Edição do dia 05/04/2015

05/04/2015 23h05 - Atualizado em 06/04/2015 00h07

Fantástico vai a Cuba documentar transição do país

Cúpula das Américas deve consolidar reaproximação com EUA.

A imprensa oficial cubana divulgou neste sábado (4) fotos do ex-presidente Fidel Castro tiradas esta semana. Foi a primeira aparição pública de Fidel em mais de um ano. Em dezembro, a ilha comunista também foi notícia ao se reaproximar dos Estados Unidos, depois de mais de meio século de isolamento. Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero foram até lá para responder a pergunta: o que deve mudar com essa reaproximação histórica?

O produto cubano mais reconhecido no mundo ainda é fabricado como há um século e meio. A radionovela, nos alto-falantes, aumenta a sensação de volta no tempo. 

A seleção das folhas de tabaco, as mãos tão hábeis que enrolam um charuto após o outro, sempre no mesmo peso e sem precisar de balança. Que fazem a capa sem fôrma e com a forma certa.Tudo artesanal. E muito caro. Poucas fábricas têm margens de lucro tão grandes. Um charuto pode sair da fábrica custando o equivalente a R$ 400 a unidade. Só que, por causa do embargo, o produto mais conhecido de Cuba não tem acesso ao maior mercado consumidor do planeta, que está ao lado, a pouco mais de 100 quilômetros de distância.
Mas tudo pode mudar. Pouco antes do Natal, Cuba e Estados Unidos trocaram prisioneiros.

Os presidentes se falaram e Obama deu os passos iniciais para acabar com o embargo que começou antes de ele nascer. O cardeal Dom Jaime Ortega foi quem levou ao Papa o pedido para que incluísse Cuba na agenda de encontro com Obama no Vaticano. Depois, o Papa Francisco contou ao cardeal a reação do americano. 

"São medidas obsoletas. Tomadas antes de eu nascer. Devemos acabar com elas. E o Papa lhe perguntou: "Por que não?" O Papa lhe falou: "Não somente pelo povo de Cuba, que sofre esse bloqueio por tanto tempo, mas pela sua política a respeito da América Latina”, contou o cardeal Dom Jaime Ortega. 

Quando os presidentes Raul Castro e Barack Obama se encontrarem esta semana na Cúpula das Américas, no Panamá, querem que as embaixadas já estejam reabertas. A embaixada americana vai funcionar em um prédio onde já é o escritório de interesses dos Estados Unidos em Cuba. Mas em Washington, os cubanos enfrentam um problema prático muito mais difícil. É que Cuba ainda está na lista dos países terroristas e por isso não pode sequer abrir uma conta em um banco americano. E sem poder movimentar dinheiro, como fazer funcionar uma embaixada? Bloqueio político e econômico que os cubanos veem como a principal fonte de seus males.

“Toda a situação atual de Cuba é produto do que eu chamo de pecado original, que foi a interrupção das relações econômico-comerciais com os Estados Unidos”, diz o economista Jesus Polido Catasus.

A maior fonte de divisas do país é a exportação de serviços médicos: US$ 8 bilhões ao ano. O país tem 50 mil médicos trabalhando no exterior - boa parte deles no Brasil.

Em um bairro da periferia de Havana, onde o lixo se acumula nas ruas, a equipe do Fantástico encontra um menino sonha com o Brasil. A mulher, que ficou sozinha com cinco filhos, se comunica com o marido sem falar.

“Ele me chama sempre pela manhã porque sabe a hora que eu me levanto e faço o café da manhã para as crianças, então ele me liga e eu desligo, e eu ligo para ele, e ele desliga. E assim sabemos que estamos bem”, conta a bioquímica Rosamaria Fonseca.

É que o casal não pode pagar ligações telefônicas fora de datas especiais. São muito caras. Do Brasil, o marido, que trabalha no sertão da Bahia, manda a metade dos R$ 3 mil que recebe - os outros R$ 7 mil pagos pelo programa Mais Médicos vão para o governo de Cuba.
Trabalhando em Cuba, um médico ganha pouco mais de R$ 200 por mês.

E Cuba aposta no turismo médico. Um hospital de ortopedia já tem três hotéis para pacientes estrangeiros. O diretor é uma celebridade internacional. O médico operou o ditador Saddam Hussein, é amigo de presidentes, foi condecorado por outros. Ele aposta na diferença de preços dos tratamentos entre Cuba e os Estados Unidos.

Fantástico: O senhor pensa que os cubano-americanos virão atrás de tratamento em Cuba?
Rodrigo Álvarez Cambra, cirurgião ortopédico: Tenho certeza que sim. Até agora os cubano-americanos só podiam vir a cada três anos, mas agora ficará mais fácil.

