Economia Emprego

‘Aqui não é lugar para muito tempo. Nem pode ser’, diz Graça Foster

Presidente da Petrobras é a personagem de estreia da coluna digital do Boa Chance. Seus desafios e vitórias na vida profissional e pessoal são os temas da entrevista

RIO — Graça Foster é uma das mulheres mais poderosas do mundo, segundo as revistas Forbes e Fortune. A primeira profissional de carreira e assumir o comando da Petrobras, que esta semana vive um momento histórico com o leilão do Campo de Libra para a exploração do pré-sal brasileiro. Chegou na empresa como estagiária, em 1978, e de lá nunca mais saiu. Graça dorme de quatro a cinco horas por dia e garante que este é seu ritmo. Sob seu comando, estão não apenas milhares de funcionários, mas também decisões que impactam diretamente a vida dos brasileiros. Ela cozinha quando está afim, vai pessoalmente ao supermercado — embora não goste —, é mãe, avó, e tem quatro gatos.

Aos 60 anos de idade e há 32 na estatal, ela revela que seu maior desafio, entre tantos, foi quando assumiu a diretoria de Gás e Energia e precisou mapear o gasoduto do Brasil, e que a maior conquista foi ocupar o cargo máximo da empresa onde sempre trabalhou. O futuro? Segundo Graça, sair da Petrobras é uma ideia que ainda assusta. Mas afirma que o cargo não é lugar para muito tempo: “Nem pode ser”. Ela não chega a descartar outros cargos no governo, mas cita entre as possibilidades, dar aulas, ouvir Beatles e viajar muito.

1) Muito se fala sobre a sua trajetória dentro da Petrobras, desde sua chegada aos 28 anos, ainda como estagiária. Gostaria de saber da sua história, valores e formação agregadas antes deste período. Com que idade começou a trabalhar, o que fez antes de entrar na Petrobras e que lições tem desta época?

Graça Foster: Eu vim de Minas Gerais com 2 anos de idade. Fomos morar no Morro do Adeus ( no C omplexo do Alemão ). Brincava muito na rua, mas minha mãe impunha muita disciplina e isso eu sempre levei comigo. Podia brincar, mas tinha que bordar, estudar, ajudar na casa. Bem, nós tivemos algumas fases. Teve a fase entre os 12 e 13 anos que foi mais difícil. Essa história das latinhas não é verdade não (risos) — referindo-se ao boato de que teria catado latinhas na infância. Nem existiam latinhas naquela época. Eu vendia ferro, jornal, garrafa, estas coisas, não para ajudar em casa, mas para comprar as coisinhas que eu queria para a escola. A gente era pobre, mas era muito ajudado. Essa fase foi muito importante. Nossa família, tios e primos, tinham uma boa condição e nos ajudavam, mas eu não gostava disso. Era necessário, mas eu não gostava... Isso me motivava a querer estudar e trabalhar para ter o meu dinheiro e ajudar meus pais.

2) A senhora sempre quis ser engenheira ou foi meio ao acaso? Como foi esta escolha?

Graça: Entrei na Petrobras como estagiária, em 1978, e antes disso dei aulas particulares e fiz estágios em outras empresas. Dar aulas me ensinou a aprender comigo mesma, pois eu tinha que falar em voz alta e isso te faz refletir. Eu adorava matemática, mas era apaixonada também pelas histórias da Princesa Isabel e por geografia. Ah, eu gostava muito! Mas acontece que matemática e física eram mais rápidas e as outras disciplinas demandavam mais tempo. A engenharia veio desse prazer de estudar matemática. Eu não sabia exatamente qual, mas a química foi meio que por acaso, porque tinha uma visão abrangente dos processos e eu a escolhi.

3) Qual o maior (ou maiores) desafios durante a trajetória profissional?

Graça: O Campo de Libra foi uma condução pessoal. É um grande desafio, mas já estou pensando lá na frente. Mas tudo que fiz na Petrobras era novo e isso era desafiador. Comecei na área de exploração e isso tinha muitas demandas novas. Criamos a engenharia de poços, foi quando eu entrei na gerência. O fato de ter milhares de pessoas que dependem da suas decisões também é uma responsabilidade. Aliás, não existe responsabilidade a mais. Você é, ou não, responsável. Agora, o que muda é que se tem mais deveres, e os acertos e erros têm consequências maiores. Um momento, em especial, aqui na companhia que realmente me incomodou profundamente ou me manteve muito tensa, foi enquanto diretora do Gás e Energia. Foi o maior de todos os desafios porque a gente tinha que criar a malha do gasoduto, interligar a malha. A gente tinha gás, mas não tinha gasoduto, e tinha gasoduto em alguns lugares, mas não tinha gás. Tinha a térmica e também não tinha gás para a térmica.

4) De todas as conquistas, qual foi a mais marcante e por que?

Graça: (suspiro) Bem... ser presidente. Chegar a um lugar que nunca imaginaria... a presidência é muito... é muito. Quem é da empresa sabe o que é isso. Mas, o fato é que estou aqui.

5) A senhora é conhecida por ser firme e organizada, e isso traz resultados para a empresa. Se tivesse uma fórmula, que conselhos daria a quem está começando uma vida profissional?

Graça: Organizada eu não sou (risos). Tenho pessoas que trabalham comigo e são. O que eu sou é disciplinada. Isso desde a época do crochê da Dona Terezinha (a mãe). Olha, acho que gostar do que se faz é importante. O querer fazer, sabe? Porque se você gosta do que faz, vê sentido naquilo e fica obstinado pela causa, em resolver o problema e dar resultados.

6) A senhora é uma das mulheres mais poderosas do mundo. Há algumas décadas, mulheres não ocupavam cargos tão altos. A senhora tem exemplos femininos que a inspiram?

Graça: Minha mãe. Uma mulher simples e pequenininha. Eu tenho 1,78 metros e ela nem 1,5m tem. Às vezes a gente estava meio para baixo e ela dizia ‘Olha para frente, levanta esta cabeça. Hoje foi ruim, mas vai passar’. E ela dizia, ainda, que qualquer coisa um banho resolvia. Até hoje faço isso, e quando a coisa não está boa, vou lá e tomo um banho.

7) Quais os desafios futuros como profissional?

Graça Foster: Nossa... essa pergunta é difícil, sabia... a mais difícil... Um dia o telefone vai tocar e eu vou sair. Isso aqui não é um lugar para muito tempo, nem pode ser para muito tempo. E aí eu não sei como vai ser. Eu não sei o que será a minha vida sem o crachá. Eu sei que é assim, e eu quero estar preparada para este dia. Quero estar bem e compreender bem. Mas aqui dentro da empresa não tenho mais para onde ir. Esse aqui é o ponto, o ponto de equilíbrio, onde tudo se fecha. Não sei se escreveria um livro, mas eu talvez desse aulas. E vou ouvir as minhas músicas — amo Beatles — e tem tantos lugares que quero viajar... É, acho que vou dar aulas.

8) E um ministério como o de Minas e Energia, a senhoria toparia?

Graça Foster: Isso é com o governo.

Um livro : “Livro é igual namorado, é o que está na vez (risos). Mas gosto muito de ‘Semente de Mostarda’, de Osho”.

Uma música : “Beatles. Adoro!”

Um filme : “Tem vários, mas um deles é “Aventuras de Pi”.