29/01/2015 12h03 - Atualizado em 29/01/2015 18h47

Tortura policial é 'problema crônico' no Brasil, diz Human Rights Watch

Entidade analisou denúncias de agressões a detentos.
Relatório aponta alta letalidade policial e desrespeito a direitos humanos.

Tahiane StocheroDo G1, em são Paulo

Presos denunciam casos de tortura no presídio de Jequié, na Bahia (Foto: Defensoria/Divulgação)Presos denunciam casos de tortura no presídio de Jequié, na Bahia, tipo de situação que foi destacada no relatório do Human Rights Watch (Foto: Defensoria/Divulgação)

Relatório da entidade Human Rights Watch (HRW) afirma que o Brasil precisa ainda superar problemas envolvendo tortura por agentes policiais, execuções e as condições desumanas das prisões. A organização classifica a tortura como um "problema crônico" nas forças de segurança e centros de detenção do país e também critica o excesso de uso da força letal por agentes, em especial em casos de São Paulo e no Rio.

O levantamento divulgado nesta quinta-feira (29) analisa a proteção aos direitos humanos em 90 países.

A tortura é herança da impunidade. O fato de agentes saberem que não serão punidos propicia que [a tortura] permaneça e este problema é crônico"
Maria Laura Canineu, diretora do Human Rights Watch no Brasil

Entre janeiro de 2012 e junho de 2014, o centro de ouvidoria nacional do HRW no Brasil recebeu 5.431 denúncias de tortura, crueldade, desrespeito ou tratamento degradante - cerca de 181 reclamações por mês. As denúncias são de todo o país e foram feitas por um serviço de atendimento telefônico disponibilizado pela organização.

Já sob custódia
Dentre as denúncias, "84% se referem a incidentes em que o detido já estava sob custódia do estado. Isso mostra a disseminação do problema em todo o território brasileiro", afirma Maria Laura Canineu, diretora da entidade para o Brasil.

"A permanência da tortura é um dos pontos mais sensíveis na proteção de direitos humanos no Brasil. Em pelo menos 64 casos de tortura analisados por nós entre 2010 e 2014 em cinco estados (PR, SP, ES, BA e RJ), mais de 150 agentes públicos, policiais civis, militares, agentes penitenciários e socioeducativos, foram identificados."

Canineu disse que os casos são inaceitáveis para esse "estágio da democracia": "As ações ocorrem nas ruas, nas viaturas, nos centros de detenção, nas cadeias. E os métodos são os mais cruéis, como choques, espancamento, violência sexual, ameaça e outros métodos que, no nosso estágio da democracia, a gente não espera ainda que haja".

"A tortura é herança da impunidade. O fato de agentes saberem que não serão punidos propicia que [a tortura] permaneça e este problema é crônico. É a sensação absoluta de impunidade", declarou a diretora.


Raramente na Justiça
Segundo o HWR, agentes governamentais que cometem abusos contra internos raramente são levados à Justiça. "Em uma notável exceção, 73 policiais militares foram condenados por homicídio entre 2013 e 2014 devido à participação na morte de 111 detentos em 1992 na penitenciária do Carandiru, em São Paulo", diz o texto.

Em julho de 2014, a presidente Dilma Rousseff apontou 23 membros para o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Eles terão autoridade para conduzir visitas a centros de detenção civis e militares e requisitar investigações sobre possíveis casos de abuso aos direitos humanos.

Um caso de destaque em 2014 foram as execuções de detentos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão. Vídeos de presos sendo decapitados circularam na internet e a Corte Interamericana de Direitos Humanos solicitou em novembro do ano passado que o Brasil adote medidas para proteger a vida e a integridade dos presos maranhenses.

Ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Ideli Salvatti, comentou o documento. “Esta semana tivemos vários indicadores da violência que precisam ser enfrentadas no país por todos os poderes. O relatório apenas reforça a necessidade desse pacto nacional de enfrentamento à violência porque nós temos crescimento no índice de homicídios de adolescentes, da violência contra LGBTs e na ação das forças de segurança.”

