Oito meses se passaram desde a saída de Renato Gaúcho do Fluminense. E durante todo esse tempo o GloboEsporte.com tentou falar com o treinador. A quinta passagem pelas Laranjeiras havia terminado de forma silenciosa. Renato saiu sem dar entrevistas, mas com muito a dizer. No apagar das luzes de 2014, reconheceu que foi vencido pelo cansaço. Na conversa num bar em Ipanema, Zona Sul do Rio, não evitou qualquer assunto. E foi sempre direto.
- O Cristóvão (Borges) é amigo
meu, me dou muito bem com ele. Mas os problemas todos eu resolvi. Cristóvão
chegou com tudo pronto, tudo bonito.
Renato é crítico ao comentar a decisão do presidente Peter Siemsen de trocar o comando técnico no início da temporada, sua resposta mais longa na entrevista de uma hora e meia. Diz que o mandatário se deixou influenciar e se precipitou. A análise sobre o fim do patrocínio com a Unimed também é dura.
- O clube vai andar com as próprias pernas, mas não
vai ser como a Unimed. Então não vai conseguir manter um time forte, pode ter
certeza disso. Não vai ter condições.
Renato se permitiu ficar sem trabalhar: "Tenho tudo na vida". Recusou convites de
clubes da Série A por não considerá-los seguros e usou o tempo livre
para descansar, ir à praia, se divertir, monitorar a filha Carol e resolver problemas que empurrava com a
barriga. Mas o Fluminense é assunto recorrente, e a demissão foi indigesta.
Confira a íntegra da entrevista:
Como está a vida? O que você fez nos últimos oito meses?
Tranquilo. Vivendo, fazendo minhas paradas. Resolvendo meus
problemas particulares, curtindo um pouco a vida, fazendo tudo aquilo que não
posso fazer quando estou trabalhando. Jogar meu futevôlei, curtir minha filha,
curtir minha família, passear. E acima de tudo resolver muita coisa que vou
empurrando com a barriga quando estou trabalhando. Nada muda na vida. Normal.
Que tipo de coisas foi empurrando com a barriga?
Tudo mundo tem problemas para resolver. Alguns você precisa
resolver imediatamente. Outros pode jogar mais para frente. Eu tenho outros
negócios, outras coisas para fazer. Aproveitar a vida. Não sou aquele
treinador, e nada contra os que fazem isso, que não pode deixar de trabalhar mesmo
quando não estão precisando. Eu tenho minha vida, dou um tempo na minha vida,
troco de ares, refresco a cabeça. Vida de técnico é estressante demais. E eu
não sou aquele tipo de treinador, primeiro porque eu não preciso, que sai de um
clube e já tem que começar no outro. Tive convites. Até posso fazer isso, mas
em primeiro lugar tem que ser uma coisa boa. Segundo: se eu achar que minha
cabeça tem que dar um tempo, eu dou um tempo. Até porque o ano passado foi
pegado para mim lá no Grêmio. Aí troquei o Grêmio pelo Fluminense. Estava há
praticamente um ano e meio numa pauleira. Então, é justo que eu me dê um tempo.
Gosto de trabalhar e curtir a vida. Não faço só uma das duas coisas.
Que clubes te convidaram?
Tive convite do Bahia, tive do Criciúma. Os grandes
dispararam, estiveram bem desde o início do campeonato, não trocariam de
treinador. Tive esses convites, mas não quis pegar pelo motivo de que chegou num
determinado momento do campeonato que seria muito estressante, pela situação deles
no campeonato. Tanto é que os dois caíram. Aí você vê o planejamento. Muitos
clubes acham, e não é só o Renato, que um treinador vai chegar com uma varinha
mágica e vai salvar, apagar os problemas. Não é assim. E o último que apaga a
luz é sempre o culpado.
Já está sentindo falta de trabalhar?
Já, mas tinha de dar esse tempo pela pegada que eu vinha. Mas
ano que vem estou de volta. Daqui a pouco me acerto com alguém.
Tem convite?
Mais ou menos. Tinha que deixar acabar o Brasileiro e agora
vou ver o que aparece e se vai ser bom para mim ou não.
