Opinião

Será este o fim do Islã político no Egito?

O perigo é se os militares, apesar de prometerem eleições, nunca saírem do poder. Se um candidato da Irmandade ganhar, toma posse?

Na semana passada eu assisti na televisão, com alarme e tristeza, ao desenrolar dos acontecimentos do golpe militar no Egito contra o governo democraticamente eleito de Mohamed Mursi. E fiquei ainda mais pasmado com as cenas dos egípcios da oposição liberal e esquerdista na Praça Tahrir, comemorando com gritos de felicidade a volta dos militares, que eles mesmos tinham combatido tão energeticamente na mesma praça somente dois anos atrás.

Sem duvida, Mursi se mostrou incapaz de governar bem o Egito, rejeitando qualquer acomodação com a oposição, acirrando o tom sectário do governo, e nomeando membros da Irmandade Muçulmana para a maioria dos ministérios e províncias. A economia do país foi de mal para pior, com a libra egípcia sofrendo desvalorização, os depósitos de moeda estrangeira atingindo níveis baixíssimos e cortes de energia elétrica virando coisa normal. No plano político, Mursi também foi obstinado, se derrogando poderes constitucionais e tentando empurrar uma nova Constituição que não tinha o apoio dos liberais e esquerdistas.

Apesar de todas essas diferenças, não podemos esquecer que Mursi foi eleito com 52% do voto popular, mais do que o presidente americano Barack Obama conseguiu na sua última eleição. Com este mandato popular, como ele podia se entregar ao ultimato dos militares? “Por cima do meu cadáver”, foi o que Mursi supostamente terá dito aos militares mandados para lhe exigir a renúncia da Presidência. E o resultado imediato da retirada forçada de Mursi do poder foi a violência. com 51 apoiadores da Irmandade sendo mortos por militares no Cairo esta semana. Esse massacre levou o grupo a conclamar uma revolta contra os militares.

Os militares rapidamente nomearam civis para chefiar um governo interino, com Adli Mansur como presidente interino, Hazem al-Beblawi como primeiro-ministro, e Mohamed el-Baradei como vice-presidente. Mansur já emitiu uma declaração constitucional convocando uma assembleia constituinte em duas semanas, um referendo sobre uma nova Constituição em quatro meses, eleições parlamentares em fevereiro e eleições presidenciais seis meses depois. Al-Beblawi já disse que postos ministeriais vão ser oferecidos para membros do Partido de Liberdade e Justiça, o braço político da Irmandade, e para o partido islamita Nour. Mas é pouco provável que membros da Irmandade aceitem cargos num governo interino responsável por derrubar Mursi.

Neste momento o Egito é um barril de pólvora prestes a explodir a qualquer provocação. É compreensível o desespero e a angústia que milhões que egípcios estão sentindo ao ver seu líder deposto pelos militares, e é por isso que políticos de ambos os lados vão ter que se esforçar muito para acalmar os ânimos e tentar achar uma saída aceitável para todos. A ex-senadora egípcia Mona Makramebeid disse isso esta semana a Christiane Amanpour, da CNN, afirmando que uma acomodação política ia levar um tempo. “Vai levar tempo. Temos que mandar mensagens positivas. A oposição tem que parar com a demonização da Irmandade Muçulmana e esforçar-se para trabalhar juntos. Afinal de contas, eles trabalharam juntos no passado para derrubar o regime de Mubarak”, disse.

Mas será que a derrubada da Irmandade Muçulmana no Egito assinala o fim do Islã político? Muitos gostariam que sim, mas eu duvido muito. O acadêmico francês Olivier Roy, que publicou o livro “O fracasso do Islã político” em 1992, disse esta semana à revista “The Economist” que o governo da Irmandade implodiu porque não soube dirigir um Estado moderno. Ele disse que o governo de Mursi tentava islamizar uma sociedade já muito religiosa, e que o Islã não tem as prescrições detalhadas necessárias para dirigir um Estado moderno. Neste ponto eu concordo em parte. Mursi não soube construir alianças políticas com outros partidos islamitas, e muito menos com os partidos da oposição, uma coisa que seria essencial para o sucesso do seu governo. Na Turquia e no Marrocos, partidos islamistas se viram necessitados a compartilhar o poder com outros partidos políticos para permanecerem no poder.

O Ocidente tem que se dar conta de que os egípcios progressistas e esquerdistas são uma minoria no país, e que a maioria é religiosa e conservadora. A embaixadora americana no Cairo, Anne Patterson, sabe disso e por isso teceu uma política americana de tentar se aproximar da Irmandade depois de décadas de negligência. “Anne tem desde seus primeiros dias no Egito notado que os egípcios são os contatos favoritos dos centros de estudos de Washington, do Congresso americano e do Departamento de Estado. São talvez talentosos e criativos, mas não são necessariamente representativos dos 80 milhões de egípcios”, disse um oficial americano ao site Daily Beast.

O perigo agora no Egito é se os militares, apesar de prometerem eleições, nunca saírem do poder. Eles ainda não disseram se vão deixar candidatos da Irmandade participar das eleições parlamentares e presidenciais. E se um candidato da Irmandade for eleito presidente, os militares o deixarão tomar posse? Nós já vimos o que aconteceu em 1992 na Argélia, quando os militares não deixaram os islamitas assumirem o poder depois de vencer eleições democráticas. Vamos ter que esperar pelo menos mais seis meses para ver se os militares egípcios vão honrar a palavra deles ou não. Mas eu não estou apostando muito neles.

Rasheed Abou-Alsamh é jornalista