Veja outros pontos levantados pela HRW em relação ao Brasil:

Violência policial

O estado de São Paulo mata muito mais do que a polícia da África do Sul inteira"
Maria Laura Canineu

O relatório destaca uma série de desafios na área de direitos humanos em relação à violência policial, além de impunidade registrada durante o período que o país esteve sob o regime militar (1964-1985). Segundo a ONG, nos primeiros nove meses de 2014, a polícia do Estado do Rio de Janeiro matou 436 pessoas - em São Paulo, foram 505 mortes registradas em incidentes policiais no mesmo período. São Paulo fechou o ano com 728 mortes em confrontos entre policiais e suspeitos, diz a ONG. Os números representam aumento de 97% em SP no ano.

"O estado de São Paulo mata muito mais do que a polícia da África do Sul inteira. Muitos policiais enfrentam situações de violência nas ruas. Mas registramos nos últimos anos casos em que a polícia mata e registra isso como resistência advinda de tiroteios", disse a diretora no Brasil.

O G1 entrou em contato com a Polícia Militar de São Paulo e não recebeu um posicionamento da corporação sobre as conclusões do relatório.

O documento destaca incidentes registrados pelo excesso do uso da força durante os protestos contra a Copa do Mundo em 2014, incluindo prisões irregulares e abuso do uso de gases contra os manifestantes.

A organização diz que falhou a tentativa do governo de São Paulo de preservar o local em ocorrências que envolvem confrontos com bandidos. Uma resolução proibiu que equipes policiais façam o socorro das vítimas. Segundo o documento, a falta de equipes de emergência e de condições para investigar corretamente estes casos fez com que a medida não tivesse efeito, segundo a HRW.

Prisões lotadas
Outro ponto destacado pelo relatório é que o número de encarcerados no país cresceu 45% entre 2006 e 2013, excedendo em 37% a capacidade das prisões, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. O documento do HRW aponta que cerca de 230 mil indivíduos ainda estão em prisões consideradas "medievais" - no Piauí, esse quadro representa 68% da população carcerária do estado, a maior no país, onde os detentos enfrentam más condições sanitárias que propiciam a proliferação de doenças, diz o relatório.

O governo do Piauí enviou a seguinte nota sobre o conteúdo do documento:

"A Secretaria de Justiça do Piauí vem realizando um diagnóstico nas unidades prisionais do estado, com o objetivo de buscar melhorias e mudar esses indicadores negativos. Para o secretário estadual de Justiça, Daniel Oliveira, a humanização dos detentos é considerada uma prioridade e números como estes, apontados pela pesquisa, são lamentáveis e inaceitáveis. A Secretaria vai iniciar, em fevereiro, um Censo Penitenciário, que irá traçar o perfil de todos os presos e, assim, possibilitar um atendimento mais embasado e segmentado."

Liberdade de expressão
O documento destaca como positiva a lei que passou a proteger os direitos de privacidade e de liberdade de expressão online, que entrou em vigor no país em abril de 2014, e também a lei de acesso à informação, que permite às pessoas obterem dados do governo.

Aborto
O HRW afirma que os casos de abortos realizados em clínicas clandestinas continuam colocando a mulher no Brasil em grandes situações de risco, devido à criminalização no país da realização de aborto - salvo exceções, como em caso de estupro ou para salvar a vida da mulher.

Violência rural
Ativistas indígenas e lideranças rurais envolvidas em conflitos no país continuam a ser vítimas de ameaças e violências, afirma o relatório. Entre janeiro e agosto de 2014, 23 pessoas foram mortas em conflitos de terra. Em 2013 foram 15 vítimas, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.

Mundo
No panorama mundial, o crescimento do grupo extremista Estado Islâmico na Síria e no Iraque está entre os principais globais que desencadearam a relativização dos direitos humanos, aponta a organiação. O Estado Islâmico é acusado de execuções em massa e tem realizado decapitações de reféns ocidentais, com a posterior divulgação de vídeos de seus atos.

"As violações de direitos humanos em 2014 desempenharam um papel relevante na geração ou agravamento da maioria das crises atuais", disse o diretor-executivo da HRW, Kenneth Roth.

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