Economia Defesa do Consumidor

Elano Figueiredo, diretor da ANS, renuncia a mandato após denúncias de ligação com planos de saúde

Em carta à presidente Dilma, ele diz que a continuidade de seu mandato é 'insustentável', mas afirma estar 'convicto' de que não praticou qualquer irregularidade
Elano Figueiredo Foto: Pedro França/Agência Senado
Elano Figueiredo Foto: Pedro França/Agência Senado

BRASÍLIA - A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou na manhã desta quinta-feira que o diretor Elano Rodrigues Figueiredo renunciou a seu mandato no órgão. A Comissão de Ética da Presidência da República entendeu que Figueiredo não teve conduta ética ao omitir em seu currículo enviado ao governo e ao Senado que trabalhou para empresas privadas de planos de saúde. Ele havia tomado posse no cargo no último dia 2 de agosto. A relação de Elano Figueiredo com os planos de saúde e a omissão desta informação no seu currículo foi noticiada pelo GLOBO dois meses atrás. Por conta dessa informação, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, pediu a Comissão de Ética que investigasse o caso.

Em carta enviada à presidente Dilma Rousseff, na noite desta quarta-feira, Elano Figueiredo diz que a Comissão de Ética entendeu, "equivocadamente", segundo ele, que deveria recomendar sua destituição do cargo.

"Com isto, mesmo convicto de que não pratiquei nenhuma irregularidade, seja ética, moral ou legal, penso que o referido pronunciamento torna insustentável a continuidade do meu mandato". Elano Figueiredo encerra a nota pedindo à presidente que determine as providências legais cabíveis.

A Comissão de Ética Pública da Presidência aprovou por unanimidade a aplicação de advertência e a recomendação de demissão de Elano Figueiredo, por "graves e reiteradas violações éticas". Segundo o voto do relator Mauro de Azevedo Menezes, Figueiredo descumpriu os preceitos do artigo 3º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, mas a sua atuação não representou conflito de interesses.

A decisão da comissão levou em conta o fato de Figueiredo ter omitido no currículo apresentado ao Senado que foi advogado de empresas fiscalizadas pela ANS - Hapvida e Unimed. Para o relator, a omissão "impediu o pleno acesso (...) às informações necessárias para traçar o seu perfil profissional, a probidade de sua conduta e a integridade dos seus posicionamentos".

O advogado foi sabatinado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado em 11 de julho. Sua indicação para a ANS foi aprovada por unanimidade. No currículo que enviou para subsidiar sua indicação à diretoria da agência, diz, genericamente, que trabalhou “na gestão de departamento de advogados”, “em ações de grande vulto envolvendo saúde”, “na intermediação de conflitos entre segmentos da saúde”. E também em “atividade regulatória de saúde”.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que tentou, em vão, convencer o Senado a rever a sessão de sabatina que aprovou a indicação de Elano Figueiredo para a ANS, comentou, na manhã desta quinta, a demissão do diretor da agência. Para Randolfe, o Senado não precisava passar por um constrangimento desses, se tivesse revisto a aprovação do nome de Elano Figueiredo, tanto na Comissão de Assuntos Econômicos como no plenário.

- O Senado não precisava passar por esse constrangimento. Bastasse rever seu ato, o que está a altura de sua prerrogativa e independência como poder. O Senado não precisava pagar um mico desses. Mico, não! Um King Kong desses! - disse Randolfe Rodrigues.

No dia 4 de agosto, O GLOBO informou que Figueiredo foi diretor jurídico da Hapvida pelo menos desde 2006. A empresa é uma das que são alvo de mais reclamações dos consumidores: na própria lista da ANS está em 18º lugar entre as cem operadoras com mais queixas. Ele também atuou como advogado da Unimed. No serviço privado, ajuizou várias ações contra consumidores e até mesmo contra a ANS.

Figueiredo, na época, disse que citou em seu currículo as empresas das quais obteve autorização e não mencionou as outras por uma questão de “sigilo profissional”. Já a HapVida, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que ele nunca foi funcionário da empresa, mas apenas prestou serviços para as áreas jurídica e médica, há mais de dois anos, sem contudo saber precisar o período exato.

Mas num artigo que publicou na revista “Themis”, da Escola Superior de Magistratura do Ceará, em junho de 2006, intitulado “O julgamento dos planos de saúde”, Figueiredo assinou como diretor jurídico da HapVida. A versão digital está disponível na internet. A assessoria da Hapvida não soube explicar porque isso aconteceu.

Desde março de 2012, Figueiredo ocupa o cargo de diretor adjunto da Diretoria de Gestão da ANS. Para esse posto, não precisou de sabatina, já que é um cargo de confiança.

Apenas três dias depois da publicação da reportagem do GLOBO, o ministro Alexandre Padilha fez, em reunião no Conselho Nacional de Saúde (CNS), uma defesa enfática de Figueiredo. Para o ministro, não havia nada até o momento que desabonasse a indicação. Segundo o ministro, antes de qualquer decisão sobre o assunto, os conselheiros deveriam buscar informações verdadeiras sobre a sabatina de Figueiredo em vez de se pautar por notícias de jornais.

Com as declarações de Padilha, a presidente do Conselho, Maria do Socorro de Souza, desistiu de pedir ao Senado a anulação da sabatina de Figueiredo, momentos depois de formular a recomendação.

Duas semanas depois das denúncias, a diretoria colegiada da ANS decidiu que ele ocuparia o cargo de diretor de Gestão e não mais o de Fiscalização, responsável por analisar os processos que envolvem as operadoras privadas. Na sabatina no Senado, em julho, ele havia deixado claro que gostaria de assumir a área de Fiscalização.

Em 21 de agosto, o Idec e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) encaminharam uma espécie de dossiê à Comissão de Ética, no qual pediam que o órgão encaminhasse a sugestão de exoneração de Figueiredo da agência, por ter omitido informação extremamente relevante em seu currículo.

"A Comissão de Ética agiu atendendo ao clamor da sociedade, do Idec e de todas as instituições que tiveram à frente desse processo, em nome dos milhares de consumidores que todos os dias enfrentam dificuldades quando precisam de um exame, de um procedimento cirúrgico, de um atendimento especializado e tantos outros problemas. Porém, ainda temos grandes desafios para garantir o acesso à saúde aos brasileiros, destacando-se a necessidade de maior financiamento público ao SUS, e não ao setor de planos e seguros de saúde", destacou, em nota, a  presidente do Conselho Diretor do Idec, Marilena Lazzarini.