Você é treinador desde 2000 e no seu currículo trabalhou
muito mais por clubes do Rio. Além disso foram duas vezes no Grêmio, uma no
Bahia e outra no Atlético-PR. Tem vontade de migrar para outro estado?
Trabalhei em quatro estados. Tenho vontade, mas depende dos
convites, se os clubes querem também. Eu não deixo de atender ninguém. Aí vou
ver se é bom para mim ou não. Não depende do estado. Fui trabalhar no Bahia na
Segunda Divisão. Achei do c....! O Bahia é um p... de um clube! Precisa ser
mais organizado, tanto é que caiu. Tem uma p... de uma torcida! É uma p... cidade
para trabalhar! Fui amarradão, trabalhei lá 10 meses, só saí porque o Grêmio veio
com um caminhão. Não saí para o Grêmio porque estava na Segunda. O Grêmio veio com
um caminhão, é meu clube, quis salvar meu Grêmio que estava em 19º lugar e
levei à Libertadores em 2010, coisa que aconteceu de novo ano passado. O Grêmio
estava mal no campeonato, fui lá, e o Grêmio foi vice-campeão brasileiro. Se
tiver convites de outros estados, vou estudar. Lógico! Eu sou treinador. Se for
boa proposta, eu vou. Vou amarradão. Saí da Bahia com 45 graus e fui para zero
em Porto Alegre. E olha que é meu estado. Não preciso ficar desesperado para
trabalhar. Não vou pegar qualquer coisa e depois o Renato é o culpado. Não...
Está difícil achar clubes com projetos seguros para o
treinador?
Está. Muito difícil. Porque simplesmente às vezes nem é o
clube que é o culpado. A não ser que o cara banque. No Brasil, os caras querem
resultado para ontem. Não é assim, pô! É só olhar para os outros clubes. Todo
mundo vai ter problema. Não vai ser da noite para o dia que você vai chegar no
clube e resolver. O treinador já chega com um monte de problema. Quando começa
a resolver os problemas, daqui a pouco não chegam os resultados. E daqui a
pouco você é mandado embora.
Já digeriu a saída do Fluminense?
Não vou falar que não digeri e nem que digeri. Porque sou um
cara tranquilo, independente, entendeu? Agora, eu nunca falei, por exemplo, que
o Fluminense, que é um clube que gosto muito, que gosto muito da torcida, fiz
muito pelo clube, tinha muitos problemas. Se você parar para pensar, vai ver os
problemas que eu achei quando cheguei no clube. Uma que o Fluminense tinha
caído ano passado. Só não caiu por causa daquilo lá (perda de pontos de
Portuguesa e Flamengo). Cheguei com dez dias de pré-temporada para colocar o time em
campo. Trouxe Alexandre (Mendes), que é um grande preparador físico. E trouxe
um cara, que está lá hoje, que o Fluminense tem de dar graças a Deus, que se
chama Filé (fisioterapeuta). Então, você vai ver o que o Filé já fez pelo
Fluminense em pouco tempo. Nós chegamos e alguns jogadores não jogavam há cinco
meses. Acho que o Fred era um (ficou três meses em recuperação de lesão e mais
um em recuperação física). Carlinhos, Diguinho... Sei que eram cinco ou seis
que não jogavam há muito tempo. O Filé botou todo mundo em campo, começamos a
formar o time. Trouxemos o Waltinho com 112 quilos, e o Alexandre colocou ele
com 90 quilos, 92. E isso tudo durante o campeonato. E aí numa semifinal nós
perdemos para o Vasco. Nós tínhamos perdido um jogo na Copa do Brasil lá (derrota
por 3 a 1 para o Horizonte-CE), que era para a gente ter se classificado lá. É
só ver os gols que o Fred perdeu e que não costuma perder. Mas perdeu por falta
de ritmo. Aí perdemos para o Vasco, e o presidente, com os problemas dele, tem
todo direito, é o presidente, colocou o Cristóvão. O que mudou? Eu deixei tudo
pronto para o Cristóvão. Recuperei os jogadores todos. E o Cristóvão é amigo
meu, me dou muito bem com ele. Mas os problemas todos eu resolvi. Cristóvão
chegou com tudo pronto, tudo bonito. Saiu da Copa do Brasil daquele jeito
(goleada para ao América-RN no Maracanã), uma semana depois em dois jogos saiu
da Sul-Americana (contra o Goiás) e não conseguiu ir para a Libertadores. Eu te
pergunto: e aí? Será que o Peter não se precipitou? Mas, não vou me meter. Ele
é presidente, respeito, continuo respeitando o clube. Peguei muitos problemas
pelo que o clube viveu ano passado, as cobranças da imprensa, de todo mundo. E
aí, daqui a pouco, por outros problemas que não vale a pena eu tocar agora,
estourou em mim. Sem problema nenhum.
