13/06/2013 08h30 - Atualizado em 01/07/2013 18h20

Fundo com verba do Cade gasta só 2% com consumidor e concorrência

Metade foi gasto com campanha de aniversário do Cade.
Cade respondeu por 89% dos recursos do fundo em 2012.

Simone CunhaDo G1, em São Paulo

O fundo que recebe os dinheiros das multas aplicadas às empresas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) usou menos de 2% de suas verbas para projetos relacionados à defesa concorrência ou do consumidor, segundo dados do orçamento do fundo compilados para o G1 pelo Contas Abertas. Apenas um projeto de uma organização da sociedade civil foi contemplado nesta área e o dinheiro chegou há cerca de um mês, quase no meio deste ano, de acordo com a entidade. As verbas do Cade compõem 89% dos recursos desse fundo.

Quase metade destes 2% voltados para a área, cerca de R$ 390 mil, foi usada para promover as ações ligadas ao aniversário de 50 anos do Cade, que teve campanha, lançamento de livro, gravação de CD e sessão solene.

Outros cerca de R$ 430 mil financiaram um projeto do Instituto de Combate à Fraude e Defesa da Concorrência (ICDE), voltado ao treinamento de especialistas de direito e de estudantes do ensino público sobre cartel.

Rodrigo Lagreca é diretor do ICDE, única entidade com projeto ligado a defesa do consumidor e da concorrência a receber verbas do FDD, que tem recursos do Cade. (Foto: Simone Cunha/G1)Rodrigo Lagreca é diretor do ICDE, única entidade
com projeto ligado a defesa do consumidor e da
concorrência a receber verbas do FDD, que tem
recursos do Cade. (Foto: Simone Cunha/G1)

Embora previsto para o fim de 2012, o convênio com o ICDE só foi assinado neste ano, com data retroativa, segundo o diretor da entidade, Rodrigo Lagreca. “Os recursos do convênio foram liberados há cerca de 30 dias, o que quer dizer que o projeto está começando agora”, diz.

Lagreca considera, no entanto, que  “apesar das dificuldades, o fundo é um dos poucos instrumentos disponíveis para promover ações de educação numa área que o país é extremamente carente, como a defesa do consumidor”.

Com os recursos, o ICDE vai promover a 2ª semana de defesa da concorrência (a 1ª também foi feita com verbas do fundo), voltada a capacitar profissionais do direito da região sul (ligado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Outra ação bancada pelo fundo será a discussão dos cartéis e da importância da concorrência em escolas públicas dos três estados.

Procurado, o Ministério da Justiça, gestor do fundo, não se pronunciou sobre a destinação e o pagamento das verbas.

Contingenciamento
Receptor do dinheiro arrecadado das multas do Cade, o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), criado em 1995, usou cerca de R$ 16 de cada R$ 100 repassados, no ano passado.

A maior parte dos recursos do fundo, 84% dos R$ 51,1 milhões, foi usada para formar reservas de contingência, ou seja, foi para o caixa do governo. O termo se refere às verbas sem destinação específica ou vínculo com qualquer órgão, que geram créditos.

Essa reserva de verbas para o governo é uma forma corriqueira de gasto do fundo pelo menos desde 2010, quando cerca de 70% ficaram contingenciados. O mesmo já se desenha em 2013, com 92% dos recursos contingenciados no orçamento até maio.

Proporção das verbas pagas pelo fundo em 2012, por área destinada

Ambiental

4,12%

Cultura

2,74%

Defesa do consumidor e da concorrência

1,61%

Indígenas

1,28%

“A origem (destas verbas) é uma lesão aos interesses difusos, que não se pode reparar porque não se conseguiu. A multa tem duas funções, desestimular que empresa lese novamente a defesa da concorrência e também reparar diretamente ou apoiar projetos que apoiem esses direitos”, diz o professor de direito da USP e ex-membro do conselho gestor do fundo, Roberto Pfeiffer.

Procurado para explicar o contingenciamento, o ministério do planejamento não respondeu aos questionamentos do G1.

Interesses difusos
O Cade é responsável pela maior parte do orçamento do fundo, tendo destinado mais de R$ 45 milhões no ano passado, 89% dos recursos.

O dinheiro do fundo, segundo sua lei de criação (Lei nº 7.347, de 1985), deve ser aplicado para reparar “danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos”.

Do ponto de vista legal, não existe vinculação entre a fonte de arrecadação e a matéria em que são aplicados os recursos do fundo, por isso não há ilegalidade em a maior parte do dinheiro das multas do Cade ir para áreas distantes da defesa da concorrência e do consumidor, explica Pfeiffer. Para ele, a diversificação do investimento é positiva – a proporção, não.

“Não se nega que o ideal, do ponto de vista teórico, é se aproximar o quanto mais a ação reparadora daquilo que foi objeto de violação. É melhor que fique mais próximo da fonte arrecadadora, que tem a ver com defesa da concorrência”, diz.

Defesa da concorrência e do consumidor
No caso das verbas vindas do Cade, o dinheiro vem de acordos administrativos e judiciais e de pagamentos por condenações aplicadas pelo órgão a empresas, pessoas físicas ou entidades representativas que tenham praticado alguma conduta anticompetitiva, como o cartel, explica o órgão.

Orçamento do fundo e verbas contingenciadas, por ano

 

2013 (até maio)

2012

2011

2010

Contigenciado

91,7%

84%

68,7%

70%

Liberado

8,3%

16%

31,3%

30%

Diante disso, “seria conveniente que houvesse maior número do que atual de projetos que a defesa do consumidor e particularmente nessa área de lesão”, diz Pfeiffer.

Na gestão do FDD entre 2003 e 2005, Pfeiffer diz que “quase nenhum projeto foi aprovado na área da defesa da concorrência e do consumidor e poucos foram apresentados”. Ele considera que há falta de atividades educativas de combate de cartéis, aparelhamento dos órgãos de defesa do consumidor e treinamento de servidores de órgãos e associações de defesa da concorrência.

Para ele, a falta de projetos sobre o tema é uma das justificativas para apenas um ligado à defesa da concorrência ter sido aprovado no ano passado, o do ICDE.

Áreas com mais projetos
A área que mais levou recursos foi a do meio ambiente, que ficou com pouco mais de 4% dos recursos, acima de R$ 2,1 milhões. O dinheiro foi destinado, por exemplo, ao planejamento de um plano piloto de adaptação à mudança climática para o município de Petrópolis e à compra de estações meteorológicas automáticas no município de Ubá (MG).

A cultura ficou com perto de 3% dos recursos pelos FDD. Projetos ligados aos indígenas levaram cerca de 1,3% dos recursos e os ligados ao patrimônio histórico ficaram com 0,4%.

“Sem dúvida, há predominância de ambiente e cultura porque a maior parte dos projetos apresentados são relacionados a esse itens”, diz Pfeiffer.

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