Saúde

Rotina de luta por tratamento e contra o preconceito

No Dia Mundial das Doenças Raras, portadores de epidermólise bolhosa pedem atenção à enfermidade
Márcia Cristina e sua filha são portadoras de epidermólise bolhosa Foto: José Pedro Monteiro / O Globo
Márcia Cristina e sua filha são portadoras de epidermólise bolhosa Foto: José Pedro Monteiro / O Globo

RIO - Márcia Cristina Medeiros, de 41 anos, é portadora de epidermólise bolhosa (EB) — como logo se apresenta. Durante sua infância, não teve esclarecimentos sobre a doença, sequer sabia que era genética. Ela se casou, engravidou, e as informações que recebia eram de que Maria Isabel, hoje com 9 anos, não nasceria com a enfermidade. Em menos de 24 horas de vida, no entanto, a pequena apresentou sinais da doença.

— Quando cheguei em casa da maternidade, fui trocar a fralda e vi as bolhas no bumbum. Depois, no calcanhar. Em 48 horas, estavam no corpo todo — lembrou. — Eram muito parecidas com queimaduras. Logo pensei que era o mesmo que eu tinha.

Após diagnósticos equivocados de que seria impetigo, Márcia soube que a filha tinha a forma menos grave da EB, como ela. A rotina de curativos, então, pôde ser direcionada com o auxílio de um profissional.

Acostumada com perguntas de curiosos (“Ela está machucada?”), a dona de casa conta que, quando tinha 18 anos, foi barrada em um emprego de professora sob a alegação de que a doença intimidaria as crianças. Por conta dessa pouca informação, a Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio de Janeiro aproveita o Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado hoje, para alertar para o preconceito.

— No Brasil, a rede médica não faz notificação compulsória dessa doença. São as associações que mapeiam. O Rio teve 200 casos o ano passado — afirmou Ana Mósca, coordenadora dermatopediatra da sociedade, ressaltando que acredita que esse número seja maior.

A doença, que não é contagiosa, caracteriza-se por grande sensibilidade na pele, sendo a principal característica da forma congênita o aparecimento de bolhas, especialmente nas áreas de maior atrito e nas mucosas. Segundo Ana, o diagnóstico é feito na maternidade, uma vez que as crianças já nascem com áreas rosadas. Quanto ao tratamento, a profissional informa que a criança precisa de cuidados especiais, como uma técnica para segurá-la, de forma a não abrir feridas; e o uso de roupas folgadas, de algodão, para não implicar a troca constante de curativos.

Márcia e Ana chamam atenção para o mesmo problema: a hostilidade com indivíduos que apresentam a EB e outras doenças raras acaba fazendo com que muitos fiquem presos em casa e não tenham convívio social normal.

CONTATO COM OUTRAS FAMÍLIAS

Todas essas informações eram uma realidade muito distante para a veterinária Cristina Pliego, de 35 anos, mãe de Felipe, de 2, paciente da doença. Segundo ela, que participa do processo de fundação da Associação de Epidermólise Bolhosa do Estado do Rio de Janeiro, o contato com outras famílias foi o que mais a ajudou no dia a dia, já que alega não ter muito apoio do Estado.

— Meu filho nasceu sem pele nos dois pezinhos — contou. — Recebemos auxílio do governo por meio de mandado de segurança, já que o curativo é muito caro. Só de custos com a doença são R$ 12 mil mensais.

Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) conta com 36 protocolos de diagnóstico e tratamento de doenças raras, para as quais há oferta de exames e medicamentos. A pasta pretende publicar mais 12 protocolos ainda neste ano. Segundo Ligia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o número não é baixo, mesmo em um universo de oito mil doenças raras no mundo e com cerca de 13 milhões de brasileiros convivendo com elas:

— Claro que médicos e famílias têm de buscar atendimento de qualidade para todos, mas nós estamos avançando.