Rio

PF desarticula quadrilha que fornecia fuzis para Rocinha e Vidigal

Traficantes traziam fuzis dos Estados Unidos escondidos em colchões
O armamento apreendido pela Polícia Federal durante a operação Bed Bugs, que desarticulou quadrilha de traficantes internacionais de armas Foto: Divulgação / Polícia Federal
O armamento apreendido pela Polícia Federal durante a operação Bed Bugs, que desarticulou quadrilha de traficantes internacionais de armas Foto: Divulgação / Polícia Federal

RIO e BELO HORIZONTE - A Polícia Federal de Minas Gerais desarticulou na manhã desta quarta-feira uma quadrilha especializada no tráfico internacional de armas. O armamento saía de Miami, nos Estados Unidos, dentro de contêineres com mudanças de brasileiros que estavam retornando para o Brasil, chegava ao Porto de Santos, em São Paulo, era levado para Governador Valadares e, de lá, tinha como destino final favelas do Rio de Janeiro, principalmente a Rocinha e o Vidigal. De acordo com a PF, os traficantes de armas traziam os fuzis escondidos em colchões.  Cinco homens foram presos em Engenheiro Caldas e em Governador Valadares pela Polícia Federal e um sexto envolvido, foi preso nos Estados Unidos pela Interpol americana.

A estimativa é que nos últimos dois anos a quadrilha tenha contrabaneado para o Rio pelo menos 500 fuzis 7.62. Durante as investigações, 22 fuzis 7.62 e 12 mil munições foram apreendidos. A Justiça Federal em Minas concedeu sete mandados de prisão contra a quadrilha.

A operação foi batizada de Bed bugs, em referência a um inseto também conhecido como "percevejo da cama”, frequentemente encontrado nos Estados Unidos e na Europa. Entre os presos em Minas estão conhecidos fazendeiros e comerciantes na região do Vale do Rio Doce: o fazendeiro Vicente de Paula Videira, 47 anos, apontado como o chefe da quadrilha; e o filho dele, Marco David Barbosa Vieira, 26 anos, considerado seu braço direito. Segundo a investigação, eram eles quem encomendavam os fuzis.

Nos Estados Unidos, os responsáveis pela compra dos armamentos eram Moisés Maia Nogueira, 43 anos, e Sérgio Teixeira de Carvalho, 49 anos, que, segundo a PF, usa um nome falso. Ambos trabalhavam como caminhoneiros nos Estados Unidos, e são de Governador Valadares e tinham greencard, assim como Vicente e o filho. Moisés foi detido pela polícia americana, mas Sérgio continua foragido.

De acordo com o esquema, os dois caminhoneiros compravam as armas de diversas fontes em Miami por US$ 2 mil, que seriam revendidas para os cariocas por valores que variavam de R$ 30 a 60 mil, dependendo do tipo do fuzil.

Os responsáveis por oferecer as armas aos traficantes do Rio eram Brás Edmilson Clementino, 37 anos, e Rodrigo Bueno de Campos, 35 anos. Um terceiro homem, o único carioca do grupo, Márcio de Souza e Silva, de 35 anos, era o responsável pelo transporte das armas, em carros adaptados, que saíam de Governador Valadares para o Rio. Márcio também foi preso.

Durante a operação, também foram apreendidos um Toyota Etios, um Toyota Corola, um chevrolet Captiva, um Audi e um caminhão. Os veículos estavam com os traficantes de armas de MG. A PF realizou uma varredura minuciosa na fazenda do Vicente de Paula em Engenheiro Caldas em busca de mais armas, mas até o fim da tarde desta quarta não havia localizado nenhum fuzil.

Segundo o delegado Marinho Rezende, que coordenou a operação em Minas, a investigação começou em fevereiro de 2012, a partir de uma denúncia anônima sobre a quadrilha, em Governador Valadares. Através de escutas telefônicas, os investigadores interceptaram dois carregamentos que chegaram de navio ao Porto de Santos, em julho de 2012.

No primeiro, foram apreendidos dez fuzis e 12 mil munições. No segundo, 12 fuzis. Os armamentos eram de fabricação russa, húngara, chinesa, romena e americana, com alto poder de fogo. Entre eles, estavam modelos AKs-47 7.62 e AR-15. Ao fazer o rastreamento dos números de série das armas, a PF verificou que o lote era o mesmo de um fuzil apreendido meses antes, em novembro de 2011, durante a ocupação da Rocinha.

O delegado explicou que, embora as armas fossem trazidas em colchões dentro de contêineres, os brasileiros donos das mudanças não sabiam do esquemas. Segundo ele, em razão da melhoria das condições de vida no Brasil e do agravamento da crise econômica americana, muitas famílias de brasileiros estão retornando dos Estados Unidos e a alfândega brasileira não teria condições de fiscalizar todas as bagagens. As polícias brasileira e americana ainda investigam uma possível participação de pessoas ligadas a empresas de transporte dos contêineres.

Nem da Rocinha era o principal cliente

O principal cliente dos traficantes de armas era Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha. Ele foi preso no dia 10 de novembro de 2011 por policiais do Batalhão de Choque da PM, na Lagoa, em frente ao Clube Piraquê. Nem foi encontrado no porta-malas de um Corolla preto, onde viajavam mais quatro homens, que também foram presos.

Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, assumiu o comando do tráfico de drogas na Rocinha após a morte do antigo chefe, Bem-te-Vi, em 2005. Além de gerenciar a venda na maior favela do país, o traficante de 35 anos também é o responsável pelo comércio na Cruzada São Sebastião, um conjunto habitacional no Leblon, e no Morro de São Carlos, que conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora.

Em agosto de 2010, o traficante e comparsas protagonizaram cenas de terror para os moradores do bairro de São Conrado. Ao voltar de uma festa no Vidigal, um “bonde” foi interceptado por policiais militares. Houve confronto e, na fuga, dez bandidos invadiram o Hotel Intercontinental, fazendo 35 pessoas reféns , entre hóspedes e funcionários. Todos foram presos, entre eles o segundo homem na hierarquia do tráfico conhecido como "Perna".

No confronto, quatro policiais ficaram feridos e uma mulher identificada como Adriana Duarte de Oliveira dos Santos, de 41 anos, morreu. Segundo a polícia, ela era integrante do grupo de Nem. O chefe do tráfico teria fugido por dentro de um condomínio.

Em 2009, a polícia realizou uma operação na Rocinha para prender o traficante Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, que vivia na comunidade sob a proteção de Nem. A ação, porém, não foi bem sucedida. A Polícia Federal descobriu que a operação havia vazado, e Roupinol foi alertado pouco antes da chegada da polícia no morro .

No início de 2010, numa tentativa de desviar a atenção da polícia, Nem tentou forjar a própria morte, comprando um falso atestado de óbito por R$ 150 . O traficante pretendia realizar um enterro rápido, sem velório, no Cemitério do Catumbi. Ironicamente, na certidão, o médico colocou o endereço da 15ª DP (Gávea), na Rua Major Rubens Vaz 170, na Gávea, como sendo a residência do bandido. A causa da morte seria insuficiência renal e diabetes, o que evitaria que o corpo passasse pelo Instituto Médico-Legal (IML) para ser periciado.

Se o golpe fosse concluído na ocasião, Nem já teria pronta uma nova identidade, com a data de nascimento alterada em um dia, de 25 para 24 de maio de 1976, e com o nome de Antonio Lopes.