Seu último GP de Fórmula 1 foi há mais de duas décadas. Desde então, as entrevistas e aparições públicas são raras. Talvez seja justamente por isso que Nelson Piquet, tricampeão mundial, continua despertando a admiração de gerações que sequer o viram correr. O espírito fanfarrão permanece o mesmo, mas a experiência de 60 anos de vida e o tempo longe do esporte que o consagrou trouxeram novas prioridades à sua rotina. Aquele piloto que sempre demonstrou uma personalidade forte nos paddocks de todo o mundo atualmente aparenta a serenidade de um sujeito que sabe curtir a vida. Não que antes não soubesse, é bom frisar. Só mudou a maneira de fazer isso.
Um dos xodós de Nelson é sua coleção de carros antigos. Dono de uma verdadeira frota composta por modelos clássicos de montadoras como Cadillac, Mustang, Jaguar, Rolls Royce, Puma, Ford, entre outras, o ex-piloto volta às origens quando está entre eles. Afinal, foi trabalhando como mecânico em Brasília, na década de 1970, que ele conseguiu seu primeiro dinheiro e começou a ser suficientemente independente para realizar o sonho de competir nas corridas da época. A primeira vez em um box de Fórmula 1 também foi sujando as mãos de graxa, limpando as rodas da Brabham de Carlos Reutemann. Poucos anos depois, era ele que estava no cockpit de um carro da equipe, derrotando o argentino, já piloto da Williams, na disputa pelo título mundial de 1981.
- O problema é que a gente fica velho. Eu coleciono os carros que a gente admirava na época, nos anos 1970, 1950. Os carros pelos quais a gente sentia aquela vontade de ter um. E agora, com a possibilidade de ter, a gente compra, recupera os carros, deixa o carro em ponto de bala – conta Piquet, que restaura e trata suas jóias com todo carinho.
Colocar estes carros na estrada, aliás, foi o que motivou o tricampeão mundial a deixar sua casa em Brasília durante esta semana. Participando da terceira edição das Mil Milhas Históricas Brasileiras, um rali de regularidade para veículos antigos que vai de quarta a domingo, Nelson se diverte com alguns amigos de sua cidade.
Curtição entre amigos em seus 'carros vivos'
Para a competição, que aceita carros fabricados entre 1919 e 1980, Piquet inscreveu um Jaguar 1970, com motor de seis cilindros. E ainda “emprestou” outro Jaguar, um Mustang e dois Corvettes para sua divertida caravana. Apesar da contagem de pontos nos postos de controle ao longo dos cerca de 1.600 km, ele diz que se encaixa na “categoria turista”, aproveitando as paisagens e a viagem ao lado da esposa, sem se importar minimamente com a pontuação na prova.
- O rali tem uma competição, nós é que participamos como turistas. É uma bela viagem para a gente, um grupo de amigos de Brasília que vai mesmo para se divertir. Meus carros antigos são carros vivos. Eu dirijo todo dia um diferente e os cinco carros que estão aqui são nossos. É uma curtição – ressalta Nelson, que no ano passado também inscreveu um Jaguar, mas um modelo com motor V12.
Em meio às conversas antes da largada e nas paradas programadas do rali, o que não falta é bom humor. Os amigos entregam: a paixão é tanta que é o próprio tricampeão quem cuida da limpeza e da manutenção dos carros, que devem preservar ao menos 90% da originalidade.
- Ele é o nosso mecânico. A gente só fica com a parte boa, que é dirigir e aproveitar a paisagem – diz Almyr Barros, um dos companheiros da comitiva que partiu de São Paulo e tem no roteiro os municípios de Mogi Guaçu e Águas de Lindóia, no interior paulista, além de cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais que faziam parte da famosa Estrada Real.
Aos 60, a irreverência de sempre
Posando para uma foto com uma dupla de portugueses inscrita na competição com um Fusca, ele recebe elogios do navegador pela antológica ultrapassagem que valeu a liderança (e a consequente vitória) no GP da Hungria de 1986, considerada por muitos especialistas “a ultrapassagem do século”. E dá risada ao perceber que o fã lusitano não lembra quem foi o ultrapassado – um certo Ayrton Senna.
Em tempo: a língua afiada que fez a dor e a delícia de muitos jornalistas de sua geração continua soltando suas pérolas. Feito um menino travesso, Nelson admira sua coleção de automóveis, grande parte com capotas reversíveis, e repete sem parar:
- Devo ter sido muito chifrado quando era garoto, porque adoro carro conversível! – diz, para se desmanchar em uma sonora gargalhada em seguida.
O ritmo mais tranquilo e contemplativo de suas viagens ao volante de carros clássicos contrasta com a vida corrida e a tensão dos tempos de Fórmula 1, natural para qualquer competidor de seu nível. Na categoria máxima do automobilismo, Piquet correu por 14 temporadas, entre 1978 e 1991, e conquistou 23 vitórias, 24 poles, 23 melhores voltas e 60 pódios. Além, é claro, de três títulos mundiais. Questionado se sente falta da F-1, ele suspira e responde com a franqueza que lhe é peculiar.
- Realmente é uma página virada. Foi um sonho que passou. Hoje, felizmente, minha vida é muito mais prazerosa do que foi no passado. Sem muita competição, sem nada, só colhendo os frutos de tudo o que aconteceu no passado – afirma, pouco antes de entrar no carro e pegar a estrada.