Economia

Petróleo é ‘a alavanca do crescimento futuro’, diz Carlos Langoni

Ex-presidente do Banco Central afirma que maior problema do Brasil, atualmente, é a dívida interna

RIO - Há alguns meses, Carlos Langoni se encontrou com Paul Volcker em um café em Nova York. Os dois ficaram amigos na década de 80, logo após o segundo choque do petróleo. Ele, como presidente do Banco Central; e Volcker, na liderança do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Surpreso com a desaceleração atual da economia brasileira, o americano perguntou para Langoni qual era, afinal, o problema do país, já que não tinha mais dívida externa. Langoni refletiu por dois segundos e disse: "Hoje, é a dúvida interna". O economista, que teve papel central na renegociação da dívida brasileira, classifica hoje o petróleo como "a alavanca do crescimento futuro".

Qual é o principal problema hoje do país, 40 anos depois do choque?

A FGV Projetos e Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos organizaram um evento em NY neste ano. Antes do evento, fui tomar um café com Volcker. Ficamos amigos nos anos 80. Conversando, o Volcker me perguntou qual era o problema do Brasil hoje, já que havia superado os problemas dos anos 80, como a dívida externa. Eu disse que era a dúvida interna.

Como vocês se conheceram?

Em 81, um ano antes da crise da dívida, chamei o Volcker para inaugurar o Banco Central (BC) em Brasília. Ficamos muito amigos. E foi a primeira viagem dele à América Latina. Ao inaugurar o cofre do BC, onde estavam as nossas reservas de ouro, ocorreu algo engraçado. Ao abrir aquele cofre imenso, havia só uma pilha pequena de ouro. E ele disse "Those are your reserves?". Aí, quando a veio a crise da dívida, no ano seguinte, eu fui a casa dele. Ele tinha um apartamento na Madison e eu ia com a minha HP. Eu ia sábado de manhã para lá. Ele fazia o café. Ele perguntava qual era o fluxo de caixa da semana. E eu, com a minha HP, já que não tinha computador, fazia meus cálculos e falava -500, -600, -1,5 bilhão. Ele pegava o telefone e começava a ligar. Primeiro, ligava o Banco Central da Inglaterra, depois para o BC alemão, que eram os principais da época. E conseguia um pouco de cada. E eu começava a ligar para os bancos privados (do Brasil), pois uma coisa que fizemos foi criar o comitê dos bancos, para que eles refinanciassem as dívidas. Era corpo a corpo.

Qual é o papel do petróleo hoje em contraste ao que representava há 40 anos?

Esse petróleo, que foi o causador de uma grave crise e provocou a renegociação da dívida e a suspensão de pagamentos; hoje, 40 anos depois, pode se transformar na grande alavanca do crescimento futuro do Brasil, gerando, inclusive, recursos para ajudar o país a resolver seu déficit social, como o atraso em capital humano e em educação. A mudança do papel do petróleo para economia brasileira é emblemática. Deixou de ser um fator negativo para se transformar no motor futuro da economia. Poderá mudar as contas externas e ajudar a manter o Brasil numa posição favorável, atraindo capital externo. Assim, esse petróleo, que derrubou o modelo estatizante, baseado em substituição de importações, agora, vai obrigar o Brasil a entrar num novo modelo de desenvolvimento, intensivo em inovação.

Mas o pré-sal pode atrapalhar o processo de diversificação da economia brasileira?

Eu digo que Deus é brasileiro porque a descoberta do pré-sal ocorre com uma economia estabilizada e uma indústria diversificada. Assim, não vamos criar uma dependência do petróleo, como a Venezuela, que sacrificou seu processo de crescimento por ter descoberto petróleo num estágio inicial. O mesmo ocorreu com os países do Oriente Médio, que só agora procuram diversificar.

De que forma o choque alterou o modo de se pensar no desenvolvimento?

As dores oriundas dos choques levaram a uma mudança radical no pensamento econômico de olhar o desenvolvimento. Naquela época, havia uma discussão acadêmica de que a inflação era um lubrificante do crescimento. Mas o efeito do choque acabou com essas teorias, de que era possível conviver com a inflação alta através da indexação. E o plano real é um filho, talvez não tão legítimo, que apareceu anos após a crise do petróleo. Na justificativa política do Plano Real está todo o trauma do segundo choque do petróleo. E a economia brasileira começa a entender que a estabilidade é pré-condição para o crescimento sustentável e que o ajuste começa com o estimulo às exportações e não com a restrição das importações, já que, lá atrás, acreditava-se que as economias periféricas só se desenvolveriam com a substituição das importações e não com as exportações, que era o modelo seguido pela Ásia.

O Brasil ficou perto do racionamento ao longo dos anos 80?

Em uma das reuniões, o presidente (João) Figueiredo disse que estávamos em um processo de renegociação da dívida e falou para a gente fazer de tudo, mas não racionar petróleo. O Ueki (Shigeaki Ueki, ex-presidente da Petrobras) havia me ligado e disse que só tínhamos dois meses de estoque para consumo e lembrou que havia um navio parado na Arábia Saudita, pois eles não estavam aceitando a carta de crédito do Banco do Brasil (BB). Peguei um avião e fui para a capital da Arábia Saudita. O Brasil não tinha mais crédito para importar petróleo. Após uma semana por lá, consegui um financiamento do BC saudita. Eles fizeram um depósito no BC do Brasil de US$ 1,2 bilhão, que foi transferido para a conta da Petrobras no BB. E a nossa garantia era o apoio do FMI. Foi isso que salvou o Brasil do racionamento. O verdadeiro milagre foi atravessar a crise da dívida externa de 1982 sem racionar petróleo.

Existe paralelo da crise dos anos 80 com a crise atual?

A crise atual é diferente, pois não houve uma disparada na inflação. Além disso, não havia nenhum super emergente, como a China. Então, o mundo vivia em torno das economia avançadas, como EUA, Europa e Japão. A China começa o seu processo de liberalização econômica a partir dos anos 80 devido, em grande parte, ao impacto do choque do petróleo. O Brasil quebrou após dois choque de petróleo, e o ajuste veio de forma compulsória. Fazendo um paralelo com a crise atual da dívida soberana de países periféricos da Europa, como Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, os governos também não reconhecem que um ajuste voluntário tem custo social menor e é muito mais suave que um ajuste compulsório, como o que aconteceu com o Brasil, quando a dívida ficou impagável com o aumentos dos juros internacionais. Sabemos hoje que crescimento com endividamento não dá certo.

E como o senhor avalia hoje o papel da Opep?

No início era muito coeso, homogêneo e conseguiu uma coordenação em elevar o preço e limitar a produção. Isso funcionou bem durante um certo tempo. Mas, o aumento do petróleo foi tão brutal que resultou em uma recessão mundial e uma menor demanda por petróleo. Foi um tiro no pé. Assim, começaram a surgir divergências dentro do cartel. Os países com as maiores reservas, como Arábia Saudita, Kuwait, e outros países da região, conseguiram resistir. Mas outros, como a Venezuela, tiveram dificuldade. Com o tempo, essa ação coordenada perdeu substância e relevância. Mas a Arábia Saudita continua sendo o que chamamos de o banco central do petróleo, e continua sendo o país fundamental para ajustar a produção e influenciar o preço em momentos de recessão como tivemos em 2008 e 2009. A Arábia aprendeu que existe um nível ótimo de preço do petróleo, que gera receita sem levar o mundo a uma nova recessão. Hoje, a tendência da importância da Opep é declinante.