Você foi vítima da relação conturbada entre Fluminense e
Unimed? O Celso Barros não queria a sua saída, mas o Peter Siemsen venceu a queda de braço. Você foi bode expiatório?
Ia trocar por que, caramba? Se fosse por isso, o Cristóvão
disputou três campeonatos e deu no que deu. Nos outros clubes, treinadores
perderam dois, três campeonatos, e continuaram. O cara que entende um pouquinho
de futebol, que é um pouquinho inteligente, vai juntar as coisas e ver o que
aconteceu no Fluminense. Só isso. Mas está tranquilo. Cheguei pela porta da
frente, como vice-campeão brasileiro (com o Grêmio, em 2013), e fui embora
muito tranquilo. E até hoje todo mundo me liga. Jogadores, empregados,
comissão.
Você foi criticado por algumas pessoas internamente.
Alegavam que não fazia treinos coletivos e táticos. Peter não teria aprovado
seus treinos. Isso chegou para você?
Trabalho tático eu dava todo dia. Em segundo lugar, não
posso escutar um cara falar, por exemplo, o presidente, que não dou coletivo.
Em primeiro lugar, esse cara não entende nada de futebol. Começa por aí. Ou vou
ter que explicar que jogador começa a pegar ritmo com os jogos, e no Brasil se joga
a cada três dias, não pode dar coletivo porque o desgaste já é muito grande? O
entrosamento é natural. O trabalho tático é o que mais faço. Um cara que fala
isso é burro. Pode escrever que é burro, porque não entende. Se entende tanto,
por que não vai para a beira do campo ser treinador? Infelizmente, todos os
clubes têm esses cornetas que querem opinar sem entender. Tem esses caras que
buzinaram na cabeça do Peter, por exemplo, que eu te pergunto: cadê eles? Já
foram embora do clube. Um cara que não entende nada de futebol vai dar conselho
ao presidente. Vai lá na beira do campo, amigo. Não pode escutar quem não
entende nada. Dava o regenerativo na segunda, o tático na terça e os dois
toques. Vai reclamar dos dois toques? Então reclama com todos os treinadores do
Brasil. Então nenhum treinador é bom. O Cristóvão cansou de dar futevôlei. E o
Cristóvão não ganhou nada. O Felipão dava futevôlei na Seleção. E por isso é um
treinador ruim?
Você falou de pessoas que saíram, que Peter ouviu quem não
deveria. Uma dessas pessoas era o Jackson Vasconcelos?
Era um cara que estava no ouvido do presidente todos os
dias, que o presidente escutava. Se você não entende, fica calado.
Nota: Jackson é ex-assessor
da presidência e voltou ao clube este mês para ajudar Peter, por meio de sua
empresa, no processo de transição pelo qual a instituição passa após o rompimento
com a Unimed.A saída de Jackson do Tricolor se deu em agosto deste ano.
Após pressão de correntes políticas, inclusive da situação, por conta de
um suposto envolvimento na eleição do Vasco, através do candidato Julio
Brant, o dirigente deixou as Laranjeiras.
Existia essa influência?
Eu ouvia falar desse cara aí. Ouvia que era uma pessoa que o
presidente escutava.
Prejudicou seu trabalho?
Pergunta para o presidente.