O dinheiro que vem do exterior é convertido para uma moeda criada em 2004 só para substituir o dólar que circulava na economia local. Desde então, os cubanos vivem com duas moedas. Uma é o peso cubano: com esse dinheiro eles recebem os salários e podem fazer compras nas lojas que pertencem ao Estado ou, então, frequentar os restaurantes estatais. O outro é o C-U-C ou CUC: esse é o dinheiro dos turistas, vale pouco mais que um dólar ou, então, 25 pesos. Só os cubanos que têm acesso a esse dinheiro conseguem fazer compras na iniciativa privada, tanto em lojas quanto em restaurantes. E é por isso que Cuba vive duas realidades paralelas, que convivem no mesmo tempo, no mesmo espaço, mas uma é dos cubanos que tem acesso aos CUCs, outra, as do que que têm que se virar com os pesos.

Toda família cubana tem um documento chamado de “La Libreta”. O livrinho é o que dá acesso às compras nas bodegas, os pequenos mercados que vendem alimentos com preços subsidiados pelo governo. Só que não se pode comprar à vontade. O livrinho é, na verdade, uma caderneta de racionamento. Cinco ovos, por pessoa, por mês. Leite, só para crianças com menos de sete anos.

Fantástico: Quanto tempo uma família se sustenta com o que vem na Libreta?
Mulher: Por mês? Uns cinco dias.

O movimento é porque chegou a única proteína animal que eles podem comprar pelo livreto. Cada pessoa tem direito a meio quilo de frango por mês. Se quiser mais, tem de comprar no mercado privado.

“Muito caro. Frango vale 75 centavos. No mercado, vale 25 pesos”, diz a mulher.

A diferença, no meio quilo, é de 3.300%.

“Eu ganho 250 pesos mensais. Dez dólares”, diz um homem.

Com esse salário, dá para comprar 4,5 quilos de frango. E só. A feirante diz que seus fregueses são principalmente estrangeiros e os restaurantes privados. E quem recebe dinheiro de parentes que migraram para os Estados Unidos.

No país onde o estado controla das lojas de roupas à barraca de churros, a feira é só um dos novos negócios particulares.

Um dos primeiros negócios privados de Cuba surgiu em um prédio caindo aos pedaços. Um andar inteiro abandonado. Tem todos os vestígios de um palacete e agora serve para pendurar a roupa do restaurante. O cortiço virou restaurante em 1994.  

“Esse momento coincidiu com uma abertura do governo para os negócios privados e estava na moda uma novela brasileira na qual a protagonista abriu um pequeno restaurante que prosperava”, diz o dono do restaurante Paladar La Guarida, Enrique Nuñes.

O restaurante “Paladar”, da personagem de Regina Duarte, em “Vale Tudo”.

“Por isso se chamaram os novos restaurantes de “paladares”, explica Enrique Nuñes.

Eles pagam bem, por isso é fácil encontrar gente com curso superior trabalhando em restaurante.

Jenny Diaz Ramos, engenheira e garçonete: Eu trabalhei como engenheira em uma empresa estatal, aí abriram em Cuba os negócios privados, com oferta melhor de salário.
Fantástico: A diferença é muito grande?
Jenny Diaz: Sim.
Fantástico: Quanto? O
Jenny Diaz: Até cinco vezes mais.

René Rodrigues também é engenheiro. Função: técnico de manutenção. “Esta é uma fábrica mista, onde as condições de trabalho são muito boas, e o salário é muito melhor”, diz o engenheiro mecânico Renê Rodrigues.

A fábrica é uma sociedade entre o governo e uma empresa brasileira. Quase metade dos trabalhadores têm curso superior.

“Cuba tem uma grande vantagem em relação a vários países da América Latina que é o capital humano”, diz o diretor da empresa Alexandre Carpenter.

A empresa deve se instalar na zona especial de desenvolvimento. Cuba está oferecendo facilidades para receber fábricas que hoje são levadas para a China. É no porto de Mariel, construído por uma empreiteira brasileira, com financiamento de R$ 1 bilhão do BNDES em um negócio com cláusulas secretas. Durante vários meses, a reportagem do Fantástico pediu permissão ao governo cubano para visitar o porto financiado com dinheiro brasileiro e também as obras da nova zona industrial. Mas todos os pedidos foram negados.

Os prédios deteriorados e a frota de carros que não é renovada há meio século são a face mais visível das consequências do embargo. E, ironicamente, a maior atração para turistas que lotam os hotéis do país. Faz parte da experiência desfilar pela cidade nos carros antigos.
O governo cubano calcula que ao abrir as portas do país, que era praticamente uma terra proibida para os americanos até agora, vai atrair 400 mil turistas já este ano e dois milhões no ano que vem.

Isso assusta os canadenses.“Queremos que Cuba continue Cuba, e não vire outra parte dos Estados Unidos”, diz um turista do Canadá.

Mas uma americana está encantada com a segurança nas ruas. Mas nem tudo agradou. “Um taxista que nos atendeu era um engenheiro, falava dois idiomas, e ganhava pouquíssimo. Nós ficamos impressionados. Então fica difícil você se esforçar tanto e depois não ter o resultado do seu trabalho de uma maneira real, justa. É uma nivelação por baixo”, diz a bancária Cristina Novaes.

O trunfo dos cubanos pode ser a simpatia, que faz o mais contido dos visitantes entrar no seu ritmo.

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