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Serviço de streaming da Amazon inclui advertência sobre racismo em desenhos de 'Tom & Jerry'

Segundo aviso, episódios reproduzem preconceitos raciais que eram comuns nos EUA
Cena da série que traz a eterna perseguição entre o gato e o rato Foto: Divulgação
Cena da série que traz a eterna perseguição entre o gato e o rato Foto: Divulgação

RIO - O popular desenho animado “Tom & Jerry” ganhou uma advertência de “preconceito racial” no serviço de streaming da Amazon. O aviso diz que o conteúdo “pode reproduzir alguns preconceitos étnicos e raciais que antes eram comuns na sociedade americana”. A medida reacendeu novos debates sobre o controle de obras produzidas em contextos históricos diferentes.

A eterna perseguição entre o gato e o rato foi lançada na década de 1940, época em que a segregação racial ainda era predominante em muitos estados americanos. Mas, nos últimos anos, o desenho passou a acumular uma série de críticas pela reprodução de estereótipos, como a personagem da empregada negra Mammy Two Shoes, cujo rosto nunca era mostrado. Muitos a consideram uma caricatura de mau gosto dos negros.

O serviço da Amazon também informa que “tais conceitos eram errados na época em que os acontecimentos são datados, assim como estão errados atualmente”.

A personagem Mammy Two Shoes Foto: Reprodução
A personagem Mammy Two Shoes Foto: Reprodução

Não é a primeira vez que o desenho suscita este debate. Cenas consideradas ofensivas já foram editadas ou removidas da série. Além da questão racial, também há críticas quanto a práticas violentas e uso de cigarro.

O canal infantil Boomerang, por exemplo, editou um episódio em que Tom enrola, acende e fuma um cigarro. Já a rede Cartoon Network chegou a tirar 27 capítulos do ar, em função da violência entre os personagens. Todas essas medidas, entretanto, vieram acompanhadas de uma enxurrada de protestos por parte dos fãs dos personagens.

DE LOONEY TUNES A PEDRINHO

Mas o gato e o rato não estão sozinhos nessas polêmicas. Vários desenhos já foram alvos de criticas semelhantes, como episódios dos Looney Tunes em que Pernalonga faz piada com diferentes etnias, muitas vezes representadas de forma estereotipada. Recentemente, o Brasil viveu um debate semelhante, porém no campo da literatura, quando o Supremo Tribunal Federal recebeu um pedido para que o livro “As caçadas de Pedrinho” fosse banido das escolas, devido a um possível conteúdo racista.

O professor de Animação 3D e Desenho Animado da ESPM Rio, Fabio Forti, classifica a atitude da Amazon como positiva, ao expor o conteúdo dos desenhos sem alterar a obra.

— Isso permite que o espectador decida se quer ver ou não, em vez de fazer um corte que comprometa a história — diz.

Para ele, alterar a obra é o mesmo que “apagar a história”:

— Desenhos antigos apelavam muito para o sarcasmo e a violência. Mas isso, na verdade, retrata o comportamento de uma época. Era isso que divertia as pessoas.

Já o sociólogo Ronaldo Helal, professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj, lembra que, frequentemente, o poder dessas produções é superestimado. Por isso, ele defende que o conteúdo deve ser relativizado, antes de qualquer interferência.

— Há uma legião de mulheres que cresceram lendo contos de fadas e, nem por isso, deixaram de se tornar feministas — ilustra. — Claro que, se houver uma conotação racial muito grande, pode ser interessante fazer alguma adaptação. Mas é preciso certificar-se de até que ponto o conteúdo exposto não é, na verdade, um retrato da época de produção.

A psicanalista Maria José Gontijo Salum reforça o argumento de Helal. Segundo ela, as crianças têm a percepção de que aquilo que está na tela pertence ao campo da fantasia. Portanto, assistir a determinados programas não significa que imitarão o que é mostrado.

— O comportamento delas está mais ligado à educação que recebem. No final, o maior diferencial é a mediação dos responsáveis — pontua.