O primeiro longa metragem do diretor pernambucano Camilo Cavalcante, "A história da Eternidade", chega às salas de cinema a partir desta quinta-feira (25). Usando como pano de fundo a mitologia do Sertão nordestino, o filme explora a expressão do amor e do sonho de maneira universal, em uma história que podia se passar em outros lugares. O diretor conversou com o G1 e contou um pouco sobre o processo de produção, que levou 12 anos para ser concluído.
“Foi muito tempo trabalhando, pesquisando e tentando colocar nos editais e não sendo aprovado. Foi um processo bem insistente até que a gente conseguiu ser aprovado. Acredito que a gente faz arte para emocionar as pessoas. Eu já vi muito esse filme, quero que as pessoas vejam para ele ganhar vida. Se as pessoas não assistem, o filme não tem vida. As pessoas vão poder ir ao cinema e ter essa experiência”, conta Camilo.
Cartaxo, durante as filmagens do longa
(Foto: Nicolas Hallet / Divulgação)
No Recife, "A História da Eternidade" começa em cartaz no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Derby, e na próxima semana entra no Shopping RioMar. Levar uma produção independente, feita através de editais e incentivos públicos, para o circuito comercial e o grande público foi um desafio que Cavalcante se propôs a enfrentar. “O filme foi muito bem recebido, com prêmios importantes. Como se trata de uma produção independente é desafio muito grande furar o bloqueio comercial que é muito grande, levar para as pessoas que vão para o cinema. Tenho certeza de que quem assistir vai se emocionar”, avalia.
Foram 15 prêmios vencidos em festivais durante 2014, entre eles o de melhor filme brasileiro e prêmio do público na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e melhor filme, melhor direção, melhor ator, melhor atriz e prêmio da crítica no 6º Paulínia Filme Festival, além de melhor filme no Festival Internacional de Cine de Ayacucho, no Peru.
O elenco do filme é formado formado por Irandhir Santos, Cláudio Jaborandy, Leonardo França, Maxwell Nascimento, Marcélia Cartaxo, Débora Ingrid e Zezita Matos, as últimas três premiadas em diversos festivais pela atuação no longa.
Três mulheres, três amores
"A História da Eternidade" retrata a vida de três mulheres, em diferentes fases. Alfonsina é uma adolescente que sonha com o mar, enquanto Querência é uma mulher mais velha que acabou de perder um filho. Das Dores é a idosa, cuja família foi para São Paulo, mas o neto finalmente retorna para o Sertão, enchendo-a de alegria.
O filme traz os sonhos e a forma de vivenciar o amor das três em um pequeno vilarejo sertanejo, em que moram cerca de 40 pessoas. “É um filme feminino e delicado. A ideia foi colocar a expressão do amor e do sonho em três fases distintas da vida, que se complementam. Foram histórias de observações, da minha vivência no interior, que foram chegando”, explica.
A primeira história, que quase virou um curta-metragem, foi a relação de Querência com o sanfoneiro cego Aderaldo. As outras se uniram e foram sendo lapidadas ao longo dos 12 anos. “Ele [o roteiro] mexe com certa mitologia sertaneja, com os arquétipos dessa mitologia sertaneja, mas ao mesmo tempo é um filme muito universal. A partir do momento que a gente está falando dos sentimentos, estamos sendo muito universais”, avalia o diretor.
Filmada essencialmente com câmera fixa, a produção é marcada por alguns momentos de 'epifania', os únicos em que vemos movimentos circulares. Um desses é quando João, personagem de Irandhir Santos, faz uma performance da música "Fala", dos Secos e Molhados, imitando o então vocalista da banda, Ney Matogrosso. A sobrinha, Alfonsina, acompanha encantada, mas seu pai e irmão de João aparece, mostrando também a questão do preconceito com o que se considera 'diferente'.
Atemporal
A produção foi filmada no vilarejo de Santa Fé, a cerca de 60 quilômetros de Petrolina, no Sertão pernambucano. A preparação do elenco levou cerca de um mês, trabalhando com os moradores, que atuaram como figurantes. Por sinal, a comunhão com a população local, que não tem acesso à internet ou sinal de celular, foi essencial para transmitir a sensação de atemporalidade da produção. “Esse lugar tem esse tempo próprio. A única forma de comunicação com o mundo exterior é aquele telefone público que aparece no filme. É um lugar que tem um local bem próprio de tempo e espaço”, explica.
Outro ponto que contribui para se mergulhe no filme é a trilha sonora, que conta com composições originais do polonês Zibgniew Preisner, autor das músicas dos filmes de Krzysztof Kieślowski – diretor de que Cavalcante é fã -, e por Dominguinhos. “O Sertão e o frio do Leste Europeu parecem coisas diametralmente opostas, mas têm uma melancolia que musicalmente se combina”, avalia Cavalcante.
O trabalho para o filme foi um dos últimos de Dominguinhos, que faleceu em 2013. “Sempre foi um sonho trabalhar com esses dois. Preisner fez as trilhas de um diretor que eu admiro muito, ou seja, eu já admirava muito o trabalho. Era um sonho contar com esse colaborador e conseguimos”, conta.
Com 20 anos de carreira no cinema, Cavalcante tem 14 curtas no currículo, entre eles Leviatã; O Velho, O Mar e O Lago; Rapsódia para um homem comum; O presidente dos Estados Unidos; Ave Maria ou Mãe Dos Sertanejos e My Way, pelos quais já recebeu mais de 120 prêmios. O longa é homônimo de um curta lançado em 2003.
“A ligação que existe entre os dois [curta e longa] é por serem filmados no ambiente sertanejo. Os dois têm a ideia do cinema sinestésico, um filme que toca os sentimentos. Foi proposital para gente que está falando desse conceito de eternidade”, explica Cavalcante, lembrando que, apesar do mesmo nome, os filmes têm histórias bem diferentes.