Depois da eliminação na Copa do Brasil, Cristóvão correu
risco de demissão, mas ficou. Qual foi a sensação, já que com você foi diferente?Ficou com raiva?
Não. O Peter não tinha ninguém buzinando no ouvido dele. Se
tivesse alguém no ouvido dele, talvez não segurasse o Cristóvão.
Peter falou com você depois da saída?
Foi o (Ricardo) Tenório, que era o cara que tinha de falar da
demissão na época (ex-vice de futebol). Me dou com o presidente, só acho que ele escutou
quem não deveria ter escutado. Mais nada. Tanto é que foi provado no restante
do ano.
O tratamento que você teve do Fluminense foi o tratamento que um ídolo merece?
Aí você tem que ver da pessoa que trata, se ela tem essa
noção. Eu sei diferenciar de uma ou outra pessoa que não me trata como ídolo,
não posso misturar com uma torcida. Faço todo dia 10, 15, 20 fotos com
tricolores. Então tenho que saber separar. Se fui tratado como ídolo ou não,
não sei. Importante é ser idolatrado pela torcida. O que vale é a torcida.
Como você viu a decisão do Celso Barros de encerrar a
relação com o Fluminense?
Esse cara merece uma estátua no Fluminense. E vou falar uma
coisa: uma minoria que não sabe dar valor para o Celso Barros vai dar valor
pelo que vai acontecer no Fluminense.
E o que vai acontecer?
Quem tem que responder é o atual presidente.
Mas você conhece o clube, Renato. Você viveu essa parceria.
O que posso falar é que o doutor Celso Barros sempre bancou
um time forte no Fluminense. O clube vai andar com as próprias pernas, mas não
vai ser como a Unimed. Então não vai conseguir manter um time forte, pode ter
certeza disso. Não vai ter condições. Não estou falando da boca para fora. Não vai
ter condições. Não importa quem entre no lugar da Unimed. Não vai ter condições
de bancar um time forte como o doutor Celso sempre bancou. E a torcida não quer
saber de prejuízo, de dinheiro, quer time forte, quer ser campeã. Não é só no
Fluminense, é em qualquer lugar. Se o Fluminense vai conseguir bancar isso? Eu
quero ver.
Você teme que o Fluminense volte a viver dias muitos
difíceis?
Ah, não sei. Quem tem que responder é o presidente. Eu
espero que não, mas vou falar que infelizmente... as próprias pessoas que estão
lá hoje em dia estão falando disso. Que o ano que vem pode ser terrível sem a
Unimed. Mas isso já não é um problema meu. É um problema do presidente.
Como foi a conduta do Celso no episódio da sua saída? E de
lá para cá como está a relação?
Sempre foi igual. Como seria bom se nós tivéssemos mais
Celsos Barros no Brasil todo, em outros clubes. Teríamos times sempre muito
mais fortes, ele investindo, outras pessoas com o mesmo pensamento dele. Os
clubes poderiam segurar muitos jogadores que vão para fora. Celso Barros é um
cara que tem que estar sempre no Fluminense, como outras pessoas como ele
deveriam estar em outros clubes. Todo mundo ganharia com isso. A torcida, vocês
da imprensa, treinador, jogadores. Meu relacionamento com o doutor Celso Barros
sempre foi igual. Sempre tive prazer de trabalhar com ele na boa e na ruim. Até
porque eu já fiz muito pelo clube. Gostaria de continuar. Não me desceu ainda,
estou ainda entalado com a Libertadores (derrota na final de 2008), mas fiz o
gol de barriga, ajudei a dar o título da Copa do Brasil (como treinador, em
2007). Chegamos em terceiro naquele ano (na verdade, o Flu terminou na quarta posição no Brasileiro de 2007). Salvei o clube em alguns
rebaixamentos. É só ver meu trabalho em todos os clubes. Você vai ver.
Foi sua quinta passagem pelas Laranjeiras. Sempre que sai,
fica a impressão de que vai voltar. Saiu com essa sensação?
Eu saí pela porta da frente. Eu não sou brigado por ninguém.
