Coluna
Flávio Freire Flávio Freire Sociedade

A sorte de se ter filhos gay friendly

Quem dera se a causa gay fosse defendida por quem foi criado com o assunto de forma tão natural

Ricardo separou da mulher dois anos depois do casamento. Reuniu a ex, seus pais e os pais dela na sala de estar da mansão de um condomínio fechado em São Paulo. Enquanto o filho de poucos meses babava de sono no carrinho sobre uma das poltronas, ele revela à família o que já tinha contado quatro dias antes para a mãe do seu herdeiro. Disse que estava se separando porque era gay.

O pai dele engasgou. A mãe dela disse que não precisava estar ali para viver aquilo. A mãe dele deu uma sonora gargalhada, com um copo de dry-martini na mão direita. O bocejo do pai dela era mais intenso que o interesse na cena que parecia escrita por Gilberto Braga. Há 20 anos, saliente-se.

Não foi assim uma separação amigável. Lucas, o herdeiro, viveu entre as duas casas. A ex casou de novo. Ricardo conheceu Marcos e foram morar juntos duas semanas depois. Lucas sempre chamou Marcos de tio. Numa viagem a Disney, Ricardo chama o garoto, então com nove anos e o boneco do Ben-10 na mão, para uma conversa. “Filho, quero te contar que, na verdade, o tio Marcos é o companheiro do papai esse tempo todo”. Lucas franze a sobrancelha e dispara:

“Companheiro, como assim, ele não é seu namorado?”

Nuala foi morar na Itália anos e anos atrás. Modelou por algum tempo, depois de ter dividido passarela no Brasil com Gisele ainda no comecinho da carreira, lá pelos idos do Phytoervas Fashion. Aos 40 anos, em Roma, ela deu à luz Greta, que adora assistir no Youtube cenas antigas de Sítio do Pica Pau Amarelo. Ama a Emília. Fábio, o marido italiano, passará dez dias sem a mulher e a filha, que desembarcam nesse final de semana em São Paulo. Greta está com 6 anos, é risonha e pergunta sobre tudo, misturando português e italiano.

A ex-modelo chama a filha para uma conversa. Diz que ela vai conhecer muitos amiguinhos da mamãe. E que muitos deles não vivem sozinhos, mas com os seus namorados. Nuala escreveu a noite toda uma série de respostas já imaginando o que poderia vir pela frente. Diante da informação dada pela mãe enquanto assistia a boneca de pano no colo de dona Benta. Greta apertou os lábios, olhou para o alto pensando e soltou: “Tá bom, mas qual é o nome do namorado do tio Ricardo?”

Nuala só não tinha essa resposta.

Marina tinha uns 8 anos quando chegou da escola perguntando para a mãe se ela conhecia algum gay. Fernanda, descoladérrima, finge que não se surpreende com a pergunta e diz que sim, claro, conhece váááários. Marina vai pro quarto e volta cinco minutos depois. “Mas eu conheço algum gay que você conhece, mãe?”. Fernanda está no fogão e de costas balança a cabeça para cima e para baixo. Marina quer um nome, implora por isso. “O seu padrinho, por exemplo. Aquele moço louro é o namorado do dindo”. Mais um, mãe, mais um, por favor.

Fernanda entra na brincadeira, e diz que tem um que o nome começa com F. Marina matuta, chama a irmã de quatro anos para tentar ajudá-la a descobrir o enigma. Ela risca numa folha todos os nomes que lembra, numa tentativa de eliminar quem pode ser o amigo gay da mamãe. Vai de Frederico a Felipe, de Fernando a Fábio. Chego para uma visita, e depois de saber da curiosidade da menina a chamo para uma conversa. Olho nos olhos e faço questão de lembrar que meu nome começa com aquela letrinha que tanto perturba sua rotina.

Diante do olhar arregalado da garota, digo que sou gay, crente que ali eu revelava o terceiro segredo de Fátima. Mas quem disse que esse era o dilema da menina que mal sabemos, até hoje, porque ela tinha tal dúvida. Depois da revelação, Marina imediatamente liga para o pai no trabalho e grita:

“Pai, descobri, descobri, agora eu sei quem é o F misterioso”.

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