A decisão de sair do aconchego da casa da avó, em 2004, não foi das
mais fáceis. Não para alguém de 20 anos, que iria passar os próximos
quatro em outro país. Mas o crescimento que desejava passava pela
Itália. Foi lá que a Sheilla
de hoje foi forjada, como costuma dizer. Uma década depois, a melhor
oposta do último Mundial se impôs um novo desafio. Fez as malas e
mudou-se para Istambul para defender o Vakifbank. Há um mês, vem se
adaptando ao estilo de jogo da equipe, assim como à nova rotina fora de
quadra. Além de uma professora de turco, com quem terá aulas a partir da
próxima semana, Sheilla também tem aprendido a comandar as panelas.
Por
necessidade e vontade. Janete Silveira, a amiga de longa data que trabalha como treinadora no vôlei
italiano, é a consultora oficial. Envia as receitas, dá as dicas e a
socorre, mesmo que a distância. O resultado tem sido compartilhado com
orgulho em seu perfil numa rede social. Candidata ao prêmio de Atleta da Torcida, promovido pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e com votação pela internet, a jogadora espera contar com o apoio de seus fãs para tentar colocar o troféu na galeria.
- Eu não tinha hábito de fazer comida sempre. Só fazia
quando dava aquele estalo. Mas era bem pouco
mesmo, porque eu tinha empregada em casa e ela deixava tudo pronto para mim.
Aqui estou gostando, estou fazendo muitos pratos italianos, massas e
risotos que são fáceis e, como eu chego cansada e com fome, já
quero descansar e dormir. De vez em quando faço uma carne, legumes, uma
coisa mais brasileira. Feijão ainda não, apesar de encontrar aqui,
porque não sei fazer mesmo - diverte-se.
Se o Brasil tem passado
poucas vezes pelo prato, ao menos o idioma se mantém no dia a dia de
Sheilla. As conversas com a búlgara Elitsa Vasileva, que vestiu a camisa
do Campinas na última temporada, e com Carolina Costagrande, argentina
naturalizada italiana, são muitas vezes em português. Ao lado delas, já conquistou o título da Supercopa.
- A
Carol fala também porque ficou muito tempo convivendo com
brasileiros quando jogamos na Itália. Éramos eu, Mari, Zé Roberto, o Angelo
e tinham
mais três brasileiras que viviam com a gente. O time
inteiro procura falar mais inglês porque é o idioma que todo mundo entende, mas
é há uma mistura de línguas enorme. Eu ainda não sei como chamar a bola
para a Naz Aydemir (levantadora).
Aqui são usadas algumas palavras turcas para isso, mas eu solto
italiano, às
vezes português ou inglês. Quero fazer aula de turco
porque é um idioma muito difícil e não entendo nada. A não ser as palavrinhas
básicas que aprendi como boa noite, bom dia, bola rápida, bom apetite. Se
não for isso, não entendo nada. Vamos ver se consigo aprender um
pouquinho. A gente tem que conhecer mais a outra em
quadra e elas são superatenciosas, querem me ajudar o tempo inteiro.
Estou gostando bastante daqui.
Principalmente da forma de trabalhar de Giovanni Guidetti. Antes de aceitar a proposta, Sheilla buscou informações sobre o técnico, que também comanda a seleção feminina da Alemanha. As referências foram as melhores e comprovadas neste primeiro mês de treinamento. Sob o comando dele, o Vakifbank ergueu duas vezes o troféu da Champions League (em 2011 e 2013).
- Tinham dito que ele
era um dos melhores técnicos do mundo. Realmente posso dizer que Giovanni tem
uma visão de jogo muito grande. É perfeccionista também, quer sempre que
a gente não erre, faça melhor. E a estratégia dele para jogar contra os
outros times é muito interessante. Talvez seja o técnico fora do Brasil que
mais dá treino. Às vezes, o da tarde chega a durar duas horas e meia, três horas.
