Economia

A evolução da crise da dívida americana

Governo dos EUA está parado desde o início de outubro

WASHINGTON - Desde o início do mês, os EUA vivem uma paralisia dos serviços púbicos porque, apesar de ter dinheiro para mantê-los, é necessário ter autorização do Congresso para os gastos no início de um ano fiscal (em outubro). Com isso, estão fechados museus e parques nacionais, suspensas pesquisas espaciais e até atividades de estatística e atendimento médico não prioritário. Pontos turísticos, como a Estátua da Liberdade, foram fechados ou tiveram atividades parcialmente reduzidas.

A briga com os republicanos

O Partido Democrata, de Barack Obama, tem maioria no Senado. Mas, na Câmara, a maioria é dos republicanos, fortemente influenciados pela bancada conservadora, ligada ao movimento Tea Party, que discorda da reforma de saúde do presidente Obama, aprovada pelo Congresso e ratificada pela Suprema Corte. A lei, apelidada de Obamacare (Affordable Care Act), prevê obrigatoriedade de compra de seguro por todos os americanos e subsídios a famílias sem renda e a idosos. A Obamacare foi uma das raras promessas de campanha que Obama conseguiu concretizar. Os superconservadores, mesmo sem maioria na bancada, foram eficientes em convencer os líderes republicanos a atrelarem as discussões fiscais a mudanças no Obamacare, o que é veementemente rejeitado pelos democratas e a Casa Branca.

Negociação

Para tentar contornar a situação, republicanos preferem apresentar separadamente leis que liberam fundos para determinados programas, obrigando os democratas a escolher prioridades entre destinos tão diversos quanto nutrição infantil e parques nacionais. A estratégia obteve certo êxito, com os deputados democratas votando algumas dessas medidas, mas já foi abandonada.

Teto da dívida

Paralelamente a esse embate, os EUA veem se aproximar o limite de endividamento. Esse teto é de US$ 16,7 trilhões e será atingido nesta quinta-feira, dia 17. O país emite títulos de dívida para fazer frente a gastos diversos, como pagamento de pensionistas. Se o teto estourar e não houver aprovação do Congresso para elevá-lo, os EUA podem dar o calote e prejudicar cidadãos, fornecedores e detentores de títulos da dívida pública (hoje, principalmente, os chineses).

Diariamente, os EUA recolhem US$ 7 bilhões em receitas e têm gastos de US$ 10 bilhões. A diferença precisa ser financiada com a emissão de títulos de dívida do governo. Esses papéis são considerados as aplicações mais seguras do mundo.

Negociação

Com as pesquisas apontando um massacre dos republicanos pela opinião pública, desde o último dia 12 de outubro os partidos no Senado negociam uma proposta bipartidária. Por ela, o governo seria reaberto e teria autorização para gastar até 15 de janeiro; o teto da dívida seria elevado até dia 7 de fevereiro; e uma comissão negociadora seria estabelecida para formatar um plano fiscal de longo prazo, permitindo a aprovação de um orçamento, até dia 13 de dezembro.

Alterações menores no Obamacare poderiam ser feitas: avaliação mais rigorosa de comprovação de renda para efeito de elegibilidade para subísidos federais na compra de seguro de saúde e adiamento por um ano da cobrança de uma das taxas a serem recolhidas por empregadores.

Republicanos na Câmara consideram a proposta uma rendição à Casa Branca e querem ampliar as concessões no tópico Obamacare. Por exemplo, querem derrubar permanentemente o imposto sobre equipamentos médicos e limar o subsídio para seguro de saúde do presidente, do vice, dos congressistas e de funcionários em cargos comissionados no governo.

O Senado e a Casa Branca não aceitam estas demandas, o que deixa todos à espera do procedimento na Câmara. Os deputados deverão votar esta noite uma proposta, que seria enviada ao Senado, sem chances de passar, ampliando o impasse. Os senadores não programaram ainda votação nesta terça. A esperança é que o Senado feche um acordo e o aprove, e, com o relógio próximo da hora limite em que o Tesouro perderá capacidade de honrar integralmente seus compromissos, o presidente da Câmara, republicano John Boehner, se sinta pressionado a colocar o projeto diretamente em plenário, sem espaço para emenda. Acredita-se que, unidos, todos os democratas e os dissidentes moderados entre os republicanos tenham maioria para aprovar a lei, reabrindo o governo e elevando o teto da dívida.

O próximo passo pós-calote

Se não houver acordo e o impasse continuar além do dia 17, o calendário do Tesouro aperta. Até o dia 22, os EUA conseguirão estebelecer prioridades, empurrar vencimentos e ir fechando as contas com o dinheiro que entra no caixa. A partir do dia 23, as coisas se complicam e o calote se configura. Neste dia, o país tem US$ 12 bilhões em pagamentos programados da Seguridade Social. No dia 31, a obrigação é com os detentores de títulos de dívida: o país tem de pagar US$ 6 bilhões em juros. Se não tiver recursos para honrar o débito, os EUA dariam o primeiro calote de sua história no mercado. No dia 1º de novembro, o governo tem de pagar aposentados, militares e servidores públicos, numa conta de US$ 60 bilhões.

O que cada um quer

Os republicanos querem cortes em programas sociais e mudanças na política econômica para aumentar o teto da dívida – mas não apresentaram plano detalhado. Na verdade, o que querem passar junto com a autorização de endividamento é mudança no Obamacare. Enquanto isso, eles e o presidente Obama trocam acusações de que há intransigência de ambas as partes. Obama reafirma que permitir o encerramento da paralisação e a elevação do teto da dívida não são questões negociáveis, e sim obrigação dos parlamentares.

O secretário do Tesouro, Jacob J. Lew, reafirmou que só negociará depois que o limite de endividamento for elevado e ao menos parte dos serviços sejam retomados.

Uma batalha similar aconteceu em 2011. Na ocasião, a agência de avaliação de crédito Standard & Poor’s baixou a nota dos EUA pela primeira vez, abalando a confiança dos mercados.

Uma batalha histórica

Embora “teto da dívida” sugira austeridade, a norma foi criada, em 1917, para facilitar o financiamento do governo na Primeira Guerra Mundial, com emissão de títulos de diversas categorias, sem aprovação do Congresso para cada uma delas. Antes, os parlamentares aprovavam cada emissão separadamente – foi assim, por exemplo, no desembolso pelo Canal do Panamá. Com a Segunda Guerra se iniciando, em 1939, o Congresso criou o primeiro limite de débito agregado, que foi elevado sem problemas até 1953, quando o Senado bloqueou o aumento, contrariando o presidente republicano Dwight Eisenhower, que queria construir um sistema férreo nacional.

Consequências

Com os EUA em dificuldades e diante da ameaça de calote, os mercados (bolsas) sofrem fortes oscilações e a tendência é uma desvalorização do dólar frente a outras moedas. Num primeiro momento, países como o Brasil poderiam ser favorecidos porque os juros aqui estão altos e muitos investidores, diante da incerteza, poderiam trazer para cá seus dólares e aplicar. No entanto, logo depois as reações são imprevisíveis porque a agitação dos mercados pode levar a um pânico dos investidores e paralisar negócios mundo afora.