O cara me mandou embora? Ele tem todo direito, tem a caneta. Você tem que
perguntar para ele (Peter) se foi justa ou não a minha saída. Tem que perguntar
para ele se foi precipitada. Agora, ninguém é eterno no clube. Então, sempre
entrei e saí pela porta da frente. Se um dia vou voltar para o Fluminense? Não
sei. Eu gostaria. Que fique bem claro que não tenho nada contra o Peter. A
única coisa que eu acho é que ele se precipitou. Mas ele tem todo o direito,
ele é o presidente.
Voltaria na gestão dele, que termina no fim de 2016?
Da minha parte problema algum. Para você ver, o Fluminense
me deve desde a minha saída. E eu nem sequer estou cobrando o clube, de tanto
que eu gosto do Fluminense. Me deve. O clube, não tem nada a ver com a Unimed.
Geralmente, a primeira coisa que as pessoas fazem é colocar o clube na Justiça.
Eu sempre gosto do diálogo.
No fim da temporada, com o time fora da Libertadores, muitos
problemas foram expostos, entre eles direitos de imagem e salários atrasados,
além de renovações indefinidas. Você também teve que administrar isso?
Sempre procurei resolver da melhor maneira possível.
Presenciei várias reuniões dos jogadores com o presidente e com o vice (Ricardo
Tenório na época). Procurei segurar daqui, segurar dali, que é o trabalho do
treinador. Mas sempre teve esse problema, desde que cheguei. Eu tinha que
segurar meu grupo. Agora, estavam no direito de reivindicar o que eles tinham
para receber. Conversava com a diretoria, falava com eles que tinha de pagar
jogadores. E falava com os jogadores que estava brigando por eles, que era o
meu papel. Agora, o dinheiro não sai do meu bolso. Eu não tenho a caneta. Só
que tudo estoura no treinador.
Esse ano falou-se muito da redução do investimento da
Unimed, principalmente depois da sua saída, em abril. Quando estava lá, a grana
já estava curta?
Não, não. Normal. Sempre pagou os caras em dia, tanto é que ninguém
se queixa da Unimed. Meu salário sempre esteve em dia, como o de todo mundo.
E para contratações?
Quando cheguei, conversava com o doutor Celso, conversava
com o Peter, sobre trazer jogadores. Grupo do Fluminense era muito forte.
Precisava de um ou outro. Waltinho veio para ajudar, emagreceu. Contratação
comigo praticamente foi o Waltinho. Teve o Chiquinho, que eu trouxe, que eu
sabia que era curinga. Veio praticamente de graça para o clube. Não sou
treinador que chega e peço um cara de dez milhões de reais. Trouxe o Chiquinho
da Ponte Preta, ninguém conhecia, e ele ajudou. Titular em boa parte da
temporada. Curinga que todo treinador quer. Jogou na lateral, na meia, como
segundo atacante. E eu que trouxe ele, porque assisto à Segunda Divisão. E deve
ficar. Se ele não ficar no Fluminense, outros clubes, ou eu mesmo se tiver em
outro clube, vou levar. Versátil e barato.
Alguns jogadores saíram do Fluminense, a permanência de
outros é incerta. É um ciclo que se encerra. Encara como normal?
Normal por vários aspectos. Precisa sempre renovar o grupo,
e também a Unimed não vai bancar mais. É o problema do dinheiro. Quem vai pagar
esses caras?
Vê a base pronta para ser usada?
Tem bons garotos lá, sim. Muitos bons garotos. Esse Marlon
vai ser um monstro. Se tiver sequência de jogos, vai longe. Tem o Elivélton, que
botei para jogar depois de dois anos. Tem que dar segurança para eles.
Há pouco falou do Waltinho, e o melhor momento dele no
Fluminense foi contigo. Ele deu uma entrevista quando o Brasileiro acabou e reconheceu
que não foi um bom ano. Seria diferente sob seu comando?
Se você perguntar de novo para ele pode ter certeza que ele
vai falar que não foi bom para ele desde a minha saída para cá.
Essa queda de rendimento e de dedicação dele está ligada a
isso?
