Economia

Corte Suprema da Argentina declara constitucional Lei de Meios de Comunicação

Medida, que favorece o governo, era centro de disputa entre a presidente Cristina Kirchner e o grupo Clarin

BUENOS AIRES - Dois dias após a pior derrota eleitoral já sofrida pelo governo Kirchner nas urnas e em meio a especulações sobre supostos acordos secretos entre o presidente da Corte Suprema de Justiça, Ricardo Lorenzetti, e a Casa Rosada, o máximo tribunal argentino declarou a constitucionalidade da Lei de Meios, quatro anos após sua aprovação no Congresso e a posterior denúncia do grupo Clarín à Justiça.

Poucas horas após a divulgação de resolução, aprovada integramente por quatro dos sete membros da Corte, o diretor da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA), o kirchnerista Martin Sabatella, assegurou que o organismo avançará “o mais rapidamente possível” no processo de adequação do Clarín à lei. Na prática, isso significa que a AFSCA iniciará imediatamente o trabalho técnico para determinar quantas e quais licenças de rádio e TV (aberta e a cabo) o Clarín deverá vender (num prazo ainda não informado) para cumprir plenamente a lei - que o grupo reiterou nesta terça considerar inconstitucional.

- Aqui não se expropriará nada, faremos cumprir a lei - disse Sabatella, comemorando “um grande dia para a democracia”.

Depois de parecer favorável ao Clarín por um juiz de primeira instância e de decisão dividida da Câmara Civil e Comercial, a resolução da Corte foi uma contundente vitória da Casa Rosada na “mãe de todas as batalhas”, como definiu nesta terça o vice-governador da província de Buenos Aires, Gabriel Mariotto.

Com a decisão de terça-feira, foi derrubada liminar obtida pelo grupo em 2009. Para Cristina Kirchner, ainda em licença médica, vencer a queda de braço com o Clarín era prioridade. Nos últimos quatro anos, a presidente, seus ministros e movimentos aliados participaram de intensa campanha contra o grupo. Na visão de muitos analistas, a Lei de Meios foi pensada, basicamente, como instrumento para enfraquecer o maior conglomerado de comunicação da Argentina, cujas ações chegaram a cair cerca de 6% nesta terça, levando a Bolsa de Comércio de Buenos Aires a suspender as operações.

- Muitos grupos não estão cumprindo a lei e não são perseguidos, porque se alinharam com a Casa Rosada. Já o Clarín declarou guerra na Justiça, não se alinhou e perdeu - afirmou o jornalista José Crettaz, do “La Nación”, especializado no assunto.

Clarín: objetivo da lei é silenciar vozes críticas

O grupo Clarín afirmou nesta terça-feira que "respeita as decisões judiciais", mas reiterou que os artigos da Lei de Meios questionados na Justiça contradizem "não somente princípios da Constituição argentina, senão também da Convenção Americana de Direitos Humanos".

Em nota oficial, o grupo informou que avaliará a possibilidade de recorrer a tribunais internacionais."Tanto a lei como a resolução (da Corte), ao desconhecer licenças vigentes, com vários anos pela frente, violam abertamente direitos adquiridos", disse o grupo de meios de comunicação argentino.

Para o grupo, o principal objetivo da lei é silenciar vozes críticas. "A prova mais concreta da verdadeira intenção do governo com esta lei é a enorme colonização oficial de meios produzida desde sua aprovação. Hoje mais de 80% dos meios audiovisuais respondem direta ou indiretamente ao governo", afirmou a nota

Suspensas negociações com ações na Bolsa

A Bolsa de Valores de Buenos Aires suspendeu a negociação dos papéis do grupo de mídia Clarín, o principal conglomerado de informações da Argentina, que deverá ser desfeito em função da decisão da Suprema Corte do país, que declarou constitucional a lei de meios de 2009.

O grupo é cotado em bolsa desde 2006, fatura cerca de US$ 2 bilhões ao ano e é controlado por Ernestina Herrera de Noble, José Aranda, Lúcio Pagliari e o CEO Hector Magnetto, que rompeu com o governo da presidente Cristina Kirchner em 2008. Juntos, possuem 71% do capital.

Segundo o comunicado da bolsa, a suspensão é temporária.

A corte suprema argentina

O artigo 99º da Constituição argentina determina que é atribuição do presidente da Nação nomear os ministros da Corte Suprema. Os nomes são submetidos ao Senado e, para serem aprovados, precisam obter votos favoráveis de maioria qualificada (isto é, dois terços) dos parlamentares. Como estabelecido pelo artigo 110º, são requisitos para ser ministro da Corte Suprema ter ao menos oito anos de experiência como advogado e 30 anos de vida, além de reputação ilibada.

Nenhum dos sete ministros que ocupam a Corte Suprema hoje foram indicados por Cristina Kirchner, mas quatro estão lá por obra de seu marido e predecessor Nestor Kirchner, morto em 2010 - entre eles o presidente Ricardo Lorenzetti. Dois foram nomeados nos anos 1980 por Raúl Alfonsín e um por Eduardo Duhalde, no início dos anos 2000.