Cultura Festival do Rio 2013

Novo 'Cidade de Deus' encerra o Festival do Rio com retrato da corrida do ouro no Brasil dos anos 1980

Com estreia marcada para o dia 18, 'Serra Pelada' fecha a programação de estreias da maratona cinéfila carioca em clima de bangue-bangue

Sophie Chalotte, Wagner Moura e Juliano Cazarré na exibição de ‘Serra Pelada’ no Festival do Rio
Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Sophie Chalotte, Wagner Moura e Juliano Cazarré na exibição de ‘Serra Pelada’ no Festival do Rio Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Ecos de “Scarface” (1983), o cult de Brian De Palma sobre a criminalidade na Miami dos anos 1980, espalharam-se pelo Cinépolis Lagoon na noite de quarta-feira na sessão de “Serra Pelada”, o faroeste vintage do pernambucano Heitor Dhalia escolhido para encerrar o Festival do Rio 2013. Com exibição em três salas (abarrotadas) do complexo da Lagoa, a produção é baseada na história do garimpo paraense que movimentou uma corrida do ouro no Brasil entre o fim da década de 1970 e o início da de 80. Realizador de longas premiados como “O cheiro do ralo” (2006), Dhalia recria o périplo aurífero da Região Norte do país a partir da saga de uma amizade (fraturada pela ganância) entre o ex-pugilista Juliano (Juliano Cazarré) e o ex-professor Joaquim (Julio Andrade), que deixam São Paulo para tentar a sorte no garimpo. A convivência entre ambos lembra a dos personagens vividos por Al Pacino e Steven Bauer em “Scarface” e, assim como ocorre no longa de De Palma, há uma descida no Inferno que corre em paralelo à ascensão dos personagens na estrutura de poder de uma localidade assombrada pela violência.

- Com padrão internacional, esse filme tem tudo para ser um novo “Cidade de Deus” lá fora”, pois é construído como os grandes filmes sobre máfia – elogiava o cineasta Renato Falcão, diretor de fotografia dos longas animados de Carlos Saldanha e demais sócios do Blue Sky Studios nos Estados Unidos. - É um “O poderoso chefão” brasileiro, com o acerto de ter retratado um tema gigante a partir de poucos personagens.

Idealizado como um western pós-moderno, usando as discussões sobre honra características dos bangue-bangues, “Serra Pelada” aproveitou o Festival do Rio como uma vitrine para sua estreia, marcada para o próximo dia 18. Embora seja um longa nacional, ele foi escalado fora da Première Brasil, que termina nesta quinta-feira com a entrega do troféu Redentor, tendo “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, e “O lobo atrás da porta”, de Fernando Coimbra, como seus favoritos. Mesmo fora de concurso, o filme de Dhalia saiu cercado de votos de futuros prêmios por parte do boca a boca popular dos espectadores do Cinépolis Lagoon.

- Esse filme faz a gente achar que está vendo um faroeste à moda antiga, ao som de carimbó. Tomara que vá para o Oscar, pois merece – elogiava o administrador de empresas Celso Grillo de Paula ao fim da projeção, encantado com o trabalho do elenco. - Esse Cazarré parece aqueles tipos durões dos filmes de Sam Peckinpah, meio Steve McQueen. Dá até medo.

No papel de Juliano, boxeador aposentado dos ringues destinado a ganhar fortuna no garimpo, Cazarré compõe seu personagem como um empreendedor que se deixa viciar pelo prazer de matar e de ampliar seu império pela força da bala. Seu perfil é similar a construído por Pacino na releitura do “Scarface” de Howard Hawks dos anos 1930, importando os gângsters da era da Lei Seca dos EUA para uma Flórida lotada por cubanos. O Pará de “Serra Pelada” também tem seus óvnis de outros estados, como o barão do ouro vivido por Matheus Nachtergaele e pelo matador metido a latifundiário de minas ouro Lindo Rico, encarnado por Wagner Moura, coprodutor do filme. Com uma maquiagem que lhe concede uma careca generosa, Moura arquiteta a figura de Lindo Rico como um antagonista pontuado pela ironia, similar ao sociopata Anton Chigurh, vivido por Javier Bardem em “Onde os fracos não têm vez” (2007), o oscarizado longa dos irmãos Joel e Ethan Coen com o qual Dhalia parece dialogar em vários momentos de seu bangue-bangue.

- Este meu filme tem muita referência dos Coen e também do Scorsese pela ironia no olhar para a máfia. Mas a principal referência que utilizei foram as imagens documentais de época de Serra Pelada – explicou Dhalia ao GLOBO. - Este filme é o meu encontro com o real, um megulho em um Brasil que está acabando.