Eu tenho uma qualidade que poucos treinadores têm. Que fique
bem claro que não estou criticando o Cristóvão. Sabe qual é? É você saber levar
o jogador. Mesmo quando não joga. O tratamento tem que ser igual com todo mundo
e sempre faço isso no meu grupo. Daqui a pouco pode inverter e eu vou precisar
daquele cara. Tem que saber levar o cara. Mesmo não jogando, o Waltinho estava
emagrecendo a cada dia, estava fininho, fazendo gols, me ajudando muito,
ajudando o Fluminense. Depois, ele largou. Por que ele largou? Pergunta se o
ano não foi ótimo para ele enquanto eu estava no Fluminense. A partir daí, tem
que perguntar para ele.
Era um risco contratar o Walter?
Não. Walter é um cara novo (25 anos), tem um potencial fo......,
fez muitos gols no Goiás, chegou ao Fluminense e emagreceu. É um p... jogador!
Vai falar das qualidades do Waltinho? Está de brincadeira! Um cara que fez 13
ou 14 gols no Brasileiro. Teve um ano maravilhoso no Goiás, é um jogador interessante,
muito interessante.
Como você trabalhava a cabeça dele?
Conversando com ele todos os dias. Eu confiava tanto nele e
ele confiava tanto em mim que me confidenciou um assunto muito particular dele,
ninguém sabe até a hoje, só eu sei. Eu o ajudei na parada, aconselhei, e ele
ficou com a cabeça boa para jogar. Então, pela confiança que ele tinha em mim,
me confidenciou esse problema. Quando ele te fala isso, é porque confia. Sabia
que gostava muito de mim. Quando saí, me ligou, mandou torpedo. Agora, essa é
uma grande qualidade de saber levar o jogador. E eu sei. Não foi só no Fluminense,
mas em todos os clubes. Essa qualidade você tem ou não tem. Eu sei do que
jogador gosta, do que não gosta. Sei como você tem que conversar com o jogador.
Eu joguei durante 20 anos. Tem que entender o problema deles.
Como foi trabalhar com o Fred? Vocês têm personalidade
forte, imaginava-se que poderia dar errado. Como foi a relação?
Muito boa, muito boa, muito boa, muito boa, foi ótima. O
Fred chegou à seleção brasileira graças ao meu preparador físico. Ele não
jogava há cinco meses, ele estava correndo contra o tempo. Eu falava com o
Parreira (ex-coordenador da Seleção), eles me ligavam, falava com o Felipão
(ex-treinador da Seleção) sobre o Fred. A gente dava um tratamento especial
para ele em termos de treinamento. Ele estava voltando de uma lesão muito
perigosa (muscular) e se sentisse aquela ou qualquer outra lesão não iria para
a Copa do Mundo. Eu conversava com ele diariamente. A gente fazia trabalho
especial, recuperando. Quando estava alcançando a forma ideal dele, eu saí. Meu
convívio com ele foi muito bom, conversávamos diariamente sobre a situação
dele, sobre o sonho de disputar a Copa, ele tinha que estar bem, tinha que
fechar a boa, tinha que treinar, seguir a programação do preparador físico e do
Filé. Tanto é que ele seguiu e foi embora. Inclusive eu banquei ele muitas
vezes. Muita gente falava que ele estava mal, que não conseguia correr, que
estava com medo de se machucar. Durante os jogos sempre banquei ele, sabia que
faria bem para a cabeça dele, mesmo ele mal. Daqui a pouco faria um gol e
chegaria bem na Seleção.
Mas o desempenho do Fred não foi bom na Copa. Fez um gol em
seis jogos. As críticas foram exageradas?
O problema não é exagerar ou não exagerar. Ele é um cara
diferenciado e foi cobrado. Ele não é um perna-de-pau, que ninguém queria na
Seleção. Ele foi com todo mundo apoiando, Felipão fez o certo, mas infelizmente
ele chegou num momento não muito bom na Seleção. Só isso. Não conseguiu
desenvolver o que sabia. Mas não dá para discutir as qualidades do Fred. Foi um
momento ruim na Copa do Mundo, tanto é que foi artilheiro do Brasileiro agora
(18 gols). Ele é um jogador que hoje em dia é difícil ver em outros clubes, ele
é de área.
