CARACAS — Os venezuelanos encontraram novas limitações no dia em que o governo de Nicolás Maduro fazia uma marcha em memória dos 26 anos da revolta popular do “Caracazo”. Sem aviso massivo, passou a vigorar o confuso sistema de rodízio da terminação da carteira de identidade para compras no mercado Bicentenário, além do divulgado aumento de 20% da passagem de ônibus na capital.
Em 27 de fevereiro de 1989, revoltada com as medidas econômicas impostas pelo presidente Carlos Andrés Pérez, a população saiu às ruas deixando um rastro de destruição e saques. O Exército, para controlar a turba, disparava. Números não oficiais apontam mais de duas mil pessoas foram mortas indiscriminadamente. Hoje, pouco mais de 500 vítimas da revolta foram indenizadas pelo Estado. Maduro manifestou a necessidade de cortes nos gastos do Estado para manter programas sociais diante da queda dos preços do petróleo. Porém, no último sábado, em cada ponto da marcha “anti-imperialista”, os palanques, carros de som e lanches para os participantes deixavam transparecer os excessos da convocação.
— Caso não consigam organizar esta situação de caos que vivemos, vai acontecer outro Caracazo — afirma o aposentado José Marquez Turíbio, enquanto tentava entrar no estatal Bicentenário.
Em fevereiro, o ministério da Defesa publicou a resolução 8.610, que autoriza as forças de segurança disparar em manifestações. Críticos ao regime afirmam que o adolescente Kluivert Roa, morto semana passada em Táchira, foi a primeira vítima da medida. Maduro afirma que não está autorizado o uso da força contra manifestantes.
Nas filiais do Bicentenário, avisos informam como funciona o rodízio. No primeiro sábado de cada mês está autorizado acesso de cidadãos com carteiras finalizadas em 0, 1 e 2. Aos domingos, os de 3 e 4, e assim sucessivamente. Este sistema permite as compras a cada 15 dias. Além disso, o consumidor se depara com o sistema biométrico, com a cota e a disponibilidade dos produtos.
— Como fazer um frango render por tanto tempo? Tenho que guardar dinheiro para poder comprar a cada 15 dias. Está complicado — afirma a vendedora de café María Rodríguez.
No país, o salário é pago nas quinzenas e o rodízio de vendas deve gerar distorções no orçamento familiar. A população precisa equilibrar as contas em um país onde a inflação é um segredo guardado a sete chaves, mas sentido no bolso. Foi nos últimos dias de dezembro que o Banco Central da Venezuela divulgou que a inflação foi de 64,8% ao ano.
— O governo vai continuar colocando entraves para a compra porque não há produtos suficientes — explica o economista Angel Alayon.
O Bicentenário da Plaza Venezuela é considerado o modelo do comércio estatal. Ali perto ficam a estação de metrô de mesmo nome da qual saem duas conexões para áreas populares da capital, a principal via expressa da cidade e o ponto de diversas linhas de ônibus. As filas que circundam o mercado são extensas. Sábado começou assim, mas após serem informados do entrave da carteira de identidade, muitos foram embora. Outros, indignados, preferiram aguardar.
— A fome não teme a repressão. Vamos fechar a rua para protestar. Não tenho medo — gritava a faxineira Milagro Filot.
Na entrada do estabelecimento, agentes das forças de segurança organizavam as filas para controlar eventuais agitações, enquanto o general identificado como Bello V., da Força Armada Nacional Bolivariana, tentava aclamar os consumidores.
— Todas as mudanças são traumáticas. A nova norma foi divulgada no canal (estatal) Venezolana de Televisión. Vocês não veem o canal? — perguntava.
A poucos metros dali, em Sábana Grande, partidários do governo se aglomeravam para a marcha resguardados por outros militares. Tudo para manter a ordem.