17/03/2015 06h23 - Atualizado em 17/03/2015 11h12

Relatório revela rotina de violência e divisão de facções no Degase, RJ

Encarceramento aumentou 40% nos últimos anos, afirma Alerj.
Funcionário detalha divisão por facções dentro de unidade socioeducativa.

Henrique CoelhoDo G1 Rio

Segundo ex-funcionário, celas do Degase são divididas por facções criminosas (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)Segundo ex-funcionário, celas do Degase são dominadas, na maior parte, por facções criminosas
(Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

A morte de um jovem de 15 anos dentro de uma unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), na ultima sexta-feira (6)  chamou a atenção para a violência e as condições de encarceramento das unidades que atendem adolescentes no Rio. Em menos de um ano, foram três mortes nas instalações do Degase, segundo informações do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura da Assembleia Legislativa do Rio.

Em seu relatório anual de 2014, que deve ser apresentado em abril de 2015, o Mecanismo aponta que a tortura cometida por funcionários contra internos e entre eles mesmos é comum e cruel em suas mais variadas formas.

Segundo o documento, agentes dão socos, pontapés e xingam para tentar manter o controle. Caso não dê certo, são utilizados recursos como espancamento coletivo, sanção disciplinar coletiva, uso indevido de algemas, sprays de pimenta e em alguns casos, apontados em relatórios anteriores, utilização de barra de ferro ou madeira.

Os adolescentes, que teriam nas unidades uma chance possível de reeducação, encontrariam nos corredores da Escola José Luis Alves e do Centro Socioeducativo Dom Bosco, ambos na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, a mesma divisão em facções criminosas que há do lado de fora. A violência entre eles devido à disputa entre esses grupos é contínua:

"Percebemos que este aspecto é levado em conta na hora de dividir os jovens", explicou Fábio Simas, um dos seis membros que compõem o Mecanismo.

Segundo ele, chama a atenção o aumento de encarceramento de jovens:  de acordo com o relatório anual, o número de adolescentes privados de liberdade no dia 04 de julho de 2014, se comparado à mesma data nos anos de 2011 a 2013, aumentou mais de 40%: de 1005 em 2013 para 1487 em 2014.

Entre os aspectos mais problemáticos, ainda de acordo com ele, estão a militarização da direção das unidades e a lógica de penalização em vez da socioeducativa. “Observamos o uso excessivo de algemas e sprays de pimenta nas unidades, além da falta de elaboração e aplicação de um plano político pedagógico”, afirmou.

Mortes no Rio e no Interior
No caso do jovem de 15 anos, assumido pela Divisão de Homicídios, a Polícia Civil afirmou ao G1 que houve um desentendimento interno entre jovens da mesma facção, e que esses desentendimentos teriam causado a morte do interno. O caso segue sendo investigado.

Um caso de morte ocorrido em 26 de março de 2014 mostra que, mesmo com a interação entre facções ocorrendo apenas nos horários de refeição, tragédias podem acontecer. Na ocasião, a galeria Comarca da Gense Dom Bosco, o antigo Instituto Padre Severino, foi palco da morte do jovem Renato S. de Oliveira, de 17 anos.

O diretor afirmou ao Mecanismo que, quando Renato chegou à unidade, afirmou ser de uma facção, mas os garotos do alojamento teriam contado que ele era na verdade da facção "Terceiro Comando” e este teria sido o motivo do homicídio. Os responsáveis pelo crime foram transferidos para outra unidade socioeducativa.

Em julho de 2014, mais uma morte, também na mesma unidade Dom Bosco. Marcos Antônio dos Santos Tavares, de 17 anos, tinha acabado de chegar à unidade e passava pela primeira vez pelo sistema socioeducativo após ser aprendido pela primeira vez em Petrópolis, na Região Serrana do Rio. Por volta das 18h do dia 8 de julho, após sofrer agressões físicas, Marcos fora asfixiado com um lençol por outros quatro adolescentes.

“O assassinato foi motivado por rivalidade no sentido de pertencimento a facção de vendas de drogas ilícitas. Os adolescentes da cela 32 se diziam pertencer ao 'Comando Vermelho' e Marcos Antônio, segundo informações da direção da unidade, embora pudesse também pertencer a mesma facção, comprava drogas em favela pertencente à facção 'Terceiro Comando' no município do Rio de Janeiro e revendia em Petrópolis. Acrescenta-se o fato que o adolescente assassinado fazia uso abusivo de drogas e realizava tal atividade de comercialização para custeamento de seu uso””, diz trecho de ofício enviado à Alerj no dia 18 de julho.

Maiores de idade na unidade
Segundo o depoimento de um ex-funcionário do Departamento, a Escola José Luis Alves, onde o jovem de 15 anos foi torturado e morto por outros quatro internos, tem as 28 celas divididas em facções.

"São 23 do Comando Vermelho, 1 do seguro, 2 do Terceiro Comando Puro (TCP) e 2 da ADA", explicou o ex-funcionário, que não quis se identificar ao G1.  Segundo ele, os jovens internados atualmente na instituição são violentos e não respeitam as regras. "Na Escola José Luis Alves, é quase impossível conseguir cobrar disciplina deles", afirmou.

Segundo dados do Relatório Anual do Mecanismo, no Centro Socioeduativo Dom Bosco,  378 adolescentes estavam internados no dia 4 de março, sendo que haviam ingressado mais 40 no momento da inspeção.  A galeria não desativada do antigo Padre Severino que conta com o maior número de adolescentes se encontra em péssimas condições: umidade, sujeira, acúmulo de lixo, instalações elétricas precárias com fios soltos e um forte odor de urina. Há uma informação sobre casos de adolescentes contraindo caxumba.

Na Escola José Luis Alves, onde o jovem morreu na última sexta-feira (7), havia 190 adolescentes para uma capacidade de 112 e na galeria de internação provisória havia 38 para uma capacidade de 21 adolescentes. Na parte superior há dois alojamentos interditados por estar vazando água na sala de aula, a pintura está pela metade pois houve cortes de verbas pelo Estado.

O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado estuda uma ação judicial contra o estado pela responsabilidade na morte do jovem. Eufrasia Souza, da Coordenadoria de atendimento à Criança e ao Adolescente da Defensoria, que cuida do caso, afirma que recebeu informações de que haveria pelo menos três maiores de idade no alojamento onde ocorreu o crime.

"Estivemos lá na quarta-feira anterior e ficamos assustado com a superlotação e as péssimas condições, além da violência", afirmou Eufrasia. Um grupo de defensores públicos visitou nesta sexta-feira (13) a família do jovem de 15 anos morto na última semana.

Em nota, o Degase afirma que os jovens são separados por local de moradia, compleição física e gravidade do ato infracional, e que "há fenômenos sociais que transpassam o muro das unidades. Cabe ao departamento administrar alguns conflitos e minimizar os riscos. Logo, há a separação dos adolescentes por local de moradia, compleição física e gravidade do ato infracional. Ressaltamos que há um trabalho técnico intenso para desmistificar os símbolos fáticos de poder que são representados e empoderados por essas facções", afirma a nota.

A respeito dos casos de tortura cometidos por agentes, o Degase afirma ainda que, para inibir possíveis situações de crise, é realizada capacitação constante dos agentes socioeducativos (capacitação inicial 250 horas e continuada). Segundo o departamento, este é o único sistema socioeducativo do país que conta com uma Coordenação de Segurança e Inteligência que atua nas ações de prevenção e internação nas unidades de atendimento socioeducativas.

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