Você tem história nos quatro clubes do Rio. Esse ano o
Flamengo chegou a ser lanterna do Brasileiro, o Vasco subiu sendo vaiado por
sua torcida, o Botafogo caiu e o Fluminense sofreu eliminações duras e não
chegou à Libertadores. O momento do futebol do Rio te preocupa?
É aí que eu falo da história do Celso Barros. O problema é
que os clubes não têm dinheiro para investir. E sem investimento você não faz
times fortes, a não ser que ache quatro ou cinco jogadores da base. Só que não
base não é da noite para o dia, tem que dar tempo para não queimar os garotos.
O problema dos clubes do Rio é dinheiro. O Fluminense teve a melhor campanha
porque teve a Unimed, tinha um grupo forte. Os outros não tiveram. E é aí que
eu falo: uma hora a conta chega. Não vai acontecer comigo? Vai sim. Não vou
cair? Mas a conta chega uma hora. E ela chega. Então, tem que ver o que
aconteceu durante o campeonato, se o grupo era forte ou não. É muito fácil
culpar treinador, mas o que ele tinha nas mãos? Tem que botar na balança e ver.
Consegue enxergar uma recuperação rápida?
Não adianta criticar o futebol carioca. O futebol carioca
vem assim há anos. É uma situação muito difícil. Até porque não tem jogadores
disponíveis no mercado.
Falta craque? Jogadores como Romário, Renato Gaúcho...
Isso não vai encontrar mais! Nos próximos anos não vai
encontrar. Só um ou outro, como o Neymar, que despontou agora. Não vai encontrar
esse tipo de jogador aí, não. Vai longe! Vai, vai, vai, vai! Não vejo assim nos
próximos anos. Talvez um desponte como o Neymar. Talvez Neymar só esteja na
lista dos melhores do ano porque joga no Barcelona. Merecidamente. Mas se
jogasse no Brasil talvez não estivesse.
Você tem 52 anos de idade e 34 de futebol. Já viu uma crise de
talentos tão grande?
Não. Na minha época eram oito craques para cada posição e
mais dez grandes jogadores para cada posição. Na própria Seleção o Felipão teve
que quebrar a cabeça. E ele poderia convocar quem quisesse. No clube você não
encontra.
Viu futebol nesses oito meses?
Vejo tudo. Primeira e Segunda Divisão. Quase não saio, então
vejo tudo. Até porque amanhã ou depois eu estou trabalhando e sei onde buscar.
Foi como aconteceu lá no Grêmio. Em 2010, levei três ou quatro jogadores que
ninguém conhecia. O Paulão, esse que está no Inter, chegou de graça
praticamente ao Grêmio e depois de sete meses foi vendido por U$ 3,5 milhões.
Eu conhecia, da Segunda Divisão.
Disse que aproveitou que está sem trabalhar para cuidar da sua filha.
Ela está agora na televisão. Leva jeito?
Ela faz entrevistas. Ela não precisa, mas tem o salário dela,
dinheiro dela. Se quer fazer, faz. Deixa ela curtir, dando cabeçada na vida, ir
aprendendo.
Ela pediu permissão para trabalhar com isso?
Lógico. Apesar de ter 20 anos, ela perguntou e eu deixei. Mas
se digo que não é não. Falei que ao vivo ela não estava preparada.
E gosta de assistir?
Não consigo, fico nervoso. Pai é assim. Você é pai? Não? Então
quando você for pai você vai ver.
Nesse tempo em que você ficou calado ela postou dois vídeos em
que você aparecia. Gostou?
Tomou muita dura. Ela tem mania de ficar gravando, daqui a
pouco ela vai lá e solta. Aí toma dura. Eu peço para ela não entrar muito. Ela é repórter de um programa de televisão, mas rede social eu corto o barato dela,
acho que está saindo muito.
É muito parecida com você?
