torre de Babel’

Projetos de multinacionais atraem funcionários de Japão, China, Coreia, França e Alemanha à região

Zhang Zhuxin, ao centro, acompanha a partida de ping e pong dos colegas que trabalham em projeto da CSN, em Volta Redonda
Foto: FOTO: Pedro Kirilos
Zhang Zhuxin, ao centro, acompanha a partida de ping e pong dos colegas que trabalham em projeto da CSN, em Volta Redonda Foto: FOTO: Pedro Kirilos

RESENDE, ITATIAIA e VOLTA REDONDA (RJ) — No embalo dos grandes projetos de indústrias e montadoras multinacionais, que envolvem investimentos de mais de R$ 12 bilhões, o Sul Fluminense recebeu nos últimos anos uma legião de trabalhadores estrangeiros que começa a fazer da região uma verdadeira “Torre de Babel”, com uma profusão de culturas e idiomas. São desde os regrados engenheiros chineses ligados à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com suas partidas de ping e pong e futebol em Volta Redonda, aos mais de cem japoneses da Nissan, que constroem uma fábrica em Resende e atraíram um restaurante tradicional japonês para a cidade. Ou ainda os introvertidos e calorentos coreanos da Hyundai Heavy Industries, em Itatiaia. Com mais tempo de região, os franceses da PSA Peugeot Citroën e os alemães da MAN Latin American impressionam pela capacidade de aprender o português rapidamente e de se integrarem à cultura local, seja para fazer churrasco no fim de semana, comer diariamente arroz com feijão ou de gostar de músicas como... pagode.

O francês Norbert Faure, gerente de produtos na PSA Peugeot Citroën, chegou ao Brasil em 2007 com a missão de treinar funcionários da empresa, em Porto Real. O plano era ficar seis meses, mas, em pouco tempo, conheceu a brasileira Rheysla. No começo, se comunicavam como mímicos e com ajuda de dicionários, ele lembra. O tempo passou, se apaixonaram e casaram. Em agosto, Norbert vai a Sochaux, sua cidade natal e também da Peugeot, na fronteira com a Alemanha, levar pela primeira vez o filho Theo, de 18 meses, para finalmente conhecer os avós.

— Quando se vive com locais, você aprende rápido. No começo eu detestava feijão. Hoje, como feijão todos os dias. De música, também passei a conhecer muita coisa. Gosto de pagode, como Revelação, Thiaguinho — diz Norbert, morador de Penedo, em português correto, mas carregado de sotaque. — Eu aprendi muito da língua vendo novela. O vocabulário é bastante rico e você vê as expressões.

Já o alemão Alexander Vrecko, de 35 anos, gerente da MAN Latin America, aprendeu a falar português com apenas nove meses no Brasil. Ele diz que aprendeu com colegas gaúchos de departamento a fazer churrasco. Os amigos brincam que seu filho de dois anos, que adora arroz-feijão-banana, vai “passar fome” se um dia retornar a Munique, sua cidade na Alemanha.

— Eles não sabem, mas minha mulher já aprendeu a cozinhar arroz e feijão — gaba-se.

Assim como os estrangeiros se adaptam à vida local, o comércio e os serviços se adaptam à cultura de fora. Em Volta Redonda, 40 chineses que trabalham na CISDI, fornecedora de tecnologia para o projeto de aços longos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), levaram o Hotel Escola Bela Vista, da Fundação CSN, a promover mudanças. No cardápio do café da manhã entrou a canja de galinha, a pedido deles. No quarto, TV a cabo com canal chinês. O grupo têm rotinas que cumprem à risca, como assumir a cozinha do hotel a cada 15 dias para fazer pratos tradicionais ou jogar futebol e ping e pong no hotel, sempre às 18h em ponto.

Tang Xueqi, de 48 anos, gerente de projetos na CISDI, se diz adaptado ao modo de vida brasileiro, após quatro anos no país, somando as idas e vindas. Sente falta da família, que deixou em Chongqing, uma cidade às margens do rio Yangtzé, com quem mantém contato diário pela internet. O futebol é um dos passatempos dele. No primeiro jogo contra os colegas brasileiros, os chineses acabaram derrotados por 30 a 1.

— Mas já estamos no nível dos brasileiros. No último jogo, a derrota foi menor, perdemos de 16 a 1 — conta Xueqi, com expressão séria.

Ipad vira ferramenta de comunicação

A chinesa Zhang Zhuxin, de 29 anos, uma das poucas mulheres do grupo, diz que os brasileiros são amigáveis, mas ainda acha estranho homens e mulheres se cumprimentarem com beijos:

— Na China, as pessoas apertam a mão.

Os chineses, atualmente são 40 pela CSN em Volta Redonda, devem chegar a cem nos próximos meses, no ápice de instalação do projeto de aços longos. São engenheiros e supervisores altamente especializados na tecnologia, sem equivalente nacional, segundo a empresa.

