• Maria Laura Neves
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Jean Wyllys está em seu segundo mandato como deputado federal (Foto: Cristiano Sérgio)

Jean Wyllys está em seu segundo mandato como deputado federal (Foto: Cristiano Sérgio)

Aos 40 anos, Jean Wyllys é gay assumido e o primeiro representante orgulhosamente homossexual da comunidade LGBT no Congresso Nacional. O carisma, a popularidade e o traquejo para se comunicar em tempos de redes sociais fizeram com que assumisse como causa, além dos direitos dessa comunidade, a defesa dos direitos humanos e de outras minorias. Ele carrega bandeiras feministas como a legalização do aborto e a defesa do parto humanizado, levantadas por Marie Claire nos 33 países em que a revista é publicada.

Ainda hoje Jean é difamado por causa de sua orientação sexual. Seu primeiro mandato como deputado federal do Rio Janeiro (2010-2014) foi marcado por embates com membros da bancada evangélica, que ultrapassaram as paredes do Congresso e dominaram a internet. Ali, fundamentalistas religiosos lançaram ofensas contra ele, compartilhadas em uma velocidade frenética. Entre as mais pesadas, estava a de que o deputado apoiava a pedofilia. O embate rendeu-lhe ameaças de morte, proferidas por e-mail e telefone.

Em uma longa conversa de dois encontros em seu gabinete, em Brasília, Jean se emocionou ao lembrar das dificuldades financeiras que passou na infância. Hoje, o jornalista e professor universitário que conquistou o Brasil durante o reality show "Big Brother Brasil", da TV Globo, em 2005, diz que está preparado para enfrentar seus adversários políticos e que sonha em ser pai.

MARIE CLAIRE - O Congresso brasileiro é muito conservador. Como pretende passar suas pautas em um ambiente tão hostil?
JEAN WYLLYS
- Embora seja de fato conservador, ainda temos mais de cem deputados progressistas. Isso faz diferença, entre 513, na hora de votar leis que são de interesse também dos conservadores. A disputa política é esse embate. Temos força para levar pautas progressistas adiante. Por outro lado, acho que a interrupção segura de uma gravidez indesejada – prefiro usar esse nome para o aborto – e a descriminalização do uso recreativo da maconha vão ser legalizadas pelo Judiciário. Foram os juízes que garantiram a união civil entre homossexuais. Esses avanços só serão feitos pelo Legislativo quando a reforma política acontecer – e estamos batalhando por isso.

MC - Já foi ameaçado alguma vez por causa de seus embates com a bancada religiosa?
JW
- Não por eles, mas por seus seguidores. Fui ameaçado de morte por telefone e e-mail. E também sou permanentemente difamado pelos cristãos fundamentalistas que acham que os homossexuais são pecadores e têm de ser convertidos e curados. Essas pessoas espalham calúnias pesadas sobre mim, me associando à pedofilia, que é a típica maneira de despertar um pânico moral contra a comunidade LGBT. Como vivemos o império da burrice nas redes sociais, as pessoas compartilham sem checar se aquilo é verdade.

MC - Você nasceu em uma pequena cidade, em uma família pobre. Quais suas lembranças mais marcantes desse período?
JW
- Nasci e cresci em Baixa da Candeia, periferia de Alagoinhas. Era uma zona rural, sem calçada nem esgoto. Só fui ter luz em casa aos 11 anos. Minha mãe era lavadeira e uma de minhas memórias mais dolorosas é de quando ela saía para trabalhar e me deixava com meu irmão mais novo, George, em casa. Eu tinha 5 anos e tocava muito "Lady Laura", do Roberto Carlos, no rádio. Achava que ela nunca iria voltar. Até hoje, quando escuto essa música, choro. Morávamos em casas precárias, até que minha avó construiu um vão menor do que essa sala [a sala de Jean mede cerca de 6 metros quadrados] nos fundos do quintal dela. Fomos morar lá – meu pai, minha mãe e os seis filhos. Uma vez ouvi uma conversa de pessoas sugerindo à minha mãe que nos desse para que outros nos criassem. Chorei horrores, era grudado na barra da saia dela. Meu pai era pintor de automóveis, mas não conseguia trabalhar porque era alcoólatra.

MC - Sofreu violência sexual?
JW -
Não. A única coisa que aconteceu foi que tive minha primeira experiência sexual aos 13 anos com uma mulher mais velha, de 28 [risos], a Magnólia. Ela foi uma professora e não me forçou a nada. Foi um evento muito bacana [risos].

MC - Depois teve outras relações com mulheres?
JW -
Namorei duas na adolescência e elas sabiam que eu era gay. Uma delas foi depois de me assumir, aos 16 anos, e a outra antes da minha primeira relação com homem, aos 19. Depois tive mais relações com mulheres, o que não faz de mim um heterossexual. A sexualidade é fluida. Sempre fiquei com mulheres em festas. A gente dança, conversa, abraça, beija e [estala os dedos] transa. Mas ciente da identidade de cada um. E não descarto a possibilidade de, no futuro, ficar com uma mulher porque o amor faz coisas que até mesmo Deus duvida. 

MC - O que te atrai nas mulheres?
JW -
Tenho uma cumplicidade com elas que não tenho com eles. Dá para conversar durante a transa, não tem a urgência do orgasmo – pelo menos aquelas com as quais me relacionei.

MC - Você tinha planos de ter um filho com uma amiga?
JW -
Com a Adriana, minha amiga da vida, que eu amo. Nos conhecemos no colegial e depois moramos juntos em Salvador. Ela mudou-se para São Paulo e engravidou lá, de um gay [risos]. Quando voltou para a Bahia, exerci algumas funções paternas com a filha dela, até Adriana se casar de novo. O curioso é que ela se casou com um amigo meu, o Alan, minha primeira paixão adolescente, mas com quem não tive nada porque ele é heterossexual. Eles continuam casados e tiveram dois filhos. Continuamos superpróximos.

MC - E os planos de ser pai?
JW -
Estão aí, à espera. Quero um filho, estou na fila da adoção. Mas, quando a criança vier, vou dar uma assentada e me dedicar a ela. Hoje minha vida está muito atribulada.

MC - Como você se aceitou homossexual?
JW -
Com uns 13 anos, comecei a olhar os meninos e percebi que meu interesse não era só de amizade. Queria abraçar e ficar junto deles. A princípio, foi uma fonte de sofrimento porque achava que tinha algo errado comigo. Nunca tinha visto dois homens juntos na TV nem na literatura. Aos 14 anos, conheci, na igreja, Chico, professor de literatura, e Marcelo, ator de teatro amador. Eles me contaram que namoravam homens e que não havia problema nisso. Isso me fez sair da dor e do sofrimento, me deu identificação e uma turma. Fui procurar o grupo de teatro do Marcelo, o Brecha, do qual comecei a fazer parte. Ali não tinha vergonha. Tinha orgulho. Quando amadureci isso, contei para minha mãe e meus irmãos.  Nunca falei disso com meu pai. Minha mãe chorou e disse com todas as letras que não queria isso. Eu disse a ela que nada ia mudar: “O filho honrado que lhe dá só orgulho e que nunca abandonou a família nunca vai mudar. A senhora não tem o que temer”. Ela nunca mais falou desse assunto, mas eu puxava quando tinha oportunidade. Depois que saí de Alagoinhas, levei alguns namorados para ela conhecer.

MC - Quando teve sua primeira relação com um homem?
JW -
Eu tinha 19 anos e foi com um cara que eu conheci em uma boate. Me senti plenamente realizado. Não havia a estranheza que perdurava na relação com as mulheres. Eu nutri expectativas, mas, para ele, eu era apenas o garoto daquele fim de semana.

MC - Está solteiro?
JW -
Sim. Muitos gays, mesmo assumidos, não querem o holofote de se relacionar com uma pessoa pública. Estar comigo é segurar essa onda. A última vez que tentei um namoro foi no ano passado. Embora a mãe dele soubesse que é homossexual, nunca conversaram sobre isso. Até que, num almoço de domingo, a mãe disse: “Você está namorando o Jean Wyllys? Estou tão feliz!”. Ele quase morreu e me disse que não dava conta daquilo. Entendi. Paciência.

MC - Você se sente sozinho?
JW -
Sim. Os amigos compensam a minha solidão. Tenho transas pontuais, claro, mas fico muito tempo sem fazer sexo. E tenho a masturbação. Melhor andar sozinho do que mal acompanhado [risos].

MC - Você foi coroinha. Como entrou para a Igreja?
JW -
A família da minha mãe é católica e ela conduziu a gente para a igreja. Quando eu tinha 1 ano, tive diarreia e desnutrição e minha mãe achou que estava morto. Meu pai saiu para comprar um caixão. Quando puseram a vela na minha mão, a cera caiu e eu reagi. Eles viram que eu estava vivo. Eu e meus irmãos entramos cedo na catequese. Fui progredindo na igreja até chegar ao movimento pastoral. Rompi com a instituição aos 16, quando questionei o bispo sobre o fato de a igreja não enfrentar a violência contra os homossexuais. É uma contradição abrigar tantos gays mascarados pela fé e não reconhecer a existência deles. Ele disse que aquelas eram perguntas de quem estava perdendo a fé. Ele tinha certa razão. Saí da igreja mas não perdi o que ela me deu de bom – o saber, os valores nobres e a empatia pela dor do outro.

MC - Como você exercita sua espiritualidade?
JW -
Depois disso, vivi uma crise. Não encontrei onde canalizar minha relação com o sagrado. Quando entrei na faculdade e comecei a ler o marxismo, flertei com o ateísmo, mas não consigo viver num deserto de crença. Deus é uma marca na vida de quem nasce em uma sociedade crente. Tirei a face bélica e masculina do Deus judaico-cristão e a ressignifiquei no contato com o budismo e religiões de matriz africana, sobretudo o candomblé, que me acompanhou a vida inteira. Havia muitos terreiros na Baixa da Candeia. Minha avó paterna era do candomblé e me rezava de quebranto, olhado, campainha caída [garganta inflamada]. Eu saía de lá curado [risos].

MC - Qual é a importância do "Big Brother" em sua vida?
JW
- Eu fazia doutorado em comunicação e resolvi estudar o programa: um fenômeno de audiência e críticas negativas nos jornais. Mandei um vídeo careta para a TV Globo, com uma camisa cor de abóbora [risos]. Quando fui aceito, tive uma crise. A crítica vinha dos meus pares, dos intelectuais. Mas resolvi desafiar essa concepção. Saí vitorioso, convertido em celebridade. Nunca imaginei que fosse despertar identificação no país todo, mas não quis viver como celebridade. Voltei a dar aulas e fui convidado por políticos para me candidatar. Aceitei a proposta da Heloísa Helena e me filiei ao PSOL. Em 2010, graças ao coeficiente eleitoral, iniciei meu mandato como deputado federal. Em três meses, a imprensa já tinha mudado a impressão sobre mim porque cheguei trabalhando, com desenvoltura e determinação. E a demanda de direitos humanos, que estava reprimida no Brasil, recaiu sobre meu mandato. No ano passado, fui eleito com 145 mil votos.

A entrevista completa com Jean Wyllys está na edição de janeiro de Marie Claire.