Os pés que têm encantado olheiros da Europa no Sul-Americano
sub-20 percorrem um longo caminho diário para treinar no Fluminense. Gerson, de
17 anos, um dos destaques da seleção brasileira no torneio, é cria do bairro da
Posse, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde mora até hoje. Visto como uma das principais
promessas da base do país, despertou o interesse do Juventus e também é
especulado em clubes como Barcelona, Manchester City e Chelsea, ávidos para levar o menino para uma realidade bem diferente da que ele está acostumado.
Gerson nasceu em Belford Roxo, outra cidade da Baixada. A origem de seu talento é desconhecida. O pai do menino, Marcos Antônio da Silva, o Marcão, de 48 anos, também da região - é de Nilópolis - admite que nunca jogou bola na vida, apesar da paixão pelo futebol. E brinca:
- Acho que é um milagre de Deus.
Gerson começou a carreira em Xerém, nas divisões de base do
Fluminense. O talento sempre o tornou precoce na caminhada pelo futebol. É
dos mais novos no elenco da seleção, uma rotina comum para ele.
- Ele sempre jogou uma categoria acima. É um garoto
tranquilo, de bom coração, um excelente filho, muito família. Gosta de ficar em
casa, pois tem poucos momentos com a gente, está sempre com a seleção, com o
clube. É um garoto de ouro – derreteu-se em elogios Marcão.
Como todo pai coruja, Marcão se empolga ao falar do filho.
Principalmente do que ele chama de “Projeto Gerson”. Explica-se: o progenitor
largou o emprego há quatro anos para se dedicar exclusivamente à carreira do
meio-campista, uma tarefa que divide com a família. A preocupação era assegurar
que o menino criado num bairro humilde da Baixada Fluminense não se perdesse no
meio do caminho como tantos outros.
- Agora ele está se valorizando. Quantos meninos no nosso
bairro estão trabalhando, quantos outros estão no tráfico de drogas? Olha a
oportunidade que a gente teve. Não podemos sabotar nossa própria oportunidade.
A gente não está milionário, mas mudou muito. A gente morava em casa que chovia
em tudo dentro, não tinha ajuda de ninguém. Eu vendi ferro velho para levar meu
filho para treinar. A gente se uniu e fez o Projeto Gerson dentro da família. É
por isso que me mantenho no bairro onde eu moro. O Gerson é um jogador de
seleção, pretendido por clubes europeus. Espero que olhem mais para Nova
Iguaçu. Quantos outros meninos como o Gerson não existem aqui? – explicou.
Marcão não é o único a se desmanchar em elogios a Gerson.
Javier Ribalta, olheiro do Juventus, foi designado pelo clube italiano para
acompanhar o meia no Sul-Americano. Saiu do Uruguai empolgado com o menino. Na Itália, a versatilidade do menino foi exaltada, e as comparações com o francês Paul Pogba surgiram.
- Ele é um bom jogador. O Pogba é o Pogba, mas Gerson parece
um pouco com o Pogba, só que canhoto. Há muito tempo que o olhamos. Ele é
famoso – disse o olheiro.
TÉCNICO E TÍMIDO
Alexandre Gallo tem a mesma percepção. Técnico da seleção brasileira sub-20, ele convocou o garoto apesar da pouca idade e ficou satisfeito com as qualidades técnicas do meia. Ressalta, porém, que ainda há espaço para evoluir.
- Ele é um dos atletas na questão da evolução psicológica, da manutenção de uma conduta de concentração mais linear, até por ser mais jovem. É um jogador de ótima capacidade técnica, com valências que antecipam sua fase. É um jogador maduro para a idade dele, meia hábil, técnico. É um grande talento.
No Sul-Americano, Gerson foi titular em todas as partidas da
primeira fase. No hexagonal final, ficou no banco nos jogos contra Uruguai e
Paraguai. Ainda assim, coleciona três assistências, todas para Marcos
Guilherme, artilheiro brasileiro na competição, com quatro gols.
- O Gerson joga muito. É um cara que admiro muito, falei
para ele. Ele tem essa facilidade de deixar o pessoal na cara do gol. Todo
mundo vê a qualidade ele. Méritos para ele – afirmou Marcos Guilherme.
A afinidade com a bola contrasta com a timidez do menino. Um
dos mais novos do elenco da seleção, Gerson pouco fala com a imprensa. Nos
treinos, não é dos que mais brincam. Costuma ficar mais calado. Ainda assim, Gallo diz que o jogador já exerce papel de liderança no grupo.
- Apesar de ser jovem, ele exerce liderança sobre alguns atletas, por incrível que pareça. É um cara do bem, um menino agradável de lidar.
FLUMINENSE QUER MANTER O JOGADOR
Mas é a intimidade com a bola nos pés que faz diversos clubes europeus se
interessarem pelo meia. A curto prazo, porém, o Projeto Gerson passa pelo
Fluminense. O contrato com o Tricolor vai até 2019, e, apesar da pouca idade, o
jogador deve integrar definitivamente o plantel principal quando voltar do
Sul-Americano.
- Ainda é cedo para ele ir para a Europa. Lá é bacana para o
aprendizado do atleta, mas ele precisa se consolidar no país dele. Precisa
jogar aqui para mostrar a capacidade dele dentro do profissional. Precisa
adquirir aquela química com o país dele – explicou Marcão.
Para isso, será preciso resistir às investidas de gigantes
europeus. O Juventus já confirmou interesse, mas o Fluminense deixou claro que
não vende pelos € 10 milhões (cerca de R$ 29 milhões) inicialmente falados na imprensa italiana. Empresários do meio do futebol já se movimentam para tentar trabalhar com o jogador.
- Houve muitos olheiros no Sul-Americano. Para todos, a
resposta foi a mesma: não temos interesse em negociar o Gerson. Do Juventus não
houve contato algum conosco. É impossível vender o Gerson por € 10 milhões –
disse o diretor da base tricolor, Fernando Simone.
Enquanto um gigante europeu não pagar o valor pedido pelo
Flu, Gerson trilhará seu caminho, que é longo: das ruas da Posse para as
Laranjeiras são quase 50 km. Se continuar brilhando, logo o menino terá de
cobrir uma distância ainda maior: até o Velho Continente.