— Eles não falam português, e a maioria nem inglês. Temos uma intérprete para nós ajudar, que vem frequentemente. Quando ela não está, eles escrevem o que querem no iPad, traduzem no Google e mostram para a gente — relata o gerente de hotelaria Jacques Brunswick.

Mas a dificuldade com o idioma foi um problema para Wu Ming, de 50 anos, engenheiro especializado em ventilação. Assaltado em Volta Redonda, Wu tentou prestar queixa na delegacia, mas ninguém entendia o que ele dizia. Retornou no dia seguinte, com um intérprete.

— Fico inseguro agora no Brasil — disse Wu.

Novos hospitais, hotéis, voos regionais

A 50 quilômetros dali, em Resende, a japonesa Kanako Takeda, de 33 anos, de salto alto preto e terno executivo, desvia elegantemente das poças de lama que cercam a área externa dos escritórios da Nissan, no local onde a empresa instala sua fábrica de R$ 2,6 bilhões, com previsão de inauguração no próximo ano. Kanako foi a segunda funcionária da montadora a desembarcar no Sul Fluminense para o projeto da fábrica. Hoje, são 90 japoneses fixos na região (que ficam por mais de seis meses), além de outras dezenas que passam períodos curtos. Calcula-se em 140 o total de japoneses na região.

— Quando cheguei, sozinha, uma mulher estrangeira, todos ficaram preocupados. Os brasileiros me chamaram para jantar com suas famílias, para ir a festas e mesmo a blocos de carnaval. Mesmo com a chegada de outros japoneses, tenho aqui mais amigos brasileiros — diz Kanako, nascida em Yokohama, que se comunica com os brasileiros em inglês. — No Japão, as cidades são mais organizadas. Mas é uma rotina estressante. Aqui, tem toda essa natureza.

Um dos lugares preferidos dos japoneses em Resende é o restaurante do chef Paulo Shigueru, de pratos tradicionais japoneses. Paulo, que nasceu em São Paulo, foi incentivado pela Nissan a abrir o restaurante há nove meses. Ele explica que em seu antigo restaurante, em Curitiba, frequentado por funcionários da Nissan de São José dos Pinhais (PR), não havia sashimi e sushi.

— Os japoneses não comem apenas peixe cru. Eu sirvo pratos do dia a dia dos japoneses, e não apenas comida de festa, como sushi. São pratos que muitos brasileiros nunca viram na vida — diz Paulo, que morou dez anos no Japão.

Outros serviços surgem na região para atender a estrangeiros e executivos brasileiros mais exigentes que migram para a região. A Unimed construiu um hospital de ponta, de R$ 45 milhões. A Azul retomou voos regionais. O Ibis planeja um hotel de 140 quartos até 2016. Empresários locais também aproveitam o momento. Márcio Tufick, sócio do Espigão Palace Hotel, acelerou a construção de um hotel e alugou três andares a funcionários da Nissan. Os quartos foram adaptados para flats, com cozinha, e ele passou a importar comida japonesa para os novos hóspedes.

— Eles em geral são muito exigentes, e tive que me adaptar. Recebi muitas reclamações no começo e isso só acabou quando contratei uma intérprete e fiz um manual do hotel — explica Tufick.

Na “Torre de Babel” estão os sul-coreanos da Hyundai Heavy Industries. Eles são os menos integrados aos locais. Mas as histórias contadas por funcionários brasileiros se multiplicam, como a temperatura extremamente baixa do ar-condicionado imposta pelos coreanos. Em dias frios em Itatiaia, quando a temperatura fica abaixo de 10 graus, coreanos circulam de camiseta.

— Eles acham a comida muito salgada e a sobremesa, muito doce. Se você der um doce de leite, eles caem duros — brinca um funcionário.

Kim Won Tak, diretor da Hyundai em Itatiaia, diz que não tem tempo para esses contatos: chega a trabalhar das 8h às 21h na fábrica, que produz equipamentos pesados. E a barreira do idioma também não ajuda. Ele está preocupado agora, na verdade, com a educação dos filhos. Em Ulsan, cidade-sede da Hyundai, eles estudavam das 8h às 18h, ou às 19h. Os dois estão agora de férias em São Paulo e aproveitam para ir ao cinema com os amigos. Na Coreia, estariam, mesmo de férias, fazendo cursos obrigatórios no colégio.

— Meus filhos adoram a rotina, o que preocupa é se, na Coreia, vão se readaptar à carga horária da escola e às atividades — explica Kim.

Os colégios locais tentam atender aos filhos dos estrangeiros. O Anglo Americano oferece aulas complementares de português, diz a coordenadora de pedagogia Izilda Guedes.

— Mas os jovens se adaptam muito fácil.

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