Economia

O nó do Pró-Álcool: setor de etanol vive crise, com preços da gasolina artificialmente baixos

Falta de estrutura de armazanemento e substituição por produção do açúcar prejudicam segmento
Máquina trabalha em fazenda de cana de açúcar, na cidade de Colômbia (SP) Foto: Dado Galdieri / Bloomberg
Máquina trabalha em fazenda de cana de açúcar, na cidade de Colômbia (SP) Foto: Dado Galdieri / Bloomberg

RIO - Criado em 1975 como principal antídoto à crise da alta do preço do petróleo de 1973, o etanol sofre agora pelo preço artificialmente baixo da gasolina. Segundo especialistas, o setor vive a pior crise desde o fim dos anos 1980, quando muitos temeram pelo fim do Pró-Álcool.

Outrora salvador do combustível verde, o carro flex ajuda a agravar os problemas do biocombustível, ao facilitar o retorno à gasolina. Assim, dizem analistas, o Brasil deve se tornar exportador de petróleo antes de ser um grande fornecedor de biocombustíveis.

O principal vilão do combustível feito a partir da cana são os preços baixos da gasolina. Além de enfraquecer o caixa da Petrobras, a medida torna o preço do álcool menos competitivo. A popularização da regra que indica que o etanol só vale a pena quando seu preço for inferior a 70% do valor da gasolina tem jogado contra o álcool. Além disso, há a falta de estrutura de armazenamento e a cobiça de alguns produtores, que abandonam o combustível e ampliam a produção de açúcar ao sabor das cotações internacionais. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o consumo de etanol no país caiu de 16 bilhões de litros em 2009, quando representava 45% do total, para cerca de 12 bilhões de litros previstos para este ano, menos de 30% do mercado de combustíveis.

- Estamos reféns do preço da gasolina. E o mercado de açúcar, que sustentou o setor nos últimos anos, também está complicado - disse Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica.

Ele afirma que o álcool anidro, que é acrescentado na gasolina, já está "melhor resolvido" depois que o governo elevou seu percentual para 25% no combustível e criou uma nova sistemática de compra do produto.

O maior problema, diz, é no etanol, o álcool hidratado. E o setor externo não é uma opção tão fácil: Pádua lembra que as exportações de etanol baixaram de 3,4 bilhões de litros no ano passado para 2,7 bilhões de litros neste ano.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), lembra que o etanol ficou em segundo plano após a descoberta do pré-sal, levando, consigo, a política para outros biocombustíveis, como o biodiesel. Ele afirma que o Brasil perde competitividade em um setor onde tinha ampla vantagem, a ponto de, hoje, os Estados Unidos terem o dobro da produção brasileira de etanol e exportarem ao Brasil, na entressafra da cana, o combustível, feito de milho (menos eficiente):

- Até 2008, o presidente Lula vendia a ideia de que o Brasil seria a Arábia Saudita verde, mas tudo mudou com a descoberta do pré-sal. Agora, com essa política de preços da gasolina, o governo está acabando com dois ícones nacionais: a Petrobras, que está sem caixa, e o etanol.

Pires lembra que o governo tinha uma verdadeira cruzada para que os EUA aceitassem o etanol, o que ocorreu e não gerou novos negócios. Ele ainda lamenta que as grandes empresas brasileiras do setor, que chegaram a patrocinar Emerson Fittipaldi na Fórmula-1, agora estão nas mãos de estrangeiros.

José Carlos Hausknecht, sócio da consultoria MB Agro, aponta que a crise no setor de etanol deve perdurar, ao menos, de três a quatro anos. Segundo ele, mesmo que o governo crie uma nova política de preços mais realista para a gasolina, isso ainda demora a fazer com que os investimentos voltem ao setor:

- Deve haver uma nova consolidação do setor: 16% das empresas estão muito endividadas.

As novas tecnologias, que em tese podem dar novo fôlego ao etanol, ainda dependem de escala para se tornarem viáveis. A fronteira está nos chamados etanol de segunda e terceira geração, feitos a partir de bagaço de cana, novas plantas e até algas. Mas o Brasil pode crescer justamente no etanol de milho. E isso deve ocorrer devido aos problemas de logística e às dificuldades nos preços internacionais do grão.

- Hoje, no Centro-Oeste, há 84 usinas de etanol de cana que podem se transformar em usinas flex e operar na entressafra com milho. Cada uma delas poderá processar até 200 mil toneladas de milho por ano. E, a cada tonelada de milho, geramos 380 litros de etanol e 240 quilos de um concentrado proteico, mais indicado para ração animal que o farelo de soja - afirma Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que realizou mês passado o Primeiro Fórum Nacional do Etanol de Milho em Sorriso (MT), pois o produto é complementar ao cultivo da soja.