Totalmente. Divertida, tem personalidade forte. Ela não tem
maldade, não vê lá na frente. Mas eu já vejo, por isso eu travo. Ela segue a
vida dela, tudo que ela faz ela pergunta, controlo, dou conselho, mas é
independente. Ela ganha dinheiro para caramba, faz eventos. Eu aplico. Pago
imposto de renda para sobrar dinheiro para ela. Quem cuida do dinheiro dela sou
eu.
Você está feliz com a sua vida pessoal e profissional?
Eu fui muito vitorioso como jogador, estou sendo como treinador.
Sou um cara novo, totalmente independente, tenho tudo na vida. O que me
deixaria triste? Tenho tudo. Tudo com meu suor, meu trabalho. Deus me deu tudo,
saúde, venci na minha profissão. Sou muito feliz. Me dou o prazer de ficar um
tempo sem trabalhar.
O que quer mais do futebol?
Ajudar, principalmente os moleques. Os caras que trabalharam
comigo podem falar do meu trabalho. Quero ajudar a classe, formar jogadores,
fazer vencedores. Fazer minha parte.
E conquistas pessoais?
Chegar numa seleção brasileira. É o sonho de todo treinador
e tenho que sonhar. Sou um cara novo e quero chegar.
Quando o Dunga, que é um cara jovem, chega lá, dá mais
confiança?
Chegar na Seleção cada um chega por suas qualidades, seus
méritos. O Dunga chegou sem ter treinado um clube. É certo? Eu acho errado. Foi
com o Dunga, poderia ter sido com outro. Para ser técnico, tem que ter uma
certa experiência. Mesmo trabalhando com os melhores. Ele foi sem nunca ter
treinado o clube. Saiu, treinou o Inter um tempo, saiu e voltou para a Seleção.
Não acho certo isso, mas não sou eu que vou falar. Acho que não é uma coisa
certa. Para ser treinador de Seleção, tem que mostrar no clube. Como é com jogador. Acho que um técnico chega
por méritos, nós temos grandes técnicos. Não tenho nada contra o Dunga, é meu
amigo. O método da CBF eu acho errado. Não que não tenha valor, mas tem que
provar num clube que tem condições de ir para a Seleção. Não gostaria de ter
chegado numa Seleção sem ter treinado um clube. Não aceitaria, chegaria
perdido. Em Seleção tem que chegar mais consciente, sabendo das coisas.
Você sempre falou o que pensa. Dia desses Fred falou
publicamente sobre atrasos de pagamento no Fluminense, incertezas sobre o ano
que vem. O que achou?
Eu acho certo. Chega num determinado que o cara tem que se
posicionar. As pessoas não sabem o que está acontecendo. Ele falou porque
mostrou. Ninguém se manifestou do outro lado porque sabem que ele tem razão,
não está mentindo. E falou na boa. Bato palmas. Não pode deixar dúvidas. Falta
personalidade mesmo. Hoje em dia o cara quer falar o que o assessor quer. Mas nem
sempre os assessores estão certos.
Teve de se segurar nesses oito meses para não falar o que
gostaria? Se segurou porque era o Fluminense?
Todo dia recebo quatro ou cinco convites para fazer matéria.
Quando não estou trabalhando, evito entrevista. Os caras vão levar para o outro
lado. Fico mais vendo do que falando.
Você tem desafetos?
Não. O único que eu tinha mais ou menos era o Telê (Santana, falecido
em 2006), porque me cortou da Copa do Mundo (de 1986), mas depois fiz as pazes. Não tenho inimigos no futebol. O cara que é meu inimigo é traíra. Não
tenho inimigos no futebol e na vida pessoal. Pelo jeito que sou. Não agrado
a todo mundo. Se o cara não quer falar comigo, não tenho problema nenhum. Mas não
tenho inimigos. Onde eu chegar eu chego bem, chego de cabeça erguida.
É comum nas suas entrevistas falar do lado conquistador. Mas
eu não perguntei dessa vez. Significa que você está em baixa?
Estou devagar, estou devagar... (risos).
Te vejo quando na ativa?
Ano que vem, com certeza. Sem dúvida.