Treinamos de manhã musculação e bola. Ele divide
em três grupos e eu faço um pouco de defesa de manhã. Estou adorando o treino dele e tenho
pouco tempo livre. Tive dois domingos livres, uma segunda e só. Acho
que até o Natal não vou mais ter um dia livre. Está muito puxado, porque a
gente joga a Copa Turca, a Liga Turca e a Champions League. Estou gostando
bastante daqui e acho que eles também estão gostando de mim.
A experiência de bicampeã olímpica é respeitada. A opinião de Sheilla é sempre levada em consideração. Nas ruas, ela também se surpreende ao ser reconhecida por gente que nem imaginava acompanhar sua trajetória nas quadras. Foi assim, na semana passada, durante uma caminhada despretensiosa por um pequeno mercado local.
- Um turco chegou e veio contar que era meu fã. Começou a falar da minha carreira e vi que acompanhava mesmo. Depois perguntou da Thaísa e deu para ver que acompanhava vôlei. Aqui sempre tem gente que pede para tirar foto. Uns chegam e perguntam se sou jogadora do Vakifbank. Quando veem que sou brasileira, falam: "bicampeã olímpica". Eles me respeitam bastante pelas coisas que conquistei e fiz pela seleção e pelos clubes. Meu técnico gosta muito da maneira como enxergo o jogo. Um motivo que me fez vir para cá foi a possibilidade de um novo desafio. Na carreira de atleta é sempre bom ser instigada a fazer mais. Agora não estou mais
no começo, mas no meio para o final da carreira já. Falta menos tempo
para eu parar de jogar do que o tempo que joguei. Sabia que aqui encontraria um campeonato forte e que eu seria exigida ao máximo por ser estrangeira. E estrangeira tem que dar 100% o tempo inteiro, tem que ser a jogadora de
decisão. Comecei a crescer, a virar a Sheilla que sou hoje quando fui atuar na Itália. Agora acho importante um desafio para me
manter no auge no fim da minha carreira.
E também para ficar mais perto e conhecer ainda melhor a forma de jogar de possíveis adversárias nas Olimpíadas do Rio 2016. O convívio será por duas temporadas. E ainda que a saudade de casa e do marido lhe aperte o peito, Sheilla diz que é o preço a ser pago.
- Espero que o Brenno consiga chegar no
dia 31 de dezembro. Ele tem o último jogo com o Pinheiros (é técnico da equipe na LDB) no dia 30 de
dezembro, ainda não está definido o local, então se não for em São Paulo
vai ser difícil pegar o voo porque ele chegaria às 21h30. Mas eu tenho
esperança de passar o Réveillon com ele. É difícil ficar longe dele, da
minha avó, da minha família. Sinto saudade, mas estou focada no vôlei,
tentando ganhar os jogos que tenho até o Natal, antes de Brenno chegar, de
alguém vir me visitar. Estou morrendo de saudade, mas faz parte.
Vira e mexe se pega com o pensamento perdido por aqui. Mas outras tantas vezes, se vê de volta ao Mediolanum Forum Assago, palco da fase final do Mundial da Itália. Aquele revés - o único da campanha - para os Estados Unidos na semifinal da competição, no dia 11 de outubro, ainda dói. Mais ainda quando teve de rever as imagens dia desses.
- Não tem como não lembrar. É uma derrota que não vou esquecer nunca, assim como não esqueço
até hoje as derrotas nas finais dos Mundiais de 2006 e 2010. Mas a vida passa. Um dia a gente teve que fazer um vídeo aqui, do time que tem a Larson (oposta
americana) e ainda não havia vídeo de jogo do campeonato turco, então
eles me pediram desculpa porque colocaram o daquela partida que a gente perdeu a semifinal. Se eu lembrar do Mundial
sempre fico triste, mas também fico alegre pela superação que a gente teve
para disputar o terceiro lugar. Aquela amargura, aquela tristeza vai
sempre ter, mas faz parte. Vida de atleta não é feita só de vitória, a
gente tem que saber superar as derrotas e pensar para frente. Graças a
Deus a minha tem muito mais vitória do que derrota (risos).