Coluna
Jorge Antonio Barros

O que deu errado nas UPPs?

Desvios de conduta, que dão o tom da tropa, não podem ser jogados para baixo do tapete nas favelas, onde a população se cansou de estar oprimida entre a cruz e os fuzis

Três anos depois de a reeleição do governador Sérgio Cabral no primeiro turno ter sido atribuída à vitória do projeto de policiamento comunitário nas principais favelas do Rio, as UPPs escorregam justamente agora na corrida eleitoral. A própria Secretaria de Segurança do estado entregou ao TRE um relatório apontando 41 áreas no Estado do Rio dominadas por tráfico ou milícia, que controlam a tal ponto o território impedindo que lá chegue a democracia. São áreas às quais só têm acesso os candidatos aceitos pelo crime ou por afinidade ou por acordos com a bandidagem. O número guarda um simbolismo. É superior em dois ao número das 39 UPPs.

O caso mais emblemático talvez seja o dos complexos do Alemão e da Penha, que têm oito das 39 UPPs. A operação policial que tomou o Complexo do Alemão das mãos do tráfico, com apoio decisivo dos blindados da Marinha, completará quatro anos no dia 25 de novembro. Foi resultado de um dos maiores cercos policiais já realizados no Rio. Na ocasião, os bandidos receberam até ultimato para se entregar, mas os chefes da quadrilha escaparam sem deixar vestígios. Um deles tem o apelido de Pezão, curiosamente o mesmo pelo qual é conhecido o governador do estado, que é proibido de fazer campanha naquele local. A mesma região onde, após a operação de guerra de 2010, foram hasteadas pela polícia as bandeiras do Brasil e do Estado do Rio.

A proibição a Pezão e aos candidatos governistas de fazer campanha no Alemão poderia servir até de propaganda favorável a eles. Afinal, são candidatos rejeitados pelo tráfico por representarem uma ameaça ao crime. Só que não. A imposição do tráfico significa em última (ou primeira) análise que os criminosos não perderam o controle daquele território, como apregoou o governo, e muitos moradores chegaram a acreditar.

De nada adiantou o Exército fazer um belo trabalho de ocupação, deixando o território “limpo” para as forças de segurança estaduais. Mesmo sem ostentar fuzis, mas armados de pistolas, os traficantes voltaram a dar as ordens no local, depois de promover até ousados ataques, assassinando policiais das UPPs. Alguma coisa deu errado ali, assim como na Rocinha e no Complexo da Maré. Das 41 áreas fora do controle do estado, dez têm UPPs.

Embora as UPPs não tenham apresentado nenhuma grande novidade (os pais do policiamento comunitário em favelas foram os DPOs, Destacamentos de Policiamento Ostensivo, e os PPCs, Postos de Policiamento Comunitário, das décadas de 60 e 70), o fato é que houve drástica redução nos homicídios com a retomada de algumas áreas. Em alguns locais, o tráfico promoveu apenas uma saída estratégica, escondendo fuzis, munição e drogas.

As UPPs foram uma resposta inteligente do poder público. Só que podem apresentar prazo de validade, se não vierem acompanhadas de investimentos sociais. No caso do Complexo do Alemão, a prefeitura do Rio anuncia que a área ganhou nove unidades de ensino e reformou outra, construiu uma Nave do Conhecimento, três clínicas da família, uma UPA, reformou um centro de saúde e implantou o projeto de habitação Morar Carioca, beneficiando 44.600 moradores. Que povo ingrato, não?

Para que uma UPP se consolide é preciso também haver monitoramento constante da capacitação e do desempenho dos policiais. O projeto precisa ser avaliado e o diagnóstico retroalimentar o planejamento. Desvios de conduta, que dão o tom da tropa, não podem ser jogados para baixo do tapete nas favelas, onde a população se cansou de estar oprimida entre a cruz e os fuzis, ora do tráfico, ora da polícia. A tortura e o desaparecimento do pedreiro Amarildo na UPP da Rocinha em junho de 2013 — apenas dois anos depois de instalada — abriram a torrente de críticas ao projeto.

O que afinal deu errado em algumas UPPs? Esta é a pergunta que o governo do estado deveria ter feito bem antes da sagrada hora das urnas. Se tivesse buscado com sinceridade uma resposta, poderia ter percebido que a UPP foi uma boa solução, mas imposta de cima para baixo, azeitada pela embalagem asséptica dos marqueteiros de plantão, sem levar em conta um aspecto crucial nas democracias: diálogo permanente com os cidadãos. Esse canal com certeza abriria as portas para a construção de uma cultura de paz, que derrubasse definitivamente a cultura do narcotráfico.

Jorge Antonio Barros é jornalista

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