Economia

Trabalho infantil está presente em 12 cidades de IDH muito alto

Analistas atribuem fenômeno no país à desigualdade e fator cultural

RIO — O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil revelou a nova elite das cidades brasileiras. São 44 municípios enquadrados na faixa de “muito alto” desenvolvimento, com elevados índices de educação, longevidade e renda. A complexidade de avaliar o desenvolvimento dos municípios, porém, é grande. O trabalho infantil, mazela que ainda aflige 3,4 milhões dos brasileiros entre 10 a 17 anos, também está presente em boa parte das cidades mais bem avaliadas: 12 têm índices acima da média nacional para o trabalho nessa faixa etária, que é de 12,38% das crianças e jovens nessa faixa etária.

O cruzamento foi feito entre os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e do Mapa do Trabalho Infantil do IBGE. Ambos usam como fonte o Censo 2010. Por mais que, na faixa de 10 a 17 anos, estejam incluídas parcelas de jovens contratados legalmente como aprendizes — a legislação permite o trabalho nessa condição a partir dos 14 anos — especialistas consideram que o trabalho infantil ainda é precário.

Dez das cidades estão em Santa Catarina (SC), o que mostra um traço da cultura do trabalho na lavoura, especialmente por causa do tipo de colonização europeia da região — mesmo que os menores estejam, também, em sala de aula. Outros fatores listados para o ingresso de jovens e adolescentes no mundo do trabalho são a ajuda na composição do orçamento familiar e a desigualdade que marca a sociedade brasileira e que não é captada pelo IDH.

Municípios: alta escolarização

Balneário Camboriú (SC), por exemplo, tem a quarta melhor posição no ranking de desenvolvimento humano, mas 14,2% das pessoas de 10 a 17 trabalham. A média nacional é de 12,3%. A cidade de Joaçaba (SC), de 27 mil habitantes, tem a mão de obra infantil ligada à criação de aves e ao cultivo e lavoura de plantas. Na faixa dos 10 a 17 anos, o município — o oitavo melhor IDH do Brasil — tem 16,8% dos jovens trabalhando. Situações semelhantes ocorrem em Rio Fortuna (25º) e São Miguel do Oeste (37º).

Coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, o procurador do Trabalho Rafael Marques diz que uma cidade não precisa ser pobre para ter parte de suas crianças trabalhando:

— Às vezes a questão é puramente econômica, mas a miséria não é o único fator. Hoje crianças e adolescentes querem ter acesso a bens de consumo que as famílias, muitas vezes, não têm como proporcionar.

O chefe da Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, Luiz Henrique Lopes, explica que a fiscalização está concentrada nas grandes cidades, onde os números absolutos são maiores:

— É natural que a prioridade recaia onde o trabalho infantil é mais alarmante, como Brasília, São Paulo, Curitiba, Santo André e São Bernardo do Campo.

Para Erivelton Pires Guedes, do Ipea — órgão que fez parte do time de instituições que prepararam o IDHM — a boa notícia é que, na faixa etária que vai dos 11 aos 13 anos, os municípios do Sul têm elevado índice de crianças na escola e na idade correta do ensino fundamental. Os percentuais de frequência nas cidades vão de 88,58% a 100% em Rio Fortuna, cidade que também exibe o maior percentual de trabalho infantil (66,9%).

— Apesar do problema do trabalho infantil, esses municípios conseguem pôr as crianças na escola. Existe uma perspectiva para elas, ao contrário do que ocorre no Norte — afirma. — Mas é claro que uma criança que trabalha e estuda não tem o mesmo rendimento de outra que não trabalha, o que vai se refletir no mercado de trabalho, freando a redução da desigualdade mais à frente — ressalva.

Não é surpresa que trabalho precoce possa coexistir em cidades com altos índices de escolarização, na avaliação da secretária do Forum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Oliveira. Segundo ela, apesar de os programas de transferência de renda contribuírem para elevar o número de crianças na escola, não asseguram que elas não trabalhem.

— Há ocultação do trabalho precoce — afirma.

Falha em mostrar desigualdade

Especialistas consideram que o indicador de desenvolvimento humano ainda precisa trazer à tona a desigualdade social presente no país. Para Flavio Comim, professor de Cambridge, o indicador de desenvolvimento humano deveria ser corrigido pela desigualdade, a exemplo do que ocorre no IDH global. Esse índice, que tem metodologia diferente da do indicador municipal, em 2012 apontou o Brasil na 85ª posição, entre 187 países. Porém, quando sofreu o ajuste pela desigualdade, mostrou queda para o 97º lugar.

O coordenador da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, também considera que o IDH não revela a desigualdade. A entidade divulgou um relatório recente sobre as piores formas de trabalho infantil, no qual o rural está incluído.

— Em Santa Catarina, o trabalho infantil rural é uma realidade. As perguntas são: como afastar crianças da atividade produtiva e garantir o orçamento familiar e como passar para o filho aquilo que se sabe sobre a terra, sem obrigá-lo a trabalhar — afirma.