Economia

‘Foi um marco, não fomos ao FMI’, afirma diretor de Política Econômica do BC em 2008

Mário Mesquita acredita que a crise foi um divisor de águas para o Brasil: o país não recorreu ao FMI e ainda fez um acordo de troca de moedas com o Fed
Mario Mesquita, ex-diretor do Banco Central Foto: Simone Marinho / Agência O Globo
Mario Mesquita, ex-diretor do Banco Central Foto: Simone Marinho / Agência O Globo

RIO - Ex-diretor de Política Econômica do BC, hoje sócio do Banco Brasil Plural, Mário Mesquita passava o aniversário em Nova York quando o Lehman foi à bancarrota. Ele lembra que, no auge da crise, brasileiros que tinham dinheiro no exterior sacaram suas economias de bancos internacionais para depositá-las em filiais de instituições brasileiras lá fora. “Isso atesta a solidez de nosso sistema”.

O senhor estava em Nova York no dia 15 de setembro de 2008?

Parte do meu trabalho no BC era fazer a interface junto a investidores internacionais. Eu costumava ir duas ou três vezes por ano aos principais centros financeiros. Setembro é o mês quando reabre o mercado, após as férias de verão do Hemisfério Norte. Eu tinha essa viagem marcada, era o meu aniversário no dia 14, um aniversário difícil de esquecer (risos). Meirelles (Henrique Meirelles, ex-presidente do BC) estava no Brasil e acabou indo para lá. Naquela semana, em teleconferência com o Mário Torós (então diretor de Política Monetária do BC), que tinha ficado no Brasil, a gente decidiu fazer as operações de repo de dólar, de venda com recompra de dólar. Já havia começado a pressão cambial. Para nós, o sinal mais nítido de que a situação tinha se agravado foi a diferença de tratamento com a AIG. Permitiu-se que o Lehman quebrasse e, dois dias depois, houve o socorro à AIG (o governo americano injetou US$ 85 bilhões na gigante de seguros). Depois, teve a reunião anual do FMI (em outubro). Eu estava indo para Washington, mas mudamos de ideia. Fiquei como interino do BC durante uns poucos dias. O Meirelles foi e voltou com informações importantes.

Qual foi o impacto mais perverso da quebra do Lehman no Brasil?

Teve o impacto via câmbio, ligado ao aumento da aversão a risco, mas também foi magnificado pelos derivativos tóxicos, episódio mais próprio do Brasil. Depois começou o aperto de crédito, que afetou bancos pequenos e médios. A pressão foi bastante intensa, mas curta. Quando o BC começou a soltar compulsórios e a condicionar a liberação à compra de ativos dos bancos menores por maiores, o alívio foi acontecendo. Vimos, porém, brasileiros com recursos no exterior tirando de bancos internacionais e colocando em bancos brasileiros, o que atesta a solidez de nosso sistema.

E o episódio dos derivativos cambiais?

Alguns princípios norteavam nossa atuação. Primeiro, era não validar apostas especulativas do setor privado. Algumas empresas atuavam quase como hedge funds . O segundo princípio foi deixar a taxa de câmbio cumprir seu papel, de ajuste a mudanças nas condições externas. Outro princípio foi a parcimônia na intervenção, porque não sabíamos quanto tempo a crise iria durar. Existiam várias análises que diziam que estávamos à beira de uma nova Grande Depressão. Algo que não havia acontecido nas crises anteriores foi um escasseamento forte das linhas de comércio exterior. Pensamos: “pode ser que a gente tenha que virar o banco de financiamento do comércio exterior brasileiro, tem que ter reserva para isso, pode ser que isso dure um, dois anos”. Um episódio importante para a normalização do mercado foi a operação de swap de moedas com o Fed (quando o BC americano deixou à disposição do Brasil uma linha de US$ 30 bilhões, espécie de “cheque especial”, que poderia ser paga em reais). Esse swap de moedas a gente nunca chegou a acionar. A mera sinalização já foi suficiente para acalmar o mercado.

Passados cinco anos da crise, que lições ficaram de 2008?

No caso do Brasil, a importância de ter reservas externas. Em 2006 e 2007, o BC sofria muitas críticas por estar acumulando reservas, que custam caro, mas foram um seguro muito válido. Essa é a importância de se ter instrumentos adicionais de política monetária, não apenas a taxa de juros.