Em um ano, o conceito de vitória ganhou novos
significados. Se antes a primeira ideia era associada a pódios e medalhas,
agora Lais Souza encara pequenos progressos físicos de forma parecida como
vivenciava seu principais feitos como atleta. Desde 27 de janeiro de 2014,
quando se acidentou em uma pista de esqui durante os treinamentos para os Jogos
de Sochi, a ex-ginasta superou os momentos mais críticos de sua recuperação e
ainda luta para recuperar os movimentos corporais do pescoço para baixo. As
evoluções recentes – principalmente o aumento da sensibilidade nos membros
superiores - a permitem sonhar com dias ainda melhores, e os planos mostram
objetivos claros: um deles é voltar a morar no Brasil, tendo São Paulo como casa.
Nesta terça-feira, Lais está na capital paulista
realizando uma bateria de exames para acompanhar sua condição física. Em
fevereiro ela voltará ao Jackson Memorial Hospital, em Miami, onde realizou
três séries de aplicações de células-tronco no ano passado, e será reavaliada pela
equipe médica local. Só com base na análise destes dados é que as próximas
etapas do tratamento serão definidas. Por enquanto, no Brasil, ela segue fazendo
fisioterapia diariamente e comemorando as pequenas conquistas.
- Minha sensibilidade está bem melhor. Ainda não
tenho a parte motora, mas a musculatura no bíceps, no antebraço e na mão está
bem mais forte. É o maior progresso que venho sentindo. Tenho a sensação de que
meu corpo não para, que está sempre tentando contrair. São minhas vitórias agora.
Antes eu tinha movimento, força, uma entrega física, foco nas competições,
acrobacias e tal. Hoje é diferente, é um foco mais interno no meu corpo, em
tudo que sinto de diferente, cada pequena diferença. Eu sempre tenho o “plano A”
de andar, caminhar, mas foco no meu dia a dia, no meu tratamento e na
fisioterapia. Estou vivendo um dia após o outro, agora não posso ter erro –
disse Lais, por telefone, ao GloboEsporte.com.
A ex-ginasta chegou ao Brasil no dia 13 de
dezembro, data em que completou 26 anos. Desde então segue uma rotina
complicada, já que além das sessões de fisioterapia ela cumpre uma série de
compromissos com patrocinadores e imprensa. Apesar da correria, Lais comemora a boa recepção que teve dos compatriotas.
-
Na verdade eu vim sentir o que estava acontecendo no Brasil, vim perceber qual
seria a dificuldade. Algumas coisas surpreenderam, como o carinho
das pessoas. O que estamos tendo de retorno
e escutando todos os dias, que as pessoas estão rezando e pedindo para que eu melhore... Tem sido muito bom, tirando
os problemas que estamos tendo.
Se o contato
nas ruas está sendo positivo, com muitas mensagens de carinho e apoio, a
logística ainda é um grande problema. O deslocamento em São Paulo foi facilitado pela
doação de um carro adaptado pelo apresentador de TV Luciano Huck, mas a falta
de acessibilidade na cidade é um grande obstáculo.
A fisioterapeuta e amiga Denise Lessio conta que qualquer simples
deslocamento é complexo devido à má qualidade do asfalto, e os embarques e
desembarques exigem tempo e paciência, já que ainda são poucos os lugares que
possuem rampas e adaptações para receberem pessoas com mobilidade limitada. Esta
é, inclusive, uma das grandes dificuldades na busca por um apartamento para
alugar.
- Há lugares que ela frequentava e que hoje não é mais
possível porque não tem uma entrada própria. Fora que as ruas são muito
esburacadas. O carro está ajudando muito, mas mesmo a 20 km/h ainda chacoalha
muito, ela bate a cabeça. É preciso muito cuidado para ela não se machucar
durante o transporte, e fazer tudo com muita antecedência já prevendo esse
tempo do trajeto lento. É complicado - desabafou Denise.
As dificuldades não se limitam ao deslocamento. Se nos Estados
Unidos uma cuidadora auxiliava a mãe de Lais, agora Dona Odete acumula todas as
atividades. O sacrifício em prol dos cuidados com a filha começaram exatamente
há um ano, quando ela abandonou o trabalho de vendedora para viajar a Salt Lake
City e acompanhar a recuperação em tempo integral.
- Eu tinha um emprego, mas larguei tudo para viver a vida
dela. Eu tenho muita fé, e é o que me dá mais segurança. Eu agradeço todos os
dias por qualquer sensibilidade, cada pouquinho que vai acontecendo, mesmo que
devagar, porque ela está aqui comigo, viva e com saúde. É muito puxado porque
tem as sondas, muitos remédios e é tudo muito caro. Gasta-se muito com um
tetra (tetraplégico). Graças a Deus estamos tendo ajuda - disse Odete.
No dia 13 de janeiro foi publicado no Diário Oficial da
União a sanção da presidente Dilma Rousseff à lei que concede pensão vitalícia a Lais. Aprovada
pelo Congresso Nacional no fim do ano passado, a lei proposta pela deputada Mara
Gabrilli (PSDB-SP) prevê
pensão mensal e vitalícia a Lais em valor equivalente ao limite máximo do
salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social: R$ 4.390,24. Como a
sanção é muito recente, a família ainda não teve acesso ao dinheiro. Por
enquanto, a atleta está se sustentando com recursos fornecidos pelo Comitê
Olímpico Brasileiro (COB), por patrocinadores e com a verba arrecadada na campanha
“Força, Laís” – cerca de R$ 200 mil, de acordo com o pai da atleta.
No dia 27 de janeiro de 2014, Lais treinava com a
também ex-ginasta Josi Santos e o técnico Ryan Snow em uma pista de esqui em
Salt Lake City. As brasileiras já haviam participado de todas as competições
classificatórias do esqui aéreo para as Olimpíadas de Inverno de Sochi e
aguardavam cortes das equipes que excediam o número limite de atletas por país com
índice para confirmarem a vaga inédita para o Brasil na modalidade. O cenário
se confirmaria, mas apenas Josi teria a oportunidade de competir. Naquela
segunda-feira Lais perdeu o controle dos esquis e chocou-se com uma árvore, o
que provocou uma torção na coluna cervical.
O primeiro boletim médico divulgado pelo Time
Brasil confirmava a perda dos movimentos dos braços e pernas, mesmo após as
cirurgias que realinharam a coluna. Lais superou o risco de morte, conseguiu
respirar sem a ajuda de aparelhos e deixou a UTI, sendo depois transferida para
o Jackson Memorial Hospital, em Miami. Na nova fase da recuperação, a paulista passou
a integrar um projeto pioneiro com células tronco. Após três sessões de
aplicações, ela viajou ao Brasil pela primeira vez desde o acidente.
- Os primeiros dias foram terríveis
porque ela ainda estava correndo risco de vida, foram muito desgastantes. A
liberação dela do aparelho de respiração foi a grande alegria, o alívio para a
gente que estava distante. Depois fomos acompanhando as melhorias com relação
aos movimentos, têm sido poucas e gradativas, mas graças a Deus, para o bem.
Ela ter voltado para o Brasil foi muita alegria, apesar de a ter visto pouco
devido a tantos compromissos. Mas estamos todos mantendo a esperança, ainda
mais com essa possibilidade forte dela voltar a morar aqui perto disse o pai,
Antônio, que ainda vive com os dois irmãos de Lais em